Acórdão nº 70/13.1GATBU.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução11 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No [já extinto] Tribunal Judicial da comarca de Tábua o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, do arguido A...

, com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nºs 1, b) e d) e 3 do C. Penal.

Na audiência de julgamento de 10 de Julho de 2014 [acta de fls. 184 a 186] foi comunicada ao arguido uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação e uma alteração da qualificação jurídica, que passou a ser feita pelo art. 256º, nºs 1, a) e 3 do C. Penal, nada tendo sido oposto ou requerido.

Por sentença de 10 de Julho de 2014 foi o arguido condenado, pela prática dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo 256º, nºs 1, a) e 3 do C. Penal, na pena de dois anos de prisão por cada um deles e em cúmulo, na pena única de dois anos e oito meses de prisão, suspensa na respectiva execução por igual período condicionada ao não exercício pelo arguido, durante a suspensão, do exercício da actividade seguradora em qualquer qualidade.

* Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1 – O arguido não se conforma com a douta decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" que o condenou numa pena de prisão de dois anos e oito meses suspensa na sua execução com imposição de condições, pela prática, em autoria material, de dois crimes de falsificação de documento 2 – No entender da defesa não foi efectuada prova de que o arguido tenha alterado documento vulgarmente conhecido por carta verde e o disponibilizado a C... pois que a apólice de seguro desta testemunha foi anulada por falta de pagamento do prédio ou a pedido da própria testemunha no ano de dois mil e treze.

3 – Esta testemunha referiu ter transitado os seus seguros para outro mediador pois o arguido não estava nas melhores condições após ter sofrido um acidente pelo que não se compreende porque seria o arguido a entregar-lhe uma carta verde de seguro que o mesmo não pagou e após já não ser o mediador da testemunha.

4 – A valoração do meio de prova pouco credível e não valoração das declarações do arguido para sustentar a absolvição viola o principio in dubio pro reo e o principio da legalidade que impõe que o Juiz valore de forma favorável ao arguido a incerteza sobre os factos decisivos da causa, o que foi o caso, devendo o arguido ser absolvido por um crime de falsificação no que toca a tais factos (pontos 3, 4, 5 dos factos provados).

5 – Não se justifica no caso em concreto a aplicação de pena de prisão quanto a um crime de falsificação de documento, sem o que é violado o art. 70 do C. Penal., atendo até à falta de antecedentes criminais do arguido.

6 – E desproporcional, por excessiva qualquer pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução, devendo antes ser aplicada ao arguido uma pena de multa.

7 – A aplicação de pena de multa ao arguido realizaria adequadamente e de forma suficiente a sua função, enquanto medida de prevenção de futuros crimes.

8 – Mas ainda que assim não se entendesse a pena de prisão a aplicar ao arguido não deveria ser superior ao seu mínimo legal, e deveria ser substituída por multa ou por trabalho a favor da comunidade.

9 – A aplicação de pena de prisão, suspensa da sua execução, com a imposição das obrigações aplicadas na douta decisão recorrida, afasta o arguido de trabalhar, ainda que por conta de outrem, no ramo dos seguros, impedindo-o de retomar uma actividade profissional numa área em que mesmo, face aos seus conhecimentos, e apesar das suas limitações físicas poderia ainda trabalhar e granjear rendimentos para a sua subsistência.

10 – Violou o Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" o disposto nos arts. 70 e 71 do Código Penal da República Português.

Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a decisão judicial que determinou a e ser a decisão substituída por outra que absolva o arguido da prática de um crime de falsificação de documento e bem assim condene o arguido, quanto aos restantes factos, não impugnados em pena de multa, assim se fazendo SÃ, SERENA e OBJECTIVA JUSTIÇA.

* Respondeu a recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões: A. O Tribunal a quo realizou uma correta e precisa aplicação do Direito à matéria de facto provada, a qual não merece qualquer censura, valorando e apreciando corretamente as provas e fundamentando a sua decisão, após a realização de um exame crítico e assertivo da prova produzida, na sua livre convicção, assente na imediação e na oralidade, pelo que não poderá a sua Decisão ser censurada por ilógica ou inadmissível face desde logo às regras da experiência comum e ao princípio da livre apreciação da prova; B. A possibilidade de o Tribunal a quo atribuir credibilidade a determinado depoimento e não a outro, mormente quanto às declarações prestadas pelo arguido, em nada pressupõe a violação do princípio consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, que manda que o Juiz julgue segundo a sua livre convicção, desde que devidamente fundamentado (o que ocorreu) ou do princípio in dubio pro reo; C. Atento o processo decisório que se vislumbra na Douta fundamentação e motivação elaborada pelo Tribunal a quo e que consta da Sentença não podemos concluir que Este ficou num estado de dúvida ou sequer que a sua decisão não se encontra suficientemente suportada; D. Bem como na determinação da medida da pena principal, tendo efetivado uma correta e adequada aplicação dos critérios legalmente estabelecidos, nomeadamente nos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal revelando-se a mesma adequada e conforme à culpa do arguido e às necessidades de prevenção geral e especial que o caso suscita, tendo sido atendidas, consideradas na fixação daquelas todas as circunstâncias atenuantes e agravantes; E. O Tribunal a que não ultrapassou a medida da culpa do arguido/recorrente, a qual se considera grave, mostrando-se a pena aplicada adequada às finalidades que se pretendem garantir.

Nestes termos e nos melhores de Direito que Doutamente se suprirão, não se deverá dar provimento ao recurso interposto pelo arguido/recorrente, mantendo-se integralmente a Douta Decisão recorrida, por tal corresponder, in casu, a um ato conforme à Justiça.

* Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, subscrevendo parcialmente a contramotivação do Ministério Público e defendendo a aplicação da pena de 150 dias de multa à taxa diária de € 6 para cada crime e em cúmulo, a aplicação da pena única de 400 dias de multa, e concluiu pelo parcial provimento do recurso.

* Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

* * II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são: - A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto, a aplicação do in dubio pro reo e a consequente absolvição da prática de um dos crimes de falsificação de documento; - A incorrecta escolha da pena [de prisão]; - A excessiva medida da pena de prisão e a incorrecta escolha da pena de substituição decretada [de suspensão da execução da pena de prisão].

* Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

  1. Nela foram considerados provados os seguintes factos: “ (…).

    1. A... exerceu as funções de mediador de seguros de COMPANHIA DE SEGUROS P... (à altura, Q... ) desde 01.06.2007, explorando a título próprio e ocupando um escritório, aberto ao público, em Rua (...) Tábua, até pelo menos Março de 2013; 2. No âmbito dessa actividade e pelo menos até finais de 2012, A... tinha acesso ao sistema informático da companhia de Seguros R..., possuindo autorização para emitir e imprimir certificados internacionais de seguro, vulgarmente conhecidos por “carta verde”, bem como papel verde próprio para a sua impressão, disponibilizado pela Seguradora; 3. Entre o dia 01.01.2013 e o dia 13.03.2013, A... acedeu ao ficheiro digital que continha a representação gráfica da apólice n.º 753117338, n.º de série P/101421666503 e, com recurso a um programa de edição gráfica de ficheiros digitais, alterou-o pela seguinte forma, imprimindo-o depois em papel verde, exibindo os timbres e assinatura da seguradora: a) Substituiu a data de início, passando a figurar 24.01.2013 em substituição de 24.07.2012; b) Substituiu a data de termo, passando a figurar 15.05.2013 em substituição de 17.11.2012; 4. A... agiu nos termos referidos em Factos 3.) tendo em vista disponibilizar a C... , de quem tratava dos seguros de circulação inerentes às suas viaturas, a carta verde necessária à comprovação da existência de uma relação de Seguro; 5. A... sabia que a apólice com o n.º 753117338 referente ao veículo (...) ZJ tinha validade entre 24.07.2012 e 17.11.2012 e que havia cessado efeitos; * 6. Em 30.01.2013, ao final da tarde, A... acedeu ao ficheiro digital que continha a representação gráfica da apólice n.º 752379906, n.º de série P/101422118575 e, com recurso a um programa de edição gráfica de ficheiros digitais, alterou-o pela seguinte forma, imprimindo-o depois em papel verde, exibindo os timbres e assinatura da seguradora: a) Substituiu o n.º da apólice, passando a figurar...

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