Acórdão nº 990/12.0TBLSA-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução06 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

M..., SA, promoveu, no Tribunal Judicial da Comarca da Lousã, contra A... e N..., acção executiva para pagamento de quantia certa, para dos últimos haver a quantia de € 16.493,17.

Alegou como fundamento desta pretensão executiva que, no desenvolvimento da sua actividade industrial de anodização de alumínios, forneceu a C..., Lda., diversas mercadorias, dos quais resultou um saldo de conta-corrente de € 16.493,37, tendo aquela aceite, para garantia do seu pagamento, uma letra no valor de € 18.000,00, avalizada pelos executados, que lhe não foi paga.

O executado N... – citado em Janeiro de 2014, designadamente para pagar - opôs-se à execução, pedindo se decrete a improcedência da execução, porquanto o título que serve de base ao requerimento executivo é nulo, por ter sido abusivamente preenchido, a nulidade do aval prestado e o levantamento da penhora de créditos de IRS, presentes e futuros, vencidos e não vencidos.

Alegou, como fundamento da oposição, que o aval que apôs na letra foi em branco, sem qualquer quantia ou data nela mencionada, que foi a exequente quem a preencheu, sem que previamente tenha discutido e negociado as condições em que tal preenchimento poderia ter lugar, que inexistiu qualquer convenção de preenchimento, não tendo dado consentimento ao preenchimento da letra, que é falsa a importância que dela consta, que a exequente, ao preencher, pelo seu punho, unilateralmente, com valor cuja origem desconhece e data de emissão e vencimento escolhidas a sue bel-prazer, fê-lo de forma abusiva, sem cumprimento do acordado, que a letra foi, assim, preenchida de forma arbitrária, ao arrepio do acordado, sem o seu conhecimento nem consentimento, nunca tendo sido interpelado pela exequente para proceder ao pagamento nem informada que a mesma ia ser apresentada a pagamento, e que a letra, por ter sido abusivamente preenchida, é nula, tornando nulo o aval que deu, não dispondo a exequente de título executivo bastante.

A exequente respondeu que os executados, N... e A..., lhe remeteram a letra não preenchida mas aceite por C..., Lda., devidamente avalizada por eles, que na carta que a acompanhava, os executados davam, desde logo, o seu consentimento para o seu preenchimento caso os valores que facturem ou de qualquer forma documentem não sejam por aquela firma atempada e efectivamente pagos, que aquela sociedade deixou de cumprir os seus compromissos, tendo, então, procedido ao preenchimento da letra de acordo com o combinado e consentido na carta, e que a letra titula o montante da dívida daquela sociedade, decorrente de fornecimentos e outras transacções comerciais, das quais resultou um saldo favorável, igual ao valor da execução.

Identificado o objecto do litígio, enunciados os temas da prova, e realizada a audiência de discussão e julgamento, a sentença final da causa, com fundamento em que não se pode deixar de se considerar verificada a ausência de interpelação prévia sobre os termos de preenchimento da letra (designadamente dos elementos referentes à data do vencimento e quantia a pagar), e, por isso, de proceder a presente oposição quanto à inexigibilidade da obrigação em relação ao executado/oponente N... por falta de vencimento da obrigação cartular – julgou procedente a oposição deduzida pelo executado/oponente N... e em consequência determinou o prosseguimento da execução apenas quanto ao executado A..

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É esta sentença que a exequente impugna através do recurso ordinário de apelação – no qual pede que seja considerada nula, por falta de fundamentação de direito, ou, quando assim se não entenda, que seja revogada e se julgue a oposição à execução improcedente – tenho estabilizado a sua alegação nestas conclusões: ...

Não foi oferecida resposta.

  1. Factos provados.

    O Tribunal de que provém o recurso julgou provados os factos seguintes: ...

  2. Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objetiva do âmbito do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3, do nCPC).

    A sentença impugnada com fundamento na ausência de interpelação prévia do executado opoente sobre os termos do preenchimento da letra concluiu pela inexigibilidade, relativamente àquele, da obrigação, por falta de vencimento da obrigação cartular, e julgou a oposição procedente.

    A exequente discorda, fazendo assentar a sua discordância na nulidade daquela sentença por falta de indicação do fundamento de direito, na inoponibilidade, pelo avalista, das excepções que o avalizado pode opor ao portador da letra emitida em branco, e na desnecessidade da interpelação do primeiro para o preenchimento daquele título cambiário.

    Nestas condições, considerando os parâmetros da competência decisória desta Relação, definidos pelo conteúdo da sentença impugnada e da alegação da apelante, as questões concretas controversas que importa resolver são as de saber se: a) Aquela sentença se encontra ferida com o valor negativo da nulidade substancial, por falta de indicação dos fundamentos de direito; b) Ao avalista da letra emitida em branco está autorizado a invocar as excepções que ao seu avalizado é lícito opor ao portador desse mesmo título; c) O avalista de letra emitida em branco deve ser previamente interpelado e se, por falta dessa interpelação, a obrigação pecuniária incorporada naquele título de crédito é intrinsecamente inexequível com fundamento na sua inexigibilidade, decorrente da falta de vencimento.

    A resolução destes problemas vincula ao exame, ainda que leve ou breve, da causa de nulidade da sentença representada pela falta de especificação dos fundamentos de direito relevantes para a decisão, da posição jurídica do avalista e da condição ou pressuposto da acção executiva em que se resolve a inexigibilidade da obrigação exequenda.

    3.2.

    Nulidade substancial da sentença impugnada.

    O primeiro fundamento da impugnação consiste na nulidade substancial da sentença, valor negativo que, no ver da apelante, decorreria da falta de fundamentação de direito.

    A falta de motivação ou fundamentação verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um qualquer pedido mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. A nulidade decorre, portanto, da violação do dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (artº 208 nº 1 da Constituição da República Portuguesa, 154 nº 1 e 615 nº 1, b), do nCPC).

    Isto é assim, dado que uma das funções essenciais de toda e qualquer decisão judicial é convencer os interessados do bom fundamento da decisão. A exigência de motivação da decisão destina-se a permitir que o juiz ou juízes convençam os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz ou juízes devem passar de convencidos a convincentes. Compreende-se facilmente este dever de fundamentação, pois que os fundamentos da decisão constituem um momento essencial não só para a sua interpretação – mas também para o seu controlo pelas partes da acção e pelo tribunal de recurso[1].

    A motivação constitui, pois, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível – como sucede na espécie sujeita - de garantia do direito ao recurso.

    Portanto, o dever funcional de fundamentação não está, pois, orientado apenas para a garantia do controlo interno - partes e instâncias de recurso - do modo como o juiz exerceu os seus poderes. O cumprimento daquele dever é condição mesma de legitimação da decisão.

    Na motivação da decisão o juiz deve desenvolver uma argumentação justificativa da qual devem resultar as boas razões que fazem aceitar razoavelmente a decisão, numa base objectiva, não só para as partes, mas também – num plano mais geral – para toda a comunidade jurídica. Na motivação, o juiz deve demonstrar a consistência dos vários aspectos da decisão, que vão desde a determinação da verdade dos factos na base das provas, até à correcta interpretação e aplicação da norma que se assume como critério do juízo. Da motivação deve resultar particularmente que a decisão foi tomada, em todos os seus aspectos, de facto e de direito, de maneira racional, seguindo critérios objectivos e controláveis de valoração, e, portanto, de forma imparcial[2]. Dito doutro modo: a decisão não deve ser só justa, legal e razoável em si mesma: o juiz está obrigado a demonstrar que o seu raciocínio é justo e legal, e isto só pode fazer-se emitindo opiniões racionais que revelem as premissas e inferências que podem ser aduzidas como bons e aceitáveis fundamentos da decisão[3].

    A fundamentação da decisão é, pois, essencial para o controlo da sua racionalidade. Pode mesmo dizer-se que esta racionalidade é uma função daquela fundamentação. E como a racionalidade da decisão só pode ser aferida pela sua fundamentação, esta fundamentação é constitutiva dessa mesma racionalidade.

    Numa palavra: a exigência de fundamentação decorre da necessidade de controlar a coerência interna e a correcção externa da decisão.

    No entanto, quanto a este ponto, há que fazer um distinguo, cuidadoso, entre a falta absoluta de motivação – da motivação deficiente, medíocre ou errada. O dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (artº 154 nº 1 do nCPC)[4].

    Tem-se, realmente, entendido que o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação[5]; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente: afecta o valor doutrinal e persuasivo da decisão – mas não produz nulidade[6]. Portanto, só a...

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