Acórdão nº 823/12.8JACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Março de 2015
Magistrado Responsável | MARIA JOS |
Data da Resolução | 18 de Março de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam em audiência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do Proc. Comum Colectivo n.º 823/12.8JACBR da Vara de Competência Mista de Coimbra – 2.ª Secção, mediante acusação pública, foi submetido a julgamento o arguido A...
, melhor identificado nos autos, sendo-lhe, então, imputada a prática, como autor material e em concurso real, de: - Dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art.º 171º nº 2 do C.P. (práticas de sexo oral e introdução parcial dos dedos do arguido na vagina da menor); - Um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art.º 171º nº 1 do C.P. (práticas sexuais que incluíam beijos na boca e carícias nas zonas genitais e seios da menor); - Um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 171º nº 3 do C.P. (visionamento de filmes de cariz pornográfico) e - Um crime de recurso a prostituição de menores, p. e p. pelo artº 174 nº 2 do C.P. [cf. fls. 378 a 387].
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Finda a fase de Instrução – requerida pelo arguido, ora recorrente – foi proferida decisão instrutória, culminando na pronúncia do arguido no seguintes termos: «(…), pronuncio: - A... (…) Pelos factos, pelos crimes e normas legais constantes da acusação de fls. 378 a 387) (à excepção do crime de recurso a prostituição de menores, previsto e punido pelo artigo 174º, n.º 2 do Código Penal, objecto de despacho de não pronúncia), que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, nos termos do artigo 307º, nº 1 do Código de Processo Penal.
(…)» [cf. fls. 464 a 468].
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Realizada a audiência de discussão e julgamento – no decurso da qual foi comunicada uma alteração não substancial dos factos, nos termos e para o efeito do artigo 358.º do CPP (cf. acta de fls. 779 a 781) – por acórdão de 23.04.2014 [depositado na mesma data], decidiu o Colectivo [transcrição parcial]: «Por todo o exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, os juízes que compõem o Tribunal Colectivo da Vara Mista de Coimbra decidem: I. Condenar o arguido pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art.º 171º, nº 1 do Código Penal, na pena de 15 (quinze) meses de prisão [factos praticados no Algarve em junho de 2012]; II. Condenar o arguido pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art.º 171º, nº 2 do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão [factos reiterados praticados entre inícios de setembro de 2011 até ao verão de 2012]; III. Condenar o arguido pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art.º 171º, nº 2 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão [factos praticados em 14/9/2012]; IV. Absolver o arguido da prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art.º 171º, nº 3, al b) do Código Penal; V.
Condenar o arguido na pena única de seis anos e seis meses de prisão para efetivo cumprimento.
(…)».
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Ainda no decurso da fase de Inquérito, por despacho judicial de 21.12.2012, decidiu a Exma. JIC [transcrição parcial]: «Entende-se que são desnecessárias mais considerações, dando-se aqui por reproduzido o teor das fls. supra mencionadas, reafirmando-se que nenhuma nulidade foi cometida, pelo que vai indeferido o requerido a fls. 133 e seguintes e 167 e seguintes.
Notifique, com o envio de cópias das fls. que se deram por reproduzidas (120 144, 145, 147 a 149 e 152 a 156)» - [cf. fls. 173/174].
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Inconformado quer com o despacho judicial de 21.12.2012, quer com o decidido no acórdão de 23.04.2014, recorreu o arguido – manifestando no recurso interposto do acórdão que pôs termo à causa o seu interesse na apreciação do recurso interlocutório -, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: a.
Quanto ao despacho judicial de 21.12.2012 [cf. fls. 209 a 223]: 1. A douta decisão que indefere a arguição de nulidade da procedimentalidade atinente à convocação/realização da diligência de declarações para memória futura viola, desde logo, o disposto no artigo 97º, n.º 5 do CP Penal.
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Na verdade, a decisão em causa peca no segmento da fundamentação, dado que não enuncia os fundamentos de direito e de facto em que se baseia para atingir a solução que preconiza.
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Ora, o mencionado preceito normativo estatui o referenciado dever de fundamentação, 4. Visando, efectivamente, que as decisões se imponham pela sua validade intrínseca e já não pela circunstancial qualidade de Magistrado Judicial de quem as profere.
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Por outra banda, a douta decisão esquece a peculiaridade e especificidade de tal tipologia de meio de aquisição da prova.
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Na verdade, apesar de se tratar de acto de inquérito, a mesma adquire uma inusitada importância e relevância, uma vez que a Lei processual penal vigente lhe confere inequivocamente a potencialidade de relevar em sede de audiência de discussão e julgamento – cfr. Artigo 356º, n.º 2, al. a).
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Assim, se por um lado é patente que o legislador entendeu que em específicos tipos de crime – aqueles contra a liberdade e autodeterminação sexuais de menor – a diligência é feita obrigatoriamente por razões conexas à protecção da presumível vítima e para conservação da prova, também visou criar um núcleo essencial de garantias para o arguido, 8. Designadamente procurando que a notícia da diligência chegue ao respectivo domínio cognitivo, bem como ao do seu defensor, 9. Estatuindo o artigo 271.º, n.º 3 do CP Penal que a presença deste – e a do Ministério Público – é obrigatória.
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Na verdade, tal resulta da estrutura acusatória do processo penal que encara o arguido como um sujeito de direitos, entre os quais avulta o de contraditar activa e construtivamente os fundamentos da imputação que sobre ele impende.
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Ora, a possibilidade do arguido e do seu defensor estarem presentes (sendo a presença deste taxada de obrigatória) almeja dar espessura e densidade a essa ideia material do contraditório, constitucionalmente plasmada no artigo 32, nº 5 da CRP.
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Ora, a comunicação telefónica da alteração da diligência e o anúncio de que esta ocorrerá menos de 48 horas após o telefonema, quando o defensor adverte da impossibilidade de estar presente, esvazia completamente de sentido o sobredito direito ao contraditório.
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De resto, o peso e relevância passíveis de serem outorgados ao acto, nomeadamente na vertente da valoração probatória em sede de audiência de discussão e julgamento, tornam ingente que o mesmo só se possa fazer quando o defensor nomeado ou constituído possa estar presente.
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Na verdade, sendo diligência com potencialidade de repercussão em sede de julgamento, devem-lhe ser aplicadas as regras do julgamento, maxime o disposto no artigo 312º, nº 4 do CP Penal.
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Dada, até, a forma de superação de lacunas disciplinada no artigo 4.º do CPP que impõe que se atenda aos casos análogos regulados em tal diploma processual.
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Ora, ao decidir como decidiu, a Mma. Juiz violou as aludidas normas, bem como o artigo 20º, n.º 4 da CRP que estabelece o direito a um processo equitativo e justo.
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Já no que tange ao acto que culminou na inquirição em sede de memórias futuras da Mãe da menor e do companheiro daquela, é patente que não se deu qualquer conhecimento ao arguido e ao seu defensor de tal diligência, 18. Em absoluta e incontornável violação do disposto no n.º 3 do artigo 271º do CPP, 19. O que implicou a ausência do arguido e defensor constituído ao acto.
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Tal configura a nulidade insanável da al. c) do artigo 119º do CP Penal, 21. Ou, assim se não entendendo, a irregularidade nos termos do artigo 123º do mesmo diploma processual.
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Com efeito, apesar do arguido, no requerimento que motivou a decisão recorrida, ter pugnado pela nulidade, o que é certo é que arguiu a invalidade do acto em três dias, 23. Ou seja, o requerimento emergiu tempestivo para o aludido efeito, nos termos da parte final do n.º 1 do citado artigo 123º do CPP.
Termos em que, na procedência do presente recurso, deve ser declarada a invalidade dos autos de declarações para memória futura, tomadas à menor, a sua Mãe e ao companheiro desta.
b.
No que concerne ao acórdão final de 23.04.2014 [cf. fls. 865 a 887] 1. Desde logo, em cumprimento do disposto no artigo 412º, n.º 3 do CP Penal, atenta a natureza do presente recurso como sendo portador de um dissenso em matéria de facto, cumprirá indicar quais os factos que se reputam de “incorrectamente julgados”.
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Assim, dando cumprimento ao comando legal, dir-se-á que, na óptica do recorrente, merecem tal epíteto aqueles consignados nos pontos 24; 25; 26; 27; 28; 29; 30; 31; 32; 33; 34; 35; 36; 37; 38; 39; 41; 42; 44; 45; 46; 47; 50; 51; 54; 55; da matéria de facto dada como provada – ou seja e principalmente, os pontos atinentes à prática dos crimes pelos quais foi condenado.
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Assim, no que tange ao ponto 47 (atinente a episódios ocorridos a 14 de Setembro) há elementos probatórios que impõem decisão distinta da assumida no Acórdão recorrido.
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Desde logo, deve assinalar-se, a menor desenvolve dois discursos absolutamente distintos sobre os factos alegadamente ocorridos na aludida data.
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Na verdade, nas declarações para memória futura (elemento probatório passível de utilização, face ao disposto no artigo 356º, 2, al. a), do CP Penal e concretamente a fls. 21 do Apenso A) narrou que se viu obrigada a ligar ao recorrente por inexistência de outra solução e que ele e a E... a foram buscar e deslocaram-se ao cabeleireiro. Depois foi almoçar a sós com o recorrente, a casa dele, e foi em tal momento que foi alvo de actos sexuais enquadráveis na fattispecie do artigo 171/2 do CP.
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O arguido refuta esta versão quando é ouvido (ficheiro 2014020610715_110601_139473, 6/2/2014, manhã, minuto 42`00`` ao minuto 51`17``), confirmando que foi buscar a menor na companhia da E... , que foram ao cabeleireiro as duas e ele se ausentou e almoçaram no restaurante McDonald`s da Solum, não tendo estado só com a B... à hora do almoço.
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Todavia, ouvida em audiência de discussão e julgamento, depois do recorrente, a...
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