Acórdão nº 169/14TBNZR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelANABELA LUNA DE CARVALHO
Data da Resolução10 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I A (…) Lda, com sede na Rua (...) , Matosinhos, veio intentar, providência cautelar não especificada com inversão do contencioso, contra C (…) – Instituição Particular de Solidariedade Social sem fins lucrativos – IPSS, com sede no (...) e T (…) SA, com sede em (...) , Albufeira, formulando, contra ambas, o seguinte pedido: “

  1. Sejam, quer o procedimento de formação do contrato de arrendamento da praça de touros do Sítio da Nazaré, quer o contrato de arrendamento (cessão de exploração) celebrado entre as Requeridas com tal objeto, julgados nulos.

  2. Devem, em consequência, às Requeridas ser ordenada a não execução do contrato nulo; c) Deve ser fixada sanção pecuniária compulsória no valor de € 50.000,00 por cada corrida de touros que as mesmas Requeridas, não obstante a condenação peticionada na alínea anterior, venham a realizar.

  3. Deve a decisão a proferir, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 369º CPC, dispensar a Requerente do ónus de propositura da ação principal, decretando-se a inversão do contencioso.

Fundamentou os pedidos do seguinte modo, aqui se sintetizando: A 1ª Requerida é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS).

É proprietária da Praça de Touros do Sítio da Nazaré, a qual, ao longo das últimas décadas, vem arrendando a sociedades, ou a particulares, fazendo-o sempre através do lançamento de concurso ou hasta pública, em cumprimento do disposto do DL 119/83 que estabelece o Regime Jurídico das Instituições Particulares de Solidariedade Social.

Estabelece o art. 23º nº 1 desde DL que: «A empreitada de obras de construção ou grande reparação, bem como a alienação e o arrendamento de imóveis pertencentes às instituições, deverá ser feita em concurso ou hasta pública, conforme o que for mais conveniente».

Impõe tal norma que a Requerida, enquanto IPSS: a) anuncie publicamente a abertura de concurso, ou a realização de hasta pública; b) em tal anúncio estabeleça ou as condições do concurso (preço, prazo, condições de pagamento, outras contrapartidas, critérios de avaliação dos concorrentes, critérios de ordenação das propostas, prazo para receção das propostas e publicitação da decisão fundamentada), ou as condições da hasta pública (preço base, condições de pagamento, dia de realização da hasta pública).

A 1ª Requerida assim não procedeu em 2014, optando por contactar particularmente potenciais interessados, recebendo destes as propostas e decidiu a assinatura do contrato com a 2ª Requerida, sem qualquer aviso prévio, quer aos demais interessados, quer ao público em geral, não tornando públicos nem os critérios da escolha, nem as condições do contrato.

A época tauromáquica na praça da Nazaré não se inicia antes do final de Julho, pelo que, inexistia urgência na celebração do arrendamento.

Com tal procedimento a 1ª Requerida violou os princípios da concorrência, da transparência e da igualdade consagrados na imposição às IPSS da celebração de contratos de arrendamento por concurso ou hasta pública.

Tem a Requerente como objeto, entre o mais, a organização de espetáculos tauromáquicos, sendo, por isso, interessada na praça de touros do Sítio da Nazaré, interesse esse que manifestou junto da 1ª Requerida. Depois de lhe ter apresentado uma proposta, que refez várias vezes, veio a saber pela 1ª Requerida que esta já tinha celebrado um contrato com a 2ª requerida, que chamou de cessão de exploração, mas que, em rigor, é um contrato de arrendamento, para o triénio de 2014/2016. Ficou, assim, sem saber quais os critérios, valores e condições porque o imóvel foi arrendado.

A celebração do contrato de arrendamento com a 2ª Requerida constitui violação do imperativamente disposto no citado n.º 1 do art. 23º do DL 119/83, sendo, por isso, tal negócio nulo (cfr. art. 294º CC), justificando tutela cautelar “como forma de evitar que um negócio jurídico absolutamente nulo, com grande visibilidade pública, possa ser visto como impunemente executado”.

Citadas as Requeridas vieram ambas deduzir oposição.

A 1ª Requerida, C (…), veio impugnar parte dos factos alegados pela Requerente. Invoca o seu objeto estatutário destinado a desenvolver atividades destinadas a intensificar o culto em honra de Nossa Senhora e promover a fé e vivência cristãs, não atuando, nesse âmbito, como uma IPSS, mas exclusivamente como instituição religiosa, em colaboração com o Patriarcado de Lisboa e exclusivamente subordinado ao seu parecer favorável para a prática de certos atos, nomeadamente, venda de imóveis.

Somente enquanto atua em áreas que impliquem comparticipações do erário público ou de outras entidades, nomeadamente, subsistemas de saúde ou seguradoras, é que a Requerida se comporta como uma IPSS.

Assim, no caso dos autos, a Requerida não atuou enquanto uma IPSS, uma vez que a exploração da praça de touros não implica qualquer comparticipação das entidades supra referidas, tendo tido o consentimento do Patriarcado de Lisboa para proceder como fez com vista à adjudicação da referida exploração.

De qualquer modo, mesmo que a Requerida tivesse atuado enquanto IPSS não teria obrigatoriamente de recorrer a concurso público para adjudicar a exploração da praça de touros. Na verdade, nos termos do nº 2 do artº 23º do D.L. nº 119/83, de 25 de Fevereiro, o contrato podia ser feito, como foi, por negociação direta desde que daí resultassem, como também aconteceu, vantagens para a Requerida, devendo a decisão ser fundamentada em ata.

Ora, estando a Requerida numa situação económica e financeira muito difícil, não poderia estar dependente das delongas de um concurso nem das eventuais contingências daí resultantes.

Tanto mais que, a empresa adjudicatária pagou imediatamente parte substancial do montante contratado, o que permitiu aliviar de imediato a tesouraria da Requerida.

A deliberação de ceder a exploração da praça de touros por negociação direta, através da análise das propostas que foram recebidas e a eleição daquela que foi mais vantajosa para a Instituição, tal como os fundamentos para tal decisão, foi lavrada em ata.

Das reuniões com os interessados na exploração da praça de touros ficou claro que todos aceitaram a forma de negociação adotada.

Os interessados apresentaram as suas propostas que foram analisadas pela Requerida.

A Requerente, aceitando a forma como seria feita a adjudicação da exploração da praça de touros, apresentou a sua proposta, mas a mesma não foi do agrado da Requerida, por apresentar uma forma de pagamento ambígua.

A proposta vencedora contemplava um preço muito superior ao oferecido pela Requerente, tal como formas de pagamento muito mais vantajosas para a Requerida.

Por sua vez, não se trata do arrendamento de um simples espaço, mas da cessão de exploração de um recinto de espetáculos que inclui os serviços de bar e equipamentos de apoio às ganadarias, toureiros, forcados e cavaleiros, tal como a cessão dos direitos de transmissões televisivas e radiofónicas.

A instauração da providência mostra-se injustificada pois que, a Requerente foi informada de todo o procedimento adotado, aceitou negociar com a Requerida, tendo apresentado diversas propostas, sem alguma vez questionar a forma e processo de negociação para adjudicação da exploração da praça de touros.

Nunca a Requerente, durante a fase negocial, manifestou o seu desejo de existência de um concurso público, pelo que, criou na Requerida total confiança quanto à forma como decorreram as negociações, jamais suspeitando a Requerida que aquela viria agora, exclusivamente porque foi preterida na sua escolha, a instaurar o presente procedimento cautelar.

A Requerente violou ostensiva e manifestamente os limites...

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