Acórdão nº 2468/12.3TBACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Março de 2015
Magistrado Responsável | MARIA DOMINGAS SIM |
Data da Resolução | 17 de Março de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
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Relatório A...
, solteiro, maior, com domicílio na Rua (...) , em Santarém, instaurou acção declarativa de condenação, a seguir a forma ordinária do processo, contra B...
, com domicílio na Avª (...) , no Bombarral, pedindo a final a condenação da ré: a) a ver reconhecido que não cumpriu a obrigação de entrega de qualquer quantia ou valor a título de sinal e princípio de pagamento, tendo o autor, consequentemente, o direito a receber no acto da escritura pública de compra e venda a quantia de 86.500,00€, acrescida do valor liquidado a título de quotas de condomínio [695,84€] conforme cláusula quarta do contrato promessa; b) a ter-se por verificada e realizada a interpelação admonitória feita pelo Autor para realizar a escritura pública nos dias 14/01/2013, pelas 10h00m, ou a 14/02/2013, pelas 10h00m, ou, por fim, a 04/03/2013 pelas 10h00, no Cartório Notarial de C...
, em Lisboa; c) a ver considerada válida e objectivamente verificada a resolução do contrato-promessa por causa que lhe é imputável [art.º 801º nº2 ex vi do art.º 790º ambos do Cód. Civil], no caso de não comparência ou recusa de celebração do contrato definitivo; d) a, cumulativamente, indemnizar o Autor na quantia de 30.000,00€ [trinta mil euros] a título de cláusula penal [conforme cláusula quinze do contrato promessa ex vi art.ºs. 810º nº1 e 811º nº1 ambos do Cód. Civil], acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; e) a liquidar ao Autor, a título de indemnização, a quantia de 50,00€ por cada dia de atraso em caso de não entrega do imóvel, livre e devoluto de pessoas e bens [cláusula dezassete do contrato promessa] a partir de 5 de Março de 2013, momento a partir do qual deverá ser considerado, condicionalmente, resolvido o contrato promessa, por culpa da Ré, valor ao qual deverão acrescer juros de mora à taxa legal, vencidos após o dia 05/03/2013 até efectivo e integral pagamento”.
Em fundamento alegou, em síntese útil, ter celebrado com a ré em 27 de Fevereiro de 2012 contrato promessa de compra e venda, nos termos do qual prometeu vender a esta que, por seu turno, prometeu comprar, a fracção autónoma no mesmo identificada, sita em S. Martinho do Porto.
O contrato celebrado revestiu a forma legalmente exigida e, não obstante nele ter sido convencionada a entrega pela promitente compradora, a título de sinal e princípio de pagamento, da quantia de €6 500,00, obrigação que deveria ter sido cumprida faseadamente, nada entregou a ré a este título.
Nos termos da cláusula 11.ª do contrato celebrado, a escritura seria marcada no prazo máximo de nove meses a contar da data da assinatura do contrato-promessa, podendo ser prorrogado por acordo das partes por mais três meses, cabendo a sua marcação ao 1.º outorgante. No cumprimento do clausulado, o aqui autor procedeu à marcação da escritura dentro do prazo convencionado, tendo notificado a ré para comparecer com a antecedência, pelo modo e para o local constantes da cláusula 12.ª do contrato, sem que esta tivesse comparecido ou justificado por algum modo a sua ausência, sendo certo que nada obstava à transmissão dá fracção livre de ónus ou encargos.
Tendo em vista a conversão da mora em incumprimento definitivo, requereu o autor que com a citação para a presente acção fosse a ré simultaneamente interpelada para comparecer no mesmo cartório notarial numa das datas que indicou, com a finalidade de celebrar o contrato definitivo, isto sob pena de incorrer em incumprimento definitivo, dando lugar à aplicação da cláusula penal convencionada.
Mais alegou que, consoante as cláusulas 3.ª e 4.ª do acordo celebrado, a fracção prometida vender foi entregue à ré na data da assinatura do contrato promessa, para que a usasse plenamente, competindo a esta proceder ao pagamento das quotizações do condomínio; no caso de não realização da escritura, ficava ainda a promitente compradora obrigada a devolver a fracção no prazo máximo de 30 dias, sob pena de incorrer no pagamento de uma indemnização no valor de €50,00 por dia de atraso na restituição.
Concluiu que sendo por esta via interpelada para comparecer no cartório notarial indicado numa das datas designadas -interpelação claramente admonitória- não comparecendo a ré, deveria o contrato ser julgado validamente resolvido e esta condenada nas quantias peticionadas.
* Regularmente citada, contestou a ré, peça na qual alegou que o contrato celebrado veio a ser revogado pelas partes, que nisso acordaram logo em Março de 2012, tendo o autor ficado incumbido de formalizar a revogação. Não obstante, logo na ocasião tranquilizou a contestante, afirmando que entre eles tudo ficara acertado e que assim que pudesse trataria de dar forma ao acordo revogatório. E foi por esse motivo que a contestante não chegou a proceder à entrega de nenhuma quantia a título de sinal, tal como não chegou a exercer posse sobre o imóvel -que nunca ocupou, apesar de ter recebido uma chave ainda antes de assinar o contrato promessa- não tendo igualmente procedido à venda de uma outra fracção, da qual era proprietária no mesmo prédio e cuja alienação seria necessária para poder pagar ao autor o preço da fracção prometida comprar.
Mais invocou a seu favor a excepção do não cumprimento do contrato, com fundamento no facto do autor ter permitido a penhora do imóvel prometido vender durante a sua vigência, indiciando-se fortemente, aliás, que o empréstimo que deu origem ao processo executivo promovido pelo credor hipotecário se encontrava já em incumprimento à data em que o mesmo foi celebrado. Omitiu assim o autor, aquando da celebração do contrato promessa, informação relevante pois, a ter a contestante sabido da aludida situação de incumprimento, seguramente não teria contratado.
Alegou ainda que a escritura não foi validamente marcada porquanto, incidindo à data uma penhora sobre a fracção prometida vender, a simples declaração do banco exequente a que alude ao autor não era suficiente para assegurar a posição da promitente compradora, desde logo porque natural seria a existência de valores em dívida provenientes de encargos da execução, cuja liquidação não é assegurada pela declaração emitida pelo credor e que podem afectar o cancelamento da penhora.
De resto, atendendo a que, segundo informação colhida, a fracção já foi pelo autor vendida a um terceiro, não se encontra sequer aquele em condições de celebrar o contrato prometido, donde inexistir incumprimento por banda da ré.
Com os aludidos fundamentos concluiu pela improcedência da acção.
* O autor replicou, negando a existência de qualquer acordo revogatório e, tendo reconhecido que a fracção foi efectivamente alvo de penhora, assinalou que, de forma a cumprir com a obrigação de entrega da mesma livre de ónus e encargos, conforme se havia obrigado, diligenciou junto do credor pela emissão dos respectivos distrates, de forma a cancelar a hipoteca constituída e ver decretada a extinção do processo executivo e, consequentemente, o cancelamento da penhora registada, tudo conforme deu a conhecer à ré, tendo-lhe remetido toda a documentação por meio de carta registada. Tal carta foi remetida para o domicílio convencionado e não foi pela destinatária recebida apenas e só porque não procedeu ao seu levantamento. Alegou ainda ter procedido ao pagamento, junto do agente de execução e antes da data marcada para a realização da escritura, da nota discriminativa de despesas e honorários, donde não existir fundamento para a invocada excepção do não cumprimento, por cuja improcedência pugnou.
* Por requerimento entrado em juízo a 17 de Outubro de 2013, fez o autor saber nos autos que até ao momento não tinha tido acesso à fracção prometida vender, sendo certo que pretendia vendê-la a um terceiro. Mais disse ter tentado que a entrega fosse feita por acordo e extrajudicialmente através dos mandatários das partes, tentativa que se gorou. E por assim ser, alegando encontrar-se “impedido de usar, fruir e dispor da sua propriedade [caracteres do direito de propriedade],” tendo embora renunciando a descrever “os prejuízos que para si advêm da conduta omissiva da Ré, que não se predispôs a entregar a chave do apartamento”, anunciou que iria pelos seus meios tomar a posse da fracção no próximo dia 18.10.2013,contratando para o efeito uma empresa da especialidade para arrombar a porta e substituir a fechadura.
A ré respondeu, alegando que há já algum tempo que o autor celebrara contrato promessa com um terceiro tendo por objecto a fracção prometida vender, evidenciando-se assim que tinha acesso à mesma, no pressuposto de que ninguém se predispõe a adquirir um imóvel sem o ver. Por assim ser, e chamando a atenção para a postura processual do autor, pediu ao Tribunal que não deixasse de a avaliar.
* Foi dispensada a audiência prévia e, fixados os temas da prova, prosseguiram os autos para julgamento.
Apresentou entretanto o autor articulado superveniente, no qual alegou ter tomado posse da fracção em 22/10/2013, na sequência de arrombamento e substituição da fechadura por si ordenados, dando conta da celebração com um terceiro, em 02.10.2013, de um contrato-promessa de compra e venda tendo por objecto a futura venda da mesma, tendo o contrato definitivo sido celebrado em 20/12/2013 pelo preço de €55.000,00.
Mais disse que, devido ao incumprimento definitivo da ré, suportou despesas com a quotização do condomínio por mais um ano, no que despendeu €506,66, tendo-se igualmente visto forçado a obter Certificado Energético no valor de €180,00, dispêndios que, de outro modo, teriam sido evitados. Acrescentou que o preço de venda do imóvel foi substancialmente mais baixo do que o acordado com a ré, donde ascender ao montante de €32.186,66 o prejuízo sofrido em razão do incumprimento do contrato por banda desta última.
Respondeu a ré e, chamando a atenção para o facto de o autor ter faltado conscientemente à verdade quando invocou não ter a posse da fracção, requereu a condenação daquele como litigante...
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