Acórdão nº 319/12.8PBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução14 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO A...

veio interpor recurso da sentença que o condenou pela prática de um crime de incêndio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 272º, n.º 1, al. a), 22º, 23º e 73º do Código Penal, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão. Pena que foi declarada suspensa na sua execução por igual período.

As razões da sua discordância encontram-se expressas nas conclusões da motivação de recurso, onde se refere que: 1- A douta decisão recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e também em erro de interpretação e aplicação da lei, o que levou à condenação do arguido ora recorrente, o qual, se tal não acontecesse, teria sido necessariamente absolvido da prática do crime pelo qual foi condenado.

2- Foram incorrectamente julgados os concretos pontos impugnados na motivação do presente recurso, a saber, pontos 1, 2, 5, 16, 17 e 18 dos factos provados.

3- As concretas provas que impunham decisão diversa da recorrida são as referidas na motivação do presente recurso, que por razões de economia se dão por integralmente reproduzidas, designadamente, os depoimentos das testemunhas B..., B..., D...e E..., bem como as declarações do arguido nas passagens expressamente referidas na motivação deste recurso.

4- Se tais depoimentos e declarações fossem valorados segundo a normalidade das coisas e as regras da experiência, os factos dados como provados e ora impugnados teriam sido necessariamente dados como não provados.

5- A proceder, como se espera, a impugnação da matéria de facto, e sem prejuízo do que adiante se dirá, resulta não estarem preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do tipo, o que inevitavelmente determinará a absolvição do arguido.

6- A douta sentença recorrida incorreu também em erro de interpretação e aplicação da lei, tendo violado, além de outros, os art.°s 14°, 21°, 22°, 24°, 40°, 212º e 272° do C.P., os quais deverão ser interpretados nos termos que melhor constam da motivação do recurso.

7- Ainda que, por hipótese académica, o Tribunal julgue improcedente o recurso relativo à impugnação da matéria de facto, sempre a decisão condenatória devia ser revogada e o arguido absolvido do crime pelo qual foi condenado.

8- O Tribunal não atentou devidamente que o estádio até onde foram levados e a natureza dos actos e o modo e condicionalismo em que ocorreram, dado o recorte do tipo objectivo do ilícito criminal exposto no art. 272°, n.º 1, al. a) do C.P., são atípicos por funcionamento da cláusula de adequação social. Na verdade, 9- Para que haja crime de incêndio, ainda que na forma tentada, tem o mesmo de ser "de relevo", ou seja, assumir uma extensão ou intensidade de proporções tais que não seja socialmente adequada. Ora, 10- Tal causa de adequação social afasta a tipicidade de condutas de incêndio de extensão ou intensidade ínfimas, como ocorreu no caso sub judice, tendo o Tribunal incorrido na violação do art. 272°, n.º 1, al. a), ao decidir de modo diverso.

11- Os actos praticados pelo agente quedaram, no iter criminis, pelo estádio de meros "actos preparatórios", descaracterizados de verdadeiros actos de execução.

12- Com efeito, os actos a que se alude nas als. a), b) e c) do art.° 22° do C.P., para serem havidos como actos de execução, seria necessário que os mesmos atingissem o âmbito de protecção da norma penal, o que manifestamente não aconteceu nos actos praticados pelo arguido. Assim, 13- Ainda que por hipótese se considere que o arguido se muniu dos instrumentos para a prática do crime de incêndio e que se deslocou para o local onde supostamente iria praticar o crime, os actos praticados, atento o processo causal conducente à prática do crime, são actos meramente preparatórios e, como tal, não criminalmente puníveis (art. 21° do C.P.), isto sem prejuízo da sua posição autónoma do art. 275° do C.P..

14- Tendo existido apenas actos preparatórios e não actos de execução, não há tentativa, pelo que, ao decidir de modo diverso, o Tribunal violou o disposto nos art.°s 21° e 22° do C.P. e, também por isso, o arguido devia ter sido absolvido.

15- Ainda que por hipótese académica se admitisse que os actos praticados pelo arguido pudessem ser havidos como actos de execução, atenta a prova produzida (colocação da garrafa no passeio, em lugar visível, sem a ter arremessado contra nenhum veículo), estar-se-ia perante uma exclusão da punibilidade da tentativa, por manifesta inaptidão do meio empregado pelo agente ou face à inexistência de objecto essencial à consumação do crime. Ora, 16- Atenta a inidoneidade do meio utilizado e a inexistência do objecto, a tentativa não é punível, nos termos do disposto no art. 23°, n.º 3, do C.P., pelo que, também por isso, o arguido deveria ter sido absolvido.

17- O Tribunal a quo, ao fazer uso de uma clara alusão a um juízo de previsibilidade condicional do agente quando actuou, afirma a existência de dolo eventual e não directo. Ora, 18- Da interpretação conjugada dos art.ºs 22° e 14°, n.º 3, do C.P., resulta ser incompatível a existência de dolo eventual com a tentativa. Assim, 19- Tendo a douta decisão recorrida feito apelo ao dolo eventual, jamais poderia ter condenado o arguido pela prática do crime na forma tentada.

20- Ao decidir de modo diverso, a douta sentença violou o disposto nos art.ºs 22°, n.º 1 e 14°, n.º 3, ambos do C.P..

21- Por fim, dir-se-á ainda que o Tribunal não valorou adequadamente a conduta do arguido, ao ter colocado a garrafa no passeio sem qualquer arremesso contra os veículos, pois, se o tivesse feito, necessariamente concluiria que o arguido desistira voluntariamente de prosseguir a execução do crime, admitindo academicamente que alguma vez tal ideia tivesse existido. E, 22- Nessa hipótese, ao ter desistido, impunha-se que o Tribunal considerasse a tentativa não punível e, ao decidir de modo diverso, violou o disposto no art. 24° do C.P..

Nestes termos, Deve o presente recurso ser recebido, julgado provado e procedente e, por via disso, ser proferido douto acórdão que revogue a também douta decisão recorrida, absolvendo o arguido do crime em que foi condenado.

* Respondeu o Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, defendendo a improcedência do recurso.

Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, o arguido apresentou resposta, discordando do parecer e reiterando os fundamentos da motivação.

Os autos tiveram os vistos legais.

*** II- FUNDAMENTAÇÃO Da decisão recorrida consta o seguinte (por transcrição): “ Os factos provados emergentes dos meios de prova produzidos em audiência de julgamento.

  1. No dia 9 de Março de 2012, cerca das 04H20, a PSP foi chamada ao Bar denominado Noite Bibas, sito na R. Conselheiro Afonso de Melo, nesta cidade de Viseu, onde estava o arguido e porque este se recusava a pagar o consumo mínimo obrigatório naquele estabelecimento, no montante de € 5,00.

  2. Depois de a PSP se inteirar da situação, o arguido acabou por pagar tal quantia de 5,00€ ao segurança do estabelecimento, na presença do elemento da PSP que fez directamente a abordagem às pessoas envolvidas.

  3. Como o arguido manifestou o propósito de apresentar queixa pelo sucedido, nomeadamente contra o segurança, foi aconselhado a dirigir-se à esquadra da PSP, o que fez.

  4. Aí chegado, foi conduzido à pessoa responsável para recolher essa sua queixa, D..., Chefe da PSP de Viseu, que se encontrava naquele dia, na referida Esquadra, a desempenhar funções de graduado de serviço.

  5. Mas, como aquele elemento da PSP que o recebeu ficou com a impressão de que o arguido aparentava estar muito alcoolizado e não eram inteligíveis os termos em que queria apresentar queixa, nomeadamente o porquê e contra quem, foi informado do prazo que tinha para apresentar queixa e, por via do seu estado, aconselhado a fazê-lo mais tarde.

  6. Pese embora a sua vontade de o fazer de imediato, o arguido acabou por abandonar, a pé, as instalações da Esquadra da PSP.

  7. De seguida, o arguido foi buscar o seu carro, dirigiu-se com ao posto de abastecimento de combustível “BP”, sitas na Rua Cónego Barreiros, n.º 270, nesta cidade, e ali adquiriu uma garrafa de 1,50 de água, 8. Após, o arguido despejou o seu conteúdo de água e encheu-o de gasolina.

  8. Muniu-se ainda de papéis de limpar as mãos, disponíveis naquele posto de estabelecimento e, na posse da gasolina, já engarrafada, abandonou o local, dirigindo-se ao parque de estacionamento, contíguo à entrada principal da esquadra da PSP onde havia estado e onde imobilizou o veículo por si conduzido por volta das 06H15.

  9. De seguida, e já apeado, o arguido enrolou os papéis de limpar as mãos, com que se munira, enrolou-o por forma a descrever um pavio e introduziu no interior da referida garrafa, pelo gargalo, retirando a rolha que servia de fecho para a gasolina engarrafada 11. Acto contínuo, o arguido colocou a garrafa e papel nela inserido junto ao pára-choques frontal de um veículo automóvel aí estacionado, a uma distância não concretamente apurada mas rondando os 20 cm.

  10. Com um isqueiro que trazia consigo, o arguido ateou fogo ao papel para que deste se propagasse para a gasolina e desta, por via das suas características altamente inflamáveis, ao veículo junto ao qual foi colocada e, eventualmente, aos veículos que estavam estacionados paralelamente àquele, de um e outro lado.

  11. Por mero acaso, o Agente da PSP B..., que veio ao exterior da Esquadra fumar um cigarro, apercebeu-se de um clarão no parque de estacionamento logo percepcionando tratar-se de uma chama 14. E viu o arguido escondido entre os veículos ali estacionados.

  12. O arguido, apercebendo-se da presença daquele agente e de que fora visualizado, pôs-se em fuga do local, utilizando para o efeito o seu veiculo matricula CH... e, por sua vez, o referido Agente deslocou-se para o local, apagou a chama, o que conseguiu fazer ainda antes que ela se propagasse à gasolina e...

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