Acórdão nº 78/13.7TBNLS-D.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução24 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório Por apenso à acção especial de insolvência – em que foram declarados em tal situação A... e B...

– o Administrador apresentou a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, nos termos do art. 129º do CIRE.

Entre os créditos reconhecidos, incluiu o crédito no montante de € 159.071,49 (€ 117.818,58 de capital e os restantes € 41.252,91 de juros) reclamado por C...

, com os sinais dos autos, decorrente dum mútuo com hipoteca de € 119.711,50 concedido, segundo a reclamante, em 07/04/2004, aos insolventes.

Cumprido o disposto no art. 129.º/4 do CIRE veio a Caixa D..., CRL, com os demais sinais dos autos, apresentar impugnação nos termos do art. 130.º do CIRE, dizendo, em síntese, que, não existe tal crédito reclamado pela C...; que nunca houve qualquer mútuo, sendo o mesmo e a hipoteca acto fictícios e simulados; acrescentando que a C... é irmã do insolvente A..., o qual, em 2004, atravessava dificuldades económicas devido ao facto de ter garantido pessoalmente empréstimos da empresa da qual era gerente e que estavam em incumprimento desde 2003, tendo, inclusivamente, à data da escritura de mútuo, sido já contactado para pagar as dívidas para com a Caixa D... e estando iminente a execução, pelo que reclamante e insolvente tiveram unicamente em vista proteger o património pretensamente dado em hipoteca.

A reclamante C... respondeu, defendendo a veracidade do mútuo e a entrega aos insolventes da quantia mutuada.

Foi proferido despacho saneador – em que a instância foi declarada totalmente regular, estado em que se mantém – e, já nos termos do NCPC, fixado o objecto do litígio e os temas da prova.

Instruído o processo e realizado o julgamento, a Exma. Juíza proferiu sentença de Verificação e Graduação de todos os créditos (art. 140.º do CIRE), sentença em que não reconheceu/verificou o crédito da reclamante C... (não o tendo, em consequência, graduado) e em que determinou a sua exclusão da listagem do Sr. Administrador de Insolvência.

Inconformada com tal segmento da sentença, interpôs a reclamante C... recurso, visando, nessa parte, a sua revogação e a sua substituição por outra que o verifique e gradue no lugar que lhe pertence (em razão da hipoteca de que beneficia).

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: I- Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos e que julgou procedente a impugnação da credora impugnante D... CRL e determinou a exclusão do crédito da ora recorrente (credora reclamante) da listagem do senhor AI de fls. 4 do apenso B, por inexistência do mesmo e da garantia de hipoteca que o acompanhava.

II- Os concretos pontos de facto que a recorrente considera como incorrectamente julgados são os seguintes: - Não deveria ter sido considerado provado o seguinte facto, que a sentença recorrida aponta como sendo da "base instrutória": 3) Nessa data estes (insolventes) encontravam-se a atravessar uma fase economicamente difícil ...

- Não deveria ter sido considerado provado o seguinte facto, que a sentença recorrida aponta como sendo da "base instrutória": 4) e Temiam perder o imóvel acima referido em H)".

- Não deveria ter sido considerado provado o seguinte facto, que a sentença recorrida aponta como sendo da "base instrutória": 5) celebrando o negócio descrito em E), F) e H) com o objectivo de salvaguardar tal imóvel dos credores.

- Não deveria ter sido considerado provado o seguinte facto, que a sentença recorrida aponta como sendo da "base instrutória": 6) Pelo menos no ano de 2004 que o insolvente A... foi contactado por entidades bancárias em virtude de incumprimentos contratuais por parte da sociedade F... . nos quais ele e o outro gerente eram garantes pessoais das obrigações daquela, tendo sido informados de que a execução estava iminente.

- Não deveriam ter sido considerados como provados os seguinte factos, que a sentença recorrida aponta como sendo da "base instrutória": 11) Sociedade que se encontrava em dificuldades económicas em Abril de 2004; 12) Situação que se verifica ainda hoje.

- Deve ser alterada a data referida no facto assente constante em B) da matéria assente constante da sentença recorrida, pois que não é 27 de Março de 2004, mas 27 de Maio de 2004, como resulta dos documentos juntos com o requerimento executivo que serviu de base à execução com o n.º de Processo 376/0S.3TBNLS.

- Deveria ter sido considerado como provado o seguinte facto, enunciado em -4.1) Factos não provados na sentença recorrida:

  1. As entregas referidas no facto 1) dos factos provados foram por conta do empréstimo descrito em E). F) e G).

    - Deveria ter sido considerado como provado o seguinte facto enunciado em 4.1) Factos não provados na sentença recorrida: b) A importância descrita em E) foi entregue pelo credora reclamante aos insolventes.

    - Deveria ter sido considerado como provado o seguinte facto, enunciado em -4.1) Factos não provados na sentença recorrida: e) A reclamante emprestou ao irmão até à data da escritura referida em E) o quantia nela referida ou outra.

    III- Os concretos meios probatórios que impõem decisão sobre aqueles pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida, são os seguintes (…): IV - A ora recorrente deu cumprimento ao ónus de prova que sobre si recaía, provando a existência do seu crédito sobre os insolventes, sendo forçoso concluir que dos elementos constitutivos do contrato de mútuo, a ora recorrente logrou demonstrar verificação integral dos mesmos. E, por isso, o contrato de mútuo e a respectiva hipoteca, que servem de causa à reclamação, existiram efectivamente, devendo o crédito reclamado pela ora recorrente ser julgado reconhecido, verificado e graduado no lugar que lhe competir.

    V - Tendo a impugnante/recorrida, na impugnação que apresentou, alegado uma excepção, como seja a simulação do negócio, impendia sobre ela o ónus de prova dos requisitos dessa simulação, devendo concluir-se que a impugnante/recorrida não logrou demonstrar a verificação de qualquer daqueles requisitos, pelo que, também por aí, deve ser reconhecido, verificado e graduado o crédito reclamado pela ora recorrente, VI- Com a sentença proferida. violou o tribunal a quo as disposições conjugadas dos artigos 1142° cc. 601° CC. 604°, n.º 2 cc. 686° cc. 693.

    0 cc, 47.º, 48° e 174° CIRE.

    A D... respondeu, terminando a sua contra-alegação sustentando, em síntese, que a sentença recorrida não violou qualquer norma, designadamente, as referidas pela recorrente, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

    Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

    * II – “Reapreciação” da decisão de facto Como “questão prévia” à enunciação dos factos provados, importa – atento o âmbito do recurso da reclamante C..., delimitado pelas conclusões da respectiva alegação – analisar as questões a propósito da decisão de facto colocadas a este Tribunal.

    No caso vertente, os diversos depoimentos prestados em audiência, nos quais a 1ª instância se baseou para decidir a matéria de facto, foram gravados; constando assim do processo todos os elementos probatórios com que aquela instância se confrontou, quando decidiu a matéria de facto, pelo que e é possível modificar aquela decisão, se enfermar de erro de julgamento[1].

    Faculdade – de modificar a decisão de facto – em cujo uso, costumamos “avisar”, é nosso dever ser contidos, cautelosos e prudentes, uma vez que existem elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo de exteriorização e verbalização dos depoentes, não importados para a gravação, susceptíveis de influir, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhes. O que, porém – salienta-se e enfatiza-se, para que não haja quaisquer equívocos interpretativos sobre o que se acabou de dizer – não significa que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto apenas envolve a correcção de pontuais, concretas e excepcionais erros de julgamento; efectivamente, a Relação, quando aprecia as provas – e pode para tal atender a quaisquer elementos probatórios – faz um novo julgamento da matéria de facto, vai à procura da sua própria convicção, assegura o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto (ou seja, a actividade da Relação não se pode/deve circunscrever a um mero controlo formal da motivação efectuada na 1.ª Instância).

    Efectuados tais prévios e “tabelares” esclarecimentos, debruçando-nos sobre as concretas questões – tendo presente as posições assumidas pelas partes nos articulados, analisados os documentos juntos e ouvido o registo, efectuado em CD, das várias sessões de julgamento – concluímos, antecipando desde já a solução, que não assiste razão à apelante.

    Vejamos: Estamos perante um caso em que a apreciação/valoração da prova é relativamente cristalina; não pretendemos dizer – não temos essa veleidade – que temos a certeza absoluta sobre o que real e efectivamente aconteceu, porém, dizemos que a prova produzida nos autos – a verdade intra-processual – é de apreciação/valoração relativamente pacífica, isto é, que aprova produzida não suscita dúvidas no que diz respeito aos factos fulcrais (sobre que incide a impugnação/reapreciação da decisão de facto) que, em termos de direito, relevam para o reconhecimento/verificação do crédito reclamado pela apelante.

    E é justamente apenas sobre tais factos fulcrais que nos vamos debruçar e pronunciar; tudo o que é meramente instrumental apenas será tomado em conta, focado e chamado à liça para fazer raciocínios e retirar ilações (ou não) tendo em vista a fixação da facticidade fulcral/essencial.

    É que, como já se referiu no relatório inicial, o julgamento dos autos decorreu à luz do NCPC, tendo a sentença sido elaborada nos termos do art. 607.º, segundo o qual (n.º 4) “ (…) o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram...

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