Acórdão nº 15/13.9TBSBG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução03 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

A…, Lda., e C… e cônjuge, M…, pediram ao Sr. Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca do Sabugal, que condenasse L…, SA, a pagar-lhes a quantia de € 142.050,00, correspondente ao preço global da reparação dos danos e à privação do uso das piscinas, acrescida de juros vencidos, desde a data do sinistro – 17 de Fevereiro de 2010 – até pagamento.

Fundamentaram esta pretensão no facto de os autores, C… e cônjuge, serem donos do prédio urbano destinado a comércio, composto de casa de rés-do-chão, andar e logradouro, de que faz parte integrante um pavilhão constituído por um conjunto de piscinas com cobertura e zonas complementares, de, no dia 17 de Fevereiro de 2010, um nevão ter destruído parte da cobertura das piscinas, que ruiu para dentro das piscinas, de a ré, responsável pelos prejuízos causados pela queda de neve, por força do contrato de seguro, titulado pela apólice nº … – cujas cláusulas, gerais e particulares, aquela não lhes comunicou na íntegra - se ter escusado a ressarci-los, alegando que a situação não é passível de accionar quaisquer coberturas da apólice.

A ré defendeu-se por excepção dilatória, alegando a ilegitimidade ad causam dos autores C… e cônjuge, por o contrato de seguro ter sido celebrado com a autora A…, Lda., por excepção peremptória, sustentando a nulidade do contrato de seguro, dado que aquela invocou, na proposta, a qualidade, que não tinha, de dona dos imóveis, tendo a sua mera exploração comercial, sendo manifesta a sua falta de interesse objectivo e atendível, e por impugnação, afirmando que cumpriu a sua obrigação de comunicação das clausulas do contrato de seguro, que o capital garantido tem o limite de € 150.000,00, por sinistro e anuidade, com uma franquia de 10%, com um limite mínimo de € 50,00, e que tendo os imóveis, objecto da cobertura, à data do sinistro, o valor comercial de € 300.000,00, haveria que, na eventualidade de vir a responder, reduzir proporcionalmente, a parte do dano, e que o sinistro não está abrangido pelas garantias e coberturas da apólice.

Os autores replicaram, designadamente, que a autora A…, Lda., tem uma relação jurídica de conteúdo económico com o bem exposto ao risco e, como tal, interesse na celebração do contrato de seguro, que a ré se limitou a enviar àquela, posteriormente à celebração do contrato, as cláusulas contratuais, gerais e especiais, não tendo havido qualquer esclarecimento quanto ao facto de o contrato não cobrir danos resultantes de tempestade de neve ou que os danos provocados pela neve só estavam garantidos desde que a neve penetrasse no interior do edifício em consequência de tufões, ciclones, tornados e toda a acção directa de ventos fortes, mas apenas se a violência de tais tufões ou ventos destruísse ou danificasse edifícios de boa construção, objecto ou árvores num raio de 5 km envolvente dos bens seguros, desde que a intensidade dos ventos ultrapasse 100 km/h.

A acção foi, logo no despacho saneador, julgada improcedente no tocante aos pedidos formulados pelos autores, C… e cônjuge, decisão que não foi objecto de recurso nem de reclamação.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, a sentença final da causa – com fundamento em que não houve comunicação oportuna e adequada à A. do conteúdo da cláusula particular 2.1., que deve considerar-se não escrita, na parte da exclusão, e que não restam dúvidas que a factualidade provada se integra no risco – julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar à Autora uma indemnização de montante de € 106.110,00, correspondente ao preço global da reparação dos danos enunciados, já com o desconto da franquia de 10%, bem como dos juros vencidos e vincendos, desde a data do sinistro, 17/02/2010, até efectivo e integral pagamento.

É esta sentença que a ré impugna no recurso ordinário de apelação – no qual pede a sua substituição por outra que decrete a nulidade do contrato de seguro com todas as consequências legais – tendo rematado a sua alegação com estas conclusões: … A apelada, A…, Lda., concluiu, na resposta, pela improcedência do recurso.

  1. Factos provados. … 3.

    Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, objectivo do recurso pode ser limitado, expressa ou tacitamente, pelo próprio recorrente, tanto requerimento de interposição como nas conclusões da alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do nCPC).

    Maneira que, face à vinculação temática desta Relação ao conteúdo da decisão impugnada e da alegação da recorrente, a única questão que importa resolver é a de saber se o contrato de seguro concluído entre a apelante e apelada, A…, Lda., é ou não nulo. E nulo por uma dupla causa: por virtude da última não ser a proprietária do imóvel sinistrado e, portanto, não ter um interesse atendível em fazê-lo segurar; por indeterminação insuprível, resultante da falta de prova do dever de prévia comunicação em relação a todas as cláusulas que integram aquele contrato, de todos os aspectos essenciais de que dependeria a sua subsistência.

    Se há realidade que se tem por indiscutível é a de que entre a recorrente e a apelada foi concluído, em 7 de Janeiro de 2005, um contrato, típico e nominado, de seguro.

    Importa, contudo, determinar o regime jurídico que lhe é aplicável.

    No dia 1 de Janeiro de 2009 entrou em vigor o Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, rectificado pelas Declarações de Rectificação nºs 32-A/2008, de 13 de Junho e 39/2008, de 23 de Julho, que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro - LCS (artºs 1 e 7 daquele diploma legal). O mesmo diploma revogou expressamente, entre outras normas, as constantes dos artºs 425 a 462 do Código Comercial, aprovado por Carta de Lei de 28 de Junho de 1888 e dos artºs 1 a 5 e 8 a 25 do Decreto-Lei nº 176/95, de 26 de Julho (artº 6).

    De harmonia com as normas de direito transitório de que a nova lei e fez acompanhar, ela é aplicável, não, naturalmente, à formação do contrato, mas ao conteúdo – i.e., às questões relacionadas com a execução do vínculo - de contratos celebrados em data anterior que subsistam à data do seu início de vigência, e relativamente aos contratos de seguro com renovação periódica, a partir da primeira renovação posterior à data da sua entrada em vigor (artºs 2 nº 1 e 3 nº 1 do Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril)[1].

    No caso, é patente, em face da apólice, que o contrato de seguro concluído entre o apelante e a apelada é, no tocante à sua duração, um contrato de duração anual e de renovação periódica, e que ele se renovou já depois da entrada em vigor da LCS.

    Por força das apontadas normas de direito transitório, a lei nova é aplicável ao contrato de seguro concluído entre a apelante e a apelada. E como o novo regime é aplicável àquele contrato de seguro, ele é também aplicável ao sinistro, dado que também este ocorreu depois do início de vigência da lei nova (artº 2 nº 2 do Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril).

    Todavia, por força das apontadas normas de direito intertemporal da lei nova, harmónicas, aliás, com os princípios gerais de aplicação da lei no tempo, o estatuto do contrato de seguro – as condições da sua validade (capacidade, vícios do consentimento, forma etc.) bem como os efeitos da sua invalidade – é regulado pela lei vigente ao tempo em que foi celebrado (artº 12 nº 2, 1ª parte, do Código Civil)[2].

    Nestas condições, os pressupostos de validade do contrato do contrato de seguro, em torno do qual gravita o litígio, são regidos pela lei revogada: as normas apontadas do Código Comercial[3].

    É o que sucede, por exemplo, com a invalidade do contrato assente na inexactidão ou reticência na declaração inicial do risco, que a recorrente alegou logo a abrir a sua alegação.

    O risco – i.e., a possibilidade de materialização do evento aleatório contratualmente previsto no contrato[4] - é um elemento essencial do contrato de seguro, ou seja, inclui-se no núcleo fundamental do contrato, que corresponde aos termos básicos da operação económica que lhe subjaz. O que significa que, sem risco, não há contrato de seguro. É exactamente, para cobertura de um determinado risco – que as partes, segurador e tomador do seguro – contratam, fixando-se um prémio calculado em função desse mesmo risco, de modo a permitir que o segurador, caso o mesmo se verifique, tenha possibilidade de suportar a cobertura acordada.

    Por declaração de risco entende-se o conjunto de informações que devem ser unilateralmente prestadas pelo tomador do seguro ou pelo segurado na proposta de seguro, as quais visam permitir que o último, mediante o cálculo exacto do risco e do correspondente valor do prémio e a apreciação das restantes cláusulas contratuais, decida aceitar ou recusar tal proposta. Constitui, portanto, um dever pré-contratual, por surgir na formação do contrato de seguro, ou seja antes da celebração do contrato, funcionalmente ordenado para a sua celebração ou para a modelação do seu conteúdo.

    A vinculação do tomador do seguro ou do segurado ao dever pré-contratual da declaração inicial do risco compreende-se com facilidade, dado que são aqueles que, em regra, se encontram na posição mais favorável para identificar os factos que conhecem, porque, por exemplo, são relativos a eles mesmos, e que podem ser relevantes para a análise do risco que aqueles pretendem que o segurador cubra.

    O dever de informação do tomador ou do segurado, tradicionalmente apelidada de reticências, era justamente regulado pelo artº 429 do Código Comercial, de harmonia com o qual toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo. Segundo o seu § único, se da parte de quem fez as...

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