Acórdão nº 3007/12.1TJCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelMANUEL CAPELO
Data da Resolução17 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra Relatório U…, S.A., com sede na …, intentou a presente acção declarativa, com processo sumário, contra P…, residente na Rua …, peticionando a condenação deste no pagamento da quantia de 23.187,95€, acrescida de juros moratórios à taxa de 13% sobre a quantia de 6.416,67€ e de juros moratórios à taxa supletiva legal para dividas comerciais sobre a quantia de 11.666,67€, desde 12.09.2012 até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, e em síntese, alegou que, no exercício da sua actividade comercial, celebrou com o Réu um «contrato de compra exclusiva», mediante o qual aquela se obrigou a fornecer a este os produtos que são objecto do seu comércio e este, enquanto proprietário do estabelecimento «Theatro C…», obrigou-se adquirir tais produtos até 150.000 litros, bem como a não vender naquele seu estabelecimento cervejas refrigerantes e águas de outras marcas, pelo período mínimo de 3 anos e máximo de 5 anos, com início em 27 de Agosto de 2007. A Autora obrigou-se ainda a pagar ao Réu a quantia de 42.350,00€, já acrescido de IVA, o que fez em 27 de Agosto de 2007.

Por carta de 28 de Maio de 2009, o Réu comunicou à Autora que cedeu a exploração do aludido estabelecimento à sociedade G…, Ld.ª, transmitindo inclusivamente os direitos e obrigações decorrentes do contrato celebrado com a Autora.

Aliás, nos termos deste contrato, a cedência da exploração do estabelecimento não exonerava o Réu das suas responsabilidades, mantendo-se solidariamente responsável pelo cumprimento do mesmo.

A G…, Ld.ª, deixou de adquirir à Autora os produtos do seu comércio, pelo menos desde 23 de Setembro de 2011, data em que trespassou o aludido estabelecimento para uma outra empresa, J…, Ld.ª. Desde o início do contrato (27.08.2007) até 23.09.2011, o Réu e a G…, Ld.ª apenas adquiriram à Autora 61.381 litros de produtos por esta comercializados.

Em face de tal circunstância, no dia 15 de Março de 2012, a Autora remeteu carta à G... Ld.ª, comunicando a resolução do contrato desde final de Setembro de 2011, remetendo, igualmente, e na mesma data, cópia da mesma ao Réu, que a recebeu em 19 de Março de 2012.

Nos termos do convencionado entre as partes, a Autora tem direito, por efeito da aludida resolução, a receber uma indemnização no valor de 11.666,67€ (cf. cláusula 8.ª, n.º 3) e a ser-lhe devolvida a quantia de 6.416,67€ (correspondente à importância entregue de 42.350,00€, deduzida da quantia correspondente aos 49 meses de cumprimento contratual), acrescidas dos juros de mora correspondentes, o que totaliza 23.187,95€.

O Réu, citado para contestar, veio fazê-lo, referindo que desde Julho de 2007 até Maio de 2009 explorou directamente o estabelecimento «Theatro C…», tendo celebrado com a Autora o aludido «contrato de compra exclusiva». Todavia, a Autora já havia celebrado um contrato idêntico com a sociedade que explorava, anteriormente, aquele estabelecimento (a empresa J…, Ld.ª), sendo que quando esta sociedade cedeu a exploração do mesmo ao Réu, foi celebrado entre a Autora, aquela sociedade e o Réu um contrato de «transmissão singular de dívidas e de compra exclusiva», a par da celebração do aludido «contrato de compra exclusiva» entre a Autora e o Réu (como anexo ao contrato de transmissão de dívida).

Por outro lado, da quantia de 42.350,00€ que a Autora entregou ao Réu, parte da mesma serviu para compensar uma dívida da sociedade J…, Ld.ª para com aquela (no montante de 15.427,50€), tendo o Réu recebido, apenas, 26.922,50€.

Acresce que a G…, Ld.ª, declarou, expressamente, aquando da cedência da exploração do estabelecimento, que assumia os direitos e obrigações decorrentes do contrato de compra exclusiva objecto destes autos, sendo que a Autora e o Réu acordaram entre si (na presença dos legais representantes da G…, Ld.ª, e com a concordância destes) que este ficava exonerado das responsabilidades decorrentes de tal contrato. E mais foi acordado entre todos que a partir de 26 de Maio de 2009 a sociedade G…, Ld.ª era a única responsável pelo cumprimento do contrato de compra exclusiva e pelas consequências contratuais emergentes do seu incumprimento ou resolução.

A Autora omite, pois, factos importantes para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, pelo que litiga de má-fé, devendo ser condenada em multa processual e no pagamento de indemnização em valor a arbitrar pelo tribunal.

Mesmo que assim não se entenda, a cláusula penal (cláusula 8º, n.º 3) inserta no contrato firmado sempre deverá ser judicialmente reduzida, por ser manifestamente excessiva.

Pede, a final, a absolvição do pedido e a condenação da Autora como litigante de má fé.

… … Elaborado despacho saneador, tendo sido fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção procedente e condenou o Réu a pagar à Autora as quantias de 11.666,67€ (onze mil, seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros moratórios à taxa legal para as dívidas comerciais, desde a data da resolução contratual até efectivo e integral pagamento, e de 6.416,67€ (seis mil, quatrocentos e dezasseis euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros moratórios à taxa contratualmente convencionada, ou seja, à taxa de 13%, desde 29 de Agosto de 2007 até efectivo e integral pagamento.

Inconformado com esta decisão dela interpôs recurso o réu, concluindo que: … Nas contra alegações a Autora defendeu a confirmação da sentença recorrida e a improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação O Tribunal recorrido deu como provado que: … Além de delimitado pelo objecto da acção; pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

De harmonia com o despacho que admitiu o recurso ordinário de apelação, por referência as conclusões nele expostas o objecto deste remete para a impugnação da fixação da prova, considerando o recorrente que deveriam ter sido julgados provados os factos das alíneas b), c), d) e e) da matéria considerada não provada; - Remete também para a resolução do contrato discutido nos autos protestando o recorrente que o tribunal não o declarou resolvido quando o deveria ter feito para ser admissível a condenação que proferiu; que em qualquer caso a resolução sustentada pela recorrida não é eficaz nem operante por não ter sido comunicada ao Administrador de Insolvência da sociedade G…, Ldª e por a natureza do contrato celebrado entre o Réu e a sociedade G… não permitir a aplicação da clausula 10 do contrato celebrado com a recorrida nada sendo devido a esta por parte do recorrente; - Incide ainda o recurso sobre a irresponsabilidade do recorrente por qualquer pagamento para com a recorrida por violação das regras da boa fé.

- Por último remete o recurso para a data da fixação dos juros de mora, considerando o recorrente que estes, só seriam devidos a partir da data da citação.

Da impugnação da matéria de facto Abordando agora a primeira questão suscitada no recurso, a impugnação da matéria de facto, verificamos que o nº1 do art. 640 do (N)CPC (reproduzindo o art. 685 - B do CPC) estabelece que quando haja sido feita essa impugnação o recorrente deve obrigatoriamente e sob pena de rejeição especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham a decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

E acrescenta o nº2 do preceito que no caso de terem sido invocados meios probatórios gravados como fundamento do erro na apreciação do recurso, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens gravadas em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

São estes os requisitos de forma estabelecidos na lei como imprescindíveis ao conhecimento da impugnação, não deixando dúvidas que a sua inobservância gera a rejeição da solicitação da impugnação.

E porque no caso em decisão tais requisitos se encontram preenchidos, passamos de imediato à verificação do fundamento do que é invocado.

Quanto à impugnação da matéria de facto, no domínio da sua natureza, finalidade e limites, em sede de recurso, sabemos que o Tribunal da Relação pode alterar a decisão sobre a matéria de facto se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do nº1 do art. 640 do (N)CPC, a decisão com base neles proferida.

Os fundamentos de prova invocados para alteração da decisão facto remetem para os critérios de convicção do julgador na apreciação da prova produzida.

Quanto a esta convicção e ao modo de a apreender, o Tribunal da Relação tem a possibilidade de alterar o decidido em 1ª instância, reapreciando as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em conta o conteúdo das alegações do recorrente e do recorrido, para o que procederá, nos termos sobreditos, à audição dos depoimentos indicados pelas partes (arts. 712º, nºs 1 a), 2ª parte, e 2 e 685º-B). E pode mesmo, para proferir a sua decisão, «oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados» (art. 712º/2, 2ª parte).

A extensão desta reapreciação, que o Tribunal da...

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