Acórdão nº 3264/08.8TBFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelCATARINA GON
Data da Resolução20 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

A...

e mulher, B...

, residentes no (...), Brenha, intentaram a presente acção contra Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de C...

e contra D...

e mulher, E...

, residentes na Rua (...), Brenha, alegando, em suma, que: são proprietários de dois prédios urbanos, onde existe um portão seguido de um pátio, quintal e logradouro de cada uma das casas; do lado sul desses prédios existe um prédio propriedade da herança Ré, composto por casa de habitação e logradouro, sendo que, em tempos remotos, a autora da aludida herança pediu à mãe da Autora – e, posteriormente, à Autora – para passar pelo prédio desta e pelo aludido portão a fim de entrar com mato para o seu prédio e para não ter que passar com o mato pela casa principal, onde hoje existe um café; não obstante tal ter sido autorizado, há mais de trinta anos que ninguém passa com mato naquele local; mais tarde – há cerca de 14 anos – o Réu passou pelo prédio dos Autores, com autorização destes, para transportar materiais de construção com vista à realização de obras que andava a efectuar; não obstante esse facto, nunca existiu no local qualquer serventia a favor do prédio dos Réus e ainda que tivesse existido sempre estaria extinta pelo não uso, já que, há mais de vinte anos, ninguém passa naquele local; não obstante esse facto, o Réu, em Novembro de 2008, pretendeu entrar e passar com um tractor pelo portão dos Autores e em direcção ao seu prédio, tendo partido as dobradiças do aludido portão e obrigando à colocação de um novo portão, além de ter danificado o cimento, importando a reparação desse estrago em 150,00€.

Com estes fundamentos, pedem que os Réus sejam condenados: a) A reconhecer a inexistência de servidão de passagem pelos identificados prédios dos Autores a favor do seu prédio; b) A não passarem ou tentarem fazê-lo através dos prédios dos Autores para o seu prédio e a fecharem o portão que construíram no lado que confronta com aqueles prédios; c) A pagarem aos autores a quantia de € 150,00 por força dos danos que lhes causaram.

Subsidiariamente, e caso se entenda que se chegou a constituir uma servidão, pedem que os Réus sejam condenados a reconhecer que a mesma se extinguiu pelo não uso durante mais de vinte anos e a fechar definitivamente o portão que construíram no local e que confronta directamente com o prédio dos Autores.

Os Réus contestaram, alegando, em suma, que, além do prédio urbano a que aludem os Autores, são igualmente proprietários de um prédio rústico que confina com aquele, sendo que, quer o prédio rústico, quer o logradouro do prédio urbano, estão encravados, já que o acesso aos mesmos apenas seria possível pelo interior de um café propriedade dos Réus; o acesso ao aludido prédio e logradouro sempre foi feito através de uma serventia que, com início a Norte, atravessava o prédio dos Autores e terminava junto a um portão que dá acesso ao prédio dos Réus, serventia essa por onde passavam com tractores e carros de bois e que continuou a ser utilizada para diversos fins até que, em Novembro de 2007, o Autor marido colocou um portão novo no início da serventia, impedido os Réus de por lá passarem.

Com estes fundamentos e impugnando alguns dos factos alegados pelos Autores, concluem pela improcedência da acção e pedem, em reconvenção, que: 1 - Sejam declarados donos e legítimos possuidores dos prédios (rústico e urbano) a que aludem na sua contestação; 2 - Seja declarado que tais prédios são encravados, não tendo acesso à via pública nem possibilidade de a obter por outro meio; 3 – Seja declarado que o acesso a esses prédios de pessoas, carros de bois e tractores, é o que sempre foi feito, através de uma passagem, vulgo serventia, sempre existente no prédio dos Autores e constituída por usucapião, nos moldes e com as características referidas na contestação; 4 – Os Autores sejam condenados a reconhecerem esse direito de passagem nos moldes invocados e, consequentemente, que os seus prédios se encontram com passagem em benefício dos prédios dos Réus nos moldes acima referidos; 5 – Os Autores sejam condenados e a não impedirem o acesso pela serventia constituída ou, em alternativa, a entregarem aos Réus uma chave do portão que colocaram no início da serventia e que os impede de por lá devidamente passarem; 6 – Os Autores sejam condenados a absterem-se, em absoluto de qualquer forma, de impedir a passagem dos Réus nos moldes já invocados.

Os Autores replicaram, mantendo a posição assumida na petição inicial, reafirmando a inexistência de qualquer servidão e concluindo pela improcedência da reconvenção.

Foi proferido despacho saneador e foi efectuada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte teor: Em face do exposto, o tribunal decide: a) Declarar que os réus são donos dos prédios inscritos na matriz sob os artigos 434.º e 844.º; b) Declarar que se constituiu por usucapião uma servidão de passagem sobre os prédios dos autores correspondentes aos artigos matriciais 119.º e 277.º a favor dos prédios dos réus acima referidos; c) Declarar que a servidão de passagem mencionada em b) se extinguiu por desnecessidade e condenar os réus a reconhecê-lo; d) Condenar os réus a não passarem ou tentarem fazê-lo através dos prédios dos autores para os seus prédios e a fecharem o portão referido no ponto 15 dos factos provados e visível na fotografia de fls. 71; e) No mais, julgar improcedentes os pedidos formulados, absolvendo-se nessa medida as partes.

Inconformados com essa decisão, os Réus vieram interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: 1. A sentença recorrida reconhece a existência de duas unidades prediais distintas que beneficiavam da servidão de passagem -art. urbano 434 e art. rústico 844.

Deu como provado que pela faixa de terreno passavam a pé, carros de bois e tractores transportando mato, estrumes e produtos hortícolas, bem como ramos, troncos de árvores e o entulho provenientes do prédio referido em 6.

No ponto 24 dos factos provados refere apenas que “Desde pelo menos 1997/1998 que ninguém passa pela faixa de terreno com mato, estrumes e produtos hortícolas”.

Conclui no ponto d) da decisão que a servidão de passagem constituída por usucapião a favor dos prédios dos RR se extinguiu por desnecessidade.

  1. Entendem os RR que a decisão tomada não valorou as provas por si carreadas, não valorou o depoimento das testemunhas de defesa bem como os docs. de fls. 71 e 106 e o auto de inspecção ao local.

    Igualmente entendem que se impunha outra interpretação dos factos 10, 14, 17, 21 e 25 dados como assentes, tudo conduzindo a uma decisão diversa da proferida, com a manutenção da servidão de passagem constituída por usucapião.

  2. Considerando o teor dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos RR, nomeadamente o de Daniel Oliveira teria a sentença de dar como assente que mesmo depois de 1997/1998, pela faixa de terreno continuaram a passar os RR para ter acesso ao prédio rústico.

    A testemunha acima referida trabalhou para a mãe do R e para os RR; conheceu no telheiro dos RR dois portões, um de madeira e outro de zinco.

    Para cuidar do prédio rústico passou pela faixa de terreno e entrou no telheiro quando lá existia o portão de madeira e o de zinco (colocado em 1997/1998, aquando das obras efectuadas no local pelo R).

    E a tratar das árvores e fazer a limpeza do prédio.

  3. A sentença recorrida ao dar como provado que o acesso do prédio rústico à via pública sem ser pela faixa de terreno só pode fazer-se actualmente pelo interior de um café, quando anteriormente só se poderia fazer pelo interior de uma habitação, deveria fundamentar a falta de uma justificação objectiva para a manutenção do encargo para o prédio serviente, atenta a inutilidade ou escassa utilidade que a existência da servidão representaria para o prédio dominante.

    Não o fez! 5. Ao valorar o facto de não haver sinais de cultivo no prédio rústico, a sentença recorrida omitiu ou não valorou o facto de os AA em 2007 terem retirado do local do início da passagem um portão velho e aberto e lá terem colocado um novo, recusando-se a entregar as chaves aos RR.

    Não valorou, igualmente, o facto de entre a data de colocação do novo portão – 2007- e a data de inspecção ao local terem decorrido 5 anos.

    Seria assim normal que o prédio não apresentasse sinais de cultivo e tivesse vegetação bravia.

  4. Entre 1987 e 2007 os AA mantiveram no local um portão de madeira, velho e aberto na referida servidão de passagem.

    Só quem lá teria interesse em passar eram os RR.

  5. A sentença não valorou o facto de quando os RR levaram a cabo as obras no telheiro terem substituído um portão de madeira por um de zinco colocado no mesmo local, sem qualquer oposição dos AA.

    O portão deita directamente para os prédios dos RR e por onde a sentença recorrida refere que foi constituída uma servidão de passagem por usucapião.

  6. E também não valorou o doc. junto a fls. 106.

    No mesmo a A em 1993 em requerimento dirigido ao Chefe da 2ª Repartição de Finanças da Figueira da Foz requer a rectificação a Poente do seu prédio – art. 119 – para que do mesmo passasse a constar serventia de inquilinos.

    A única utilidade da serventia de inquilinos seria o acesso dos RR aos seus prédios.

  7. Os AA não requereram expressamente a extinção da servidão por desnecessidade.

    Nem alegaram e provaram a factualidade concreta da qual resultasse que a servidão perdeu, em relação ao prédio dominante, a utilidade que esteve na base da sua constituição.

  8. Não fez a sentença recorrida um juízo de proporcionalidade entre o desagravamento do prédio serviente e a dimensão dos custos, incómodos e inconvenientes da alternativa apontada que teria de ser o aceso do prédio rústico à via pública pelo interior de um café.

  9. Não tendo sido alegados todos esses elementos imprescindíveis para uma boa decisão da causa, a Meritíssima Juiz acabou por...

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