Acórdão nº 197/14.2JACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelFERNANDO CHAVES
Data da Resolução14 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório 1.

No processo comum com intervenção do tribunal colectivo registado sob o n.º 197/14.2JACBR, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Coimbra – Instância Central – Secção Criminal – J4, por acórdão de 25 de Maio de 2015, depositado na mesma data, o arguido A.. , com os demais sinais dos autos, foi condenado pela prática, em autoria material e como reincidente, de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 2 e 177.º, n.º 1, b) do Código Penal, na pena de cinco (5) anos e seis (6) meses de prisão.

  1. Inconformado com a decisão, o arguido dela interpôs recurso, retirando da sua motivação as seguintes conclusões (transcrição): «I O Recorrente foi condenado nos presentes Autos pela prática, como autor material e reincidente, de um crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. nos artigos 171.º/n.º 2 e 177.º/n.º 1-b), ambos do CP, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva.

    II O Recorrente não pode concordar com a decisão do Tribunal a quo que o condena a um cárcere de Cinco (5) anos e Seis (6) meses a cumprir num Estabelecimento Prisional, na medida em que não resulta da prova recolhida nos autos, sem sombra de dúvida, que o Recorrente tenha praticado o crime de que vem condenado. Tanto assim é que, III Basta a análise das declarações das testemunhas prestadas em sede de audiência de julgamento e as da menor C..., prestadas para memória futura, mormente das concretas passagens a que se alude nas Alegações.

    IV Salvo o devido respeito, nenhum dos depoimentos foi apto a fazer prova dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo vertidos nos pontos n.ºs 6, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22, 23 e 32 da factualidade provada do Douto Acórdão.

    V Na factualidade considerada provada no Douto Acórdão há uma clara contradição no que diz respeito ao local onde residia o recorrente à data dos factos, sendo que foi considerado que o mesmo residia ao mesmo tempo em dois locais distintos, em casa da sua irmã E... e em casa da sua mãe.

    VI Se se considera provado que à época da prática dos factos o arguido coabitava com a sua mãe e uma irmã, não é possível ter praticado os factos de que vem condenado e que pressupõem que o arguido passou a residir em casa da sua irmã E... , mãe da menor C... .

    VII O Tribunal a quo considerou provado que o recorrente ocupou o único quarto que se encontrava livre e que se situava no primeiro andar da casa da sua irmã E... , mãe da ofendida, mas, tal como se afere pelo depoimento da Testemunha H... (passagem 02:44 a 03:43), a casa é de segundo andar e a menor ter-lhe-á indicado que, alegadamente, ela e o recorrente dormiam num colchão situado no segundo andar, não existindo assim qualquer base probatória em que assente aquele facto.

    VIII A Testemunha E... confirmou que a ofendida já havia feito queixa de outro adulto, o Sr. I... , por este a ter apalpado, nas mamas e na vagina, a troco de dinheiro (passagem 09:40 a 11:02), anteriormente aos factos dos Autos, o que deveria ter sido considerado provado e que vem inquinar a credibilidade da ofendida que negou nas suas declarações ter tido qualquer envolvimento de cariz sexual com outra pessoa.

    IX Pela prova produzida em sede de julgamento, mormente pelos depoimentos da menor C... e da sua mãe E... , não é possível afirmar que aos poucos o arguido começou a brincar com a menor de modo inocente até começar a tocar-lhe no corpo, pois nunca o mesmo foi referido por qualquer testemunha.

    X A ofendida, na suas declarações, nunca referiu ter vestidas calças por forma que se considerasse provado que o recorrente lhas baixou, mencionando apenas o uso de uma camisa que foi alvo de exame pericial do qual não resultou provada a presença de qualquer vestígio de sangue nem sémen, nem qualquer haplótipo do cromossoma y.

    XI Não foi referido em qualquer momento, não constando de qualquer depoimento, que o recorrente, sabendo que a GNR andava à sua procura, no dia 25 de Maio de 2014, já não foi dormir em casa da sua irmã passando a permanentemente em casa da sua mãe, em Mortágua, pelo que não há qualquer base probatória em que se possa ter apoiado o tribunal a quo para formar essa convicção.

    XII Da prova testemunhal produzida, e à qual se aludiu nas Alegações, constata-se que nunca ninguém viu o arguido apalpar a C... , nunca viram os dois juntos na cama, nunca viram o arguido tirar-lhe o pijama e as cuecas, colocar as suas mãos na vagina dela, friccionando-a e introduzindo os dedos, nunca viram o arguido baixar as calças e as cuecas que a C... trazia vestidas e encostar o seu pénis ereto à vagina dela, friccionando-o até ejacular.

    XIII O Tribunal a quo, referindo-se às Testemunhas J... e L... , na sua fundamentação de facto, página 11 do douto Acórdão, 1.º parágrafo, concluiu que ambos viram a ofendida e o recorrente trocarem alguns beijos na boca.

    XIV Mas, como se pode comprovar pela audição do seu depoimento (passagem 05:47 a 06:16), a Testemunha L... disse nunca ter visto o arguido e a ofendida aos beijos na rua.

    XV O Tribunal a quo, na sua fundamentação de facto, disse terem sido as testemunhas J... e L... , acima identificadas, que tomaram a iniciativa de chamar as autoridades policiais ao local, ao café, mas conforme se comprova pelo seu depoimento, foi a Testemunha B... que disse ter chamado a GNR (passagem 06:56 a 07:09).

    XVI Padecendo assim, a referida fundamentação de facto, de vícios que inquinam todo o Douto Acórdão, pois alicerça-se em factos que não resultam de qualquer prova produzida em audiência, estando antes em nítida contradição com a prova produzida.

    XVII Salvo o devido respeito, deveria ter sido valorado o depoimento da Testemunha K... que, num discurso coerente e credível, disse que a ofendida C... negou que o recorrente lhe tivesse feito qualquer mal (passagem 08:15 a 08:25).

    XVIII Não consta dos autos qualquer prova de que o arguido tenha praticado o crime previsto no artigo 171.º/2 do CP, a própria ofendida negou que o arguido tenha introduzido os dedos na sua vagina.

    XIX Não resultou dos autos, nem da prova, matéria suficiente para que se possa concluir que o arguido praticou o crime pelo qual vem condenado.

    XX Também, e, salvo o devido respeito, que muito é por V/ Exas., deverão ter em conta o princípio in dubio pro reo, pelo facto de ter sido criada uma claríssima dúvida razoável sobre se o Recorrente cometeu o crime, uma vez que, relativamente aos factos pelos quais vem condenado, nenhuma das testemunhas os corroboraram, sobejando apenas as declarações frágeis e sem qualquer credibilidade da ofendida C... , por se comprovar que esta é capaz de mentir, conforme se explica nas Alegações, ao contrário do que conclui o relatório psicológico de fls. 178 a 180 dos autos.

    XXI Como também não resulta dos autos que o Arguido tenha agido de forma deliberada, livre e consciente. Assim, salvo o devido respeito, julgou o Tribunal a quo os referidos factos de forma incorreta, uma vez que sobre os mesmos não foi produzida prova. Pelo que, não poderão os factos ser dados como provados, o que levará à insuficiência da matéria provada para a condenação do Recorrente.

    XXII É nula a reprodução das declarações do arguido em sede de audiência de julgamento, o que se invoca expressamente, pois, nos termos do artigo 357.º/3, que remete para o artigo 356.º/9, ambos do CPP, a sua permissão e a sua justificação legal deveriam ficar a constar da ata, sob pena de nulidade, pelo que não podem ser valoradas na formação da convicção do Tribunal a quo, tendo, desta forma e salvo o devido e merecido respeito, violado o disposto naqueles artigos.

    XXIII Assim, é também nula a audiência de julgamento e, consequentemente, o Douto Acórdão de que se recorre, nos termos do artigo 122.º/1 do CPP.

    XXIV Pelo supra exposto, a prova produzida nos presentes autos impunha ao Tribunal a quo uma decisão oposta à que resulta do acórdão recorrido, considerando não provados os pontos n.ºs 6, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 15, 16, 17, 21, 22, 23 e 32 da factualidade provada e, consequentemente que o recorrente não praticou o crime de que vem acusado, pois, salvo o devido respeito, julgou-os incorretamente.

    XXV Na sequência do nosso modesto raciocínio, consideramos que o Tribunal a quo violou, entre outros, os artigos 32.º/2 da CRP, 127.º, 357.º/3 e 356.º/9, 365.º/3, todos do CPP.

    XXVI Por tudo isto requer-se a ABSOLVIÇÃO do Recorrente. Caso V/ Venerandas Exas. Juízes Desembargadores tenham opinião diversa, que apenas por mera cautela se admite, deverão revogar a Douta decisão do Tribunal a quo declarando nula a audiência de discussão e julgamento, e consequentemente o Douto Acórdão, por tudo o supra exposto.

    Termos em que, nos Doutamente supridos e nos mais de Direito, devem Vossas Excelências julgar procedente o presente Recurso, e proferir Douto Acórdão que deverá a revogar o Douto Acórdão aqui recorrido, absolvendo o arguido ou caso não seja este o entendimento de V/ Excelências, que declare nula a audiência de julgamento e consequentemente o Douto Acórdão por violação do artigo 357.º/3 do CPP, assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA!» 3.

    O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção do julgado.

  2. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se refere o artigo 416.º do Código de Processo Penal, emitiu parecer no sentido de que deve ser dado provimento ao recurso, declarando-se a nulidade da permissão de audição em audiência de julgamento das declarações prestadas pelo arguido no 1º interrogatório judicial por não ter ficado consignada em acta a sua justificação legal, com a consequente nulidade do acórdão recorrido.

  3. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, nada foi dito.

  4. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

    * II - FUNDAMENTAÇÃO 1. O acórdão recorrido 1.1. No acórdão proferido na...

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