Acórdão nº 202/11.4TALNH.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelFERNANDO CHAVES
Data da Resolução11 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO 1.

No encerramento do inquérito n.º 202/11.4TALNH, que correu termos pelos Serviços do Ministério Público do Bombarral, o Ministério Público acusou os arguidos A...e B..., com os demais sinais dos autos, de terem cometido, o primeiro, três crimes de difamação caluniosa, dois em autoria material e um em co-autoria material, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, b), 184.º e 132.º, n.º 2, l), todos do Código Penal e, o segundo, em co-autoria material, um crime de difamação caluniosa, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, b), 184.º e 132.º, n.º 2, l), todos do Código Penal.

  1. Discordando desse despacho, os arguidos requereram a abertura de instrução, após cuja realização foi proferido despacho que decidiu «não pronunciar os arguidos B... e A...pela prática dos crimes de difamação caluniosa que lhes foi imputada, ou por qualquer outro crime, ordenando o oportuno arquivamento dos autos».

  2. Inconformado com a decisão instrutória, dela interpôs recurso o assistente C..., retirando da sua motivação as seguintes conclusões(transcrição): «i) Em momento algum dos autos resulta que o Recorrido B... foi coagido a assinar o documento constante do artigo 6º da douta Acusação, pelo que o mesmo assinou livremente tal peça processual, aderindo desta forma ao conteúdo da mesma, sendo irrelevante se o fez na veste de Advogado Estagiário ou em qualquer outra, porquanto nenhuma norma do Estatuto da Ordem dos Advogados ou do Regulamento de Estágio da Ordem dos Advogados impõe a assinatura de toda e qualquer peça redigida pelo patrono; ii) Inexiste, assim, quanto a nós, qualquer causa justificativa que imponha a exclusão da ilicitude da conduta do Recorrido B..., malandando o tribunal a quo neste segmento decisório; iii) A decisão recorrida fez uma incorreta aplicação do direito, nomeadamente quando desconsiderou o horizonte contextual por detrás dos comportamentos evidenciados pelos Recorridos, uma vez que as afirmações por si produzidas ao imputarem, de forma inequívoca, uma incompetência profissional, uma forma de exercer o munus judicial deforma desleixada por parte do Recorrente, tiveram como objetivo, exclusivo, denegrir a consideração, o brio e, portanto, a honra pessoal e profissional do Recorrente, face às decisões que este havia proferido em sentido diverso do pretendido pelo Recorridos; iv) A decisão recorrida fez uma incorreta aplicação do direito ao desvalorizar o facto que a atuação dos Recorridos colocou em causa a imparcialidade e confiabilidade que é reconhecida ao Recorrente, que, diga-se, nunca em toda a sua vida profissional e pessoal foram questionadas, porquanto os Recorridos ao afirmarem que o Recorrente foi parcial e carreou para as decisões reclamadas o seu "azedume pessoal", não estão a imputar qualquer crítica à obra, mas antes a maneira como o Recorrente encara o exercício das suas funções (até porque as decisões não podem ser ou usar de reserva mental ou de abuso de poder, nem carrear "azedumes pessoais"), consubstanciando a sua conduta um ataque pessoal ao brio e consideração profissional do Recorrente; v) As expressões proferidas pelos Recorridos e que constam da douta Acusação visam, assim, um ataque direto a honra e consideração (profissional e pessoal) do Recorrente, sendo desnecessárias e deslocadas(como bem reconhece a douta decisão instrutória) ao fim a que se destinam, no sentido que não foram necessárias e essenciais ao exercício do patrocínio forense por parte dos Recorridos; vi) Os Recorridos atuaram livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que colocavam, assim, em causa o bom nome, honra e consideração do Assistente, pelo que, face às razões expostas, entendemos que as afirmações proferidas são objetivamente difamatórias e caluniosas, nos termos do disposto nos artigos 180º, nº 1, 183º, nº 1, alínea b, e 184º, todos do CP, mal andando, ao secundar entendimento distinto, a douta decisão instrutória recorrida, violando a mesma os referidos preceitos.

    Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão instrutória, com as legais consequências, com o que V. Exas., Senhores Desembargadores, farão JUSTIÇA» 4.

    O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção do julgado.

  3. Nesta instância, o Exmo. Procurador – Geral Adjunto, na intervenção a que se refere o n.º 1 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, acompanhando a resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância, emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

  4. No âmbito do disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal([1]), o assistente reiterou a posição anteriormente assumida na motivação de recurso.

  5. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

    * II - Fundamentação 1.

    A decisão instrutória objecto de recurso(transcrição): «I.

    Iniciaram-se os presentes autos de instrução a requerimento dos arguidos B... (fls. 683 a 691) e A...(fls. 698 a 707), inconformados com a acusação contra ambos deduzida pelo Ministério Público a fls. 615 a 623, imputando ao primeiro a prática, em co-autoria material, de um crime de difamação caluniosa, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 132º, n.º 2, al. l), 180º, n.º 1, 183º, n.º 1, al. b) e 184º, todos do C. Penal e, ao segundo a prática, de dois crimes de difamação caluniosa, um em autoria material e outro em co-autoria material, ambos p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 132º, n.º 2, al. l), 180º, n.º 1, 183º, n.º 1, al. b) e 184º, todos do C. Penal.

    Para tanto, alegou o arguido B..., em síntese, que: a) à data dos factos, como se refere na acusação, era advogado-estagiário, sendo seu patrono o co-arguido A...; b) nesse contexto, assinou peças processuais em conjunto com o seu patrono, nomeadamente o requerimento de habeas corpus referido na acusação; c) pese embora essa assinatura comum, é manifesto que tal peça foi elaborada apenas pelo arguido A..., já que se narram factos ocorridos com ele e se usa expressamente a primeira pessoa do singular; d) nunca teve qualquer intenção de ofender a honra ou consideração do assistente.

    Por seu turno, o arguido A...sustentou, em síntese, que: a) nunca agiu com intenção de ofender a honra e consideração do assistente; b) limitou-se a defender os interesses dos seus constituintes, na qualidade de Advogado constituído pelos mesmos, no quadro de intervenções processuais relativas a actos praticados pelo assistente, na veste de Juiz de Direito; c) foi o único redator das peças processuais citadas na acusação, incluindo a que também se encontra assinada pelo co-arguido B...; d) dessas peças não resulta a prática pelo arguido de qualquer crime, mas mero exercício das funções de advogado.

    Aberta a instrução, realizou-se apenas debate instrutório.

    * II.

    O Tribunal é o competente.

    Não existem nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer.

    * III.

    Constituindo a fase da instrução uma fase facultativa do processo penal que visa a comprovação judicial de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (artigo 286º, n.ºs. 1 e 2, do C. P. Penal, diploma para o qual se deverão considerar remetidas as normas legais sem outra indicação de proveniência), há que ter presente que o Juiz de Instrução Criminal está aqui limitado, à partida, pela factualidade relativamente à qual se pediu a instrução (artigo 287º, n.ºs 1 e 2 e 288º, n.º 4), sendo orientado no seu procedimento e decisão pelas razões de facto e de direito invocadas.

    Por outro lado, dispõe o artigo 283º, n.º 2, aplicável à fase da instrução ex vi do artigo 308º, n.º 2, que se consideram suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, uma pena ou uma medida de segurança.

    Em decorrência de tal disposição, preceitua o n.º 1 do último artigo citado que, se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia.

    Fundando-se o conceito de indícios suficientes na possibilidade razoável de condenação e de aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, deve considerar-se existirem indícios suficientes para efeitos de prolacção do despacho de pronúncia (tal qual como para a acusação), quando: - os elementos de prova, relacionados e conjugados entre si, fizerem pressentir a culpabilidade do agente e produzirem a convicção pessoal de condenação posterior; e - se conclua, com probabilidade razoável, que esses elementos se manterão em julgamento; ou - se pressinta que da ampla discussão da causa em plena audiência de julgamento, para além dos elementos disponíveis, outros advirão no sentido da condenação futura.

    * IV.

    Feito este intróito, analisemos então as questões colocadas nesta instrução.

    Uma melhor compreensão do que adiante se dirá para fundamentar a posição aqui assumida justifica que se transcreva o teor integral da acusação deduzida contra os arguidos: «(…) 1. C... exerce as funções de Juiz de Direito na Comarca da Lourinhã.

  6. No exercício das suas funções procedeu ao julgamento do processo 191/06.7GALNH em que era arguido D..., tendo proferido a respectiva sentença em 23-05-2011.

  7. O arguido A...exerce a profissão de advogado e, naqueles autos supra referidos era mandatário judicial de D..., nessa qualidade e, não se conformando com a decisão proferida, no dia 15-06-2011, deu entrada, no Tribunal Judicial da Lourinhã, a um requerimento de recurso e respectivas motivações, onde, além do mais, escreveu o seguinte: a) "Ao arrepio do disposto no artigo 370.º do CPP, o tribunal a quo preteriu o necessário relatório social em prol das suas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT