Acórdão nº 47/13.7IDLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução14 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO No processo comum n.º 47/13.7IDLRA, supra identificado, após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu: 1- Condenar o arguido A...

pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo artigo 105º, n.ºs 1 e 4, do RGIT, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 6, o que perfaz o montante total de € 720; 2- Condenar a arguida “B... , Lda.

” pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo artigo 105º, n.ºs 1 e 4, e artigo 7º, ambos do RGIT, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5, o que perfaz o montante total de € 720.

* O arguido A... discordou da decisão proferida, e dela interpôs o presente recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões: 1- A sentença recorrida equimozou o sentido profundo da coerência, apreensibilidade, operacionalidade e justeza dos meios e das soluções de que a actividade interpretativa deve servir-se para encontrar a justa e correcta resolução do caso concreto.

2- E atento o manadeiro fáctico e probatório carreado aos autos, impunha-se uma decisão diversa, no sentido da absolvição do arguido.

3- A convicção do julgador há-de formar-se, após, uma ponderação serena de todos os meios de prova produzidos, guiado sempre, por padrões de probabilidade, num processo lógico-dedutivo de montagem do mosaico fáctico, perspectivado pelas regras da experiência comum.

4- Andou mal o Tribunal "a quo" ao dar como provados os factos descritos nos Pontos 8 e 9, da sentença recorrida, que estão, incorrectamente, julgados, impondo-se decisão diversa.

5- Ressaltam várias contradições na decisão sobre a matéria de facto, que enegrecem o juízo condenatório gizado pelo Tribunal "a quo", nomeadamente: • entre o vertido nos pontos 8 e 9 dos factos provados na sentença, com os pontos 14 e 15 dos factos provados.

6- O Tribunal "a quo" bordou uma motivação para respaldar a sua decisão, numa retórica, manifestamente, insuficiente, que não cumpre os mínimos de consagração constitucional, do universal dever de fundamentação.

7- O juiz deve indicar os motivos e as provas que sustentaram a prova que confirmou a hipótese acusatória, mas também, os motivos que levaram a excluir as hipóteses antagónicas e a julgar não atendíveis as provas contrárias invocadas na sustentação da hipótese não admitida.

8- No caso sub judice, perfila-se vítrea a falta de fundamentação da sentença, maxime, neste segmento do contraditório, resvalando para omissão de pronúncia no que tange à alegada compensação que foi postergada pela Administração Tributária, estando a isso legalmente vinculada.

9- A sentença, ora, posta em crise, padece de Nulidade prevista no artigo 379°, n.º 1, alíneas a) e c) do CPP, que para os devidos efeitos aqui, expressamente, se invoca, e que é de conhecimento oficioso.

10- A falta de fundamentação, consubstancia, igualmente, uma violação clara da Lei Fundamental, por equimose dos artigos 20°, 32°, n.º 1, e 205° todos da CRP, prefigurando a interpretação do artigo 374° do CPP no sentido de não incluir-se na estrutura da fundamentação da sentença toda a dimensão contraditória da hipótese apresentada pela Defesa e valoração crítica de todos os meios de prova não atendidos na decisão, bem como, a falta de narração crítica dos factos não provados, claramente inconstitucional por violação dos preditos normativos, imanentes dos princípios da garantia da tutela jurisdicional efectiva, desenvolvido nas garantias de defesa, onde se inclui o direito ao recurso nas garantias do processo criminal.

11- Não estão preenchidos, in casu, os requisitos do Tatbestand do crime de abuso de confiança fiscal.

12- Entendeu o Tribunal "a quo" que a notificação plasmada no artigo 105°, n.º 4, alínea b) do RGIT, mesmo estando a sociedade comercial já, previamente, declarada Insolvente por sentença transitada em julgado, terá de fazer-se na pessoa do seu gerente, porquanto a representação legal societária pelo Administrador de Insolvência restringe-se aos aspectos patrimoniais que interessem à insolvência, e como estar-se-ia diante duma questão atinente a um processo crime, afastaria a exigibilidade de tal notificação na pessoa do Administrador de Insolvência, não se vislumbrando, porém, a assertividade de tal argumento.

13- Será exigido que a notificação plasmada no artigo 105°, n.º 4, alínea b) do RGIT se faça na pessoa do Administrador de Insolvência, pois, só ele está investido dos necessários poderes de representação societária, para gerir os interesses/obrigações patrimoniais da empresa.

14- A responsabilidade principal e directa no pagamento do tributo assaca-se sobre a empresa, impendendo sobre o gerente uma responsabilidade, meramente, subsidiária, conforme estipula o artigo 8° do RGIT, que por sua vez perfila-se na esteira do estatuído no artigo 11°, n.º 9 do CP, que consagra expressamente uma responsabilidade subsidiária daqueles que ocupam uma posição de liderança pelo pagamento das multas e indemnizações em que a pessoa colectiva ou entidade equiparada for condenada relativamente aos crimes.

15- Já no que toca à responsabilidade contra-ordenacional, o artigo 7°, n.º 4 do RGIT afasta mesmo a responsabilidade dos agentes, quando aquela é imputada às pessoas colectivas ou equiparadas.

16- Não se olvide que o Administrador de Insolvência é já mobilizado pela legislação tributária para assumir uma palete de obrigações fiscais, como decorre, v.g. do artigo 117º, n.º 10 do CIRC.

E com maior veemência estipula a nova redacção do artigo 65°, n.º 5 do CIRE, introduzida pela Lei n.º 16/2012 de 20-04, a responsabilidade do administrador de insolvência no cumprimento das obrigações tributárias durante o processo de insolvência.

17- Muito mal se compreende a posição assumida na sentença, que necessariamente recorre a uma interpretação extensiva do artigo 65°, n.º 5 do CIRE, para incluir na lei o que esta não prevê, qual seja, que a responsabilidade do administrador de insolvência esfuma-se, quando o acto/omissão possa consubstanciar um qualquer crime tributário, mesmo que para tal, se pulverizem todos os prazos e moratórias oferecidos pela legislação fiscal para não travestir uma mera contra-ordenação em crime.

18- O artigo 81 ° do CIRE, foi completamente postergado pelo Tribunal "a quo".

Na verdade, após a declaração de insolvência, o gerente vê serem-lhe sugados e privados, de forma imediata, todos os poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência, ficando, assim, impossibilitado de responder afirmativamente à notificação do artigo 105°, n.º 4, alínea b) do RGIT.

20- A tese abraçada e vertida na sentença, afronta clamorosamente o princípio da culpa, atirando o arguido para o pântano do crime, não por qualquer acto da sua autoria, mas por acção de terceiros.

Ou seja, o desenho da responsabilidade criminal do arguido fica completamente nas mãos de terceiras pessoas, que pela sua acção ou omissão definem o desvalor da conduta que será posteriormente imputada àquele para efeitos punitivos.

21- A interpretação conjugada dos artigos 65°, n.º 5 e 81°, n.º 1 ambos do CIRE , e artigo 105º n.ºs 1 e 4, alíneas a) e b) do RGIT, no sentido oferecido por esta decisão do Tribunal "a quo", que o administrador de insolvência não deve ser convocado para gerir as obrigações tributárias da empresa devedora e como tal, não deve ser-lhe dirigida a notificação prevista naquela alínea b) do artigo 105°, n.º 4 do RGIT, não permitindo ao arguido beneficiar do afastamento da condição objectiva de punibilidade, viola, assim, os artigos 16°; 20°; 32°, n.ºs 1 e 202°, n.º 2 todos da CRP e ainda, os artigos 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; 10° da Declaração Universal dos Direitos do Homem e artigo 14°, n.º 1 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e os respectivos princípios constitucionais daí imanentes de Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional efectiva; Direito ao recurso e à Defesa, princípio da legalidade e ao Due process of law, e ainda, o princípio da interpretação das leis em conformidade com a Constituição e primacialmente o princípio da culpa em processo penal.

22- Violou, assim, a sentença em análise o plasmado nos artigos 410°, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP; o artigo 105° do RGIT; os artigos 65° e 81° ambos do CIRE e os artigos 20°; 32°, n.º 1 e 2 e 205° todos da CRP e ainda o artigo 6°, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Termos em que, nos mais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.as deve dar-se provimento ao presente recurso e ipso facto:

  1. Revogar-se a sentença recorrida, considerando-se como não provados os Factos indicados na conclusão quarta desta motivação recursória, e consequentemente absolver-se o arguido do crime por que foi condenado.

  2. Não se entendendo, assim, deverá Revogar-se a decisão...

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