Acórdão nº 2091/13.5TALRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No Processo nº 2091/13.5TALRA que corre termos no [já extinto] 3º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Alcobaça, onde é ofendido e assistente, A...

e arguido, B...

, o Digno Magistrado do Ministério Público proferiu, em 7 de Maio de 2014, despacho de arquivamento do inquérito.

O assistente requereu, em 27 de Maio de 2014, a abertura da instrução.

Remetidos os autos a juízo, a Mma. Juíza de instrução, por despacho de 12 de Junho de 2014, rejeitou, por inadmissibilidade legal, o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente.

* Inconformado com a decisão, recorreu o assistente, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1ª O Tribunal a quo decidiu, por inadmissibilidade legal, rejeitar o requerimento de abertura da instrução, o qual mostra-se legal e admissível.

  1. Assim, compulsados os autos de inquérito e atos jurisdicionais, verifica-se que nenhuma diligência foi efetuada por parte do Ministério Público nem pelo Exmo , Sr. Dr. Juiz de Instrução, apenas conclusões.

  2. De fato, os factos alegados na participação do assistente que, grosso modo, foram dados por confirmados nos autos.

  3. O ora arguido pretendeu apenas, de forma vexatória, acusar o ora assistente, querendo imputar-lhe crimes de ameaças, injúrias, entre outros, todavia totalmente irracionais e sem qualquer fundamento factual conducente a tais práticas.

  4. O arguido atuou com desonestidade aquando da apresentação da queixa referente aos alegados crimes supra mencionados, atitude onde se infere de astúcia maliciosa aquando da regência de tais procedimentos, pois apenas se preocupou em apresentar a queixa, sem juntar qualquer prova.

  5. Denegrindo inevitavelmente a imagem do assistente, ainda que não tenha trazido factos para sustentar tais acusações.

  6. Houve uma denúncia, como referido, completamente infundada, compaginando apenas uma atitude vexatória/incriminatória, absolutamente desproporcionada.

  7. Não vislumbramos nesta situação nada mais do que um atentado aos direitos do assistente/ofendido, mais concretamente um crime de denúncia caluniosa.

  8. Estamos perante um crime de denúncia caluniosa pois houve o lançar de suspeita a outra pessoa (assistente), com suposta conduta idónea a provocar procedimento criminal, com "dolo qualificado" por parte do arguido, isto é, com a consciência da falsidade da imputação e ainda a intenção de que se instaure procedimento contra o assistente/ofendido.

  9. Face ao exposto, tudo nos evidencia e encaminha para a efetiva ocorrência de um crime por parte do arguido, ao usufruir para lá do aceitável de um direito que lhe assistia, isto é, o direito à queixa.

  10. Utilizou este mecanismo legal para alcançar fins egoísticos, irracionais e, acima de tudo, através de condutas ilícitas! 12ª O que para tanto bastava inquirir as testemunhas arroladas pelo assistente, o que o Tribunal o quo não o fez, como é sua obrigação legal.

  11. A intenção, os fatos concretos, foram identificados, os quais são suficientes para integrar o tipo legal do crime.

  12. Naturalmente que, com a inquirição das testemunhas arroladas confirmava-se, no todo, o elemento subjetivo do tipo legal de crime.

  13. Prova essa que não foi realizada, tendo o Tribunal a quo vedado ao assistente, pois sem a cabal visualização e audição da prova, jamais pode concluir-se da forma do despacho sob análise.

  14. Pelo exposto o arguido denunciou caluniosamente o assistente, incorrendo, assim, na prática do crime de denúncia caluniosa, previsto e punível pelo art. 365º do Código Penal.

  15. Mais, é notório o elemento subjetivo do tipo legal de crime, isto é, é visível a intenção do arguido na sua conduta, pois a participação surge no intuito meramente vingativo, uma vez que o assistente possuiu vários processos em trâmite no Tribunal contra o mesmo.

  16. Pelo que, de tantos fatos que constam no requerimento de abertura de instrução (e até no próprio inquérito), não se compreende tal decisão (tais decisões).

  17. De fato, tal prática por parte do arguido (denunciação caluniosa) é um artifício já utilizado pelo mesmo por diversas vezes para coagir/chantagear o assistente e até outras pessoas (testemunhas arroladas pelo assistente e não inquiridas), afim de desistirem de ações judiciais intentadas contra os mesmos, ou praticarem atos de acordo com as vontades deles.

  18. Por outro lado, com a abertura de instrução pretendia-se demonstrar e provar a conduta dolosa do arguido.

  19. Pois, de fato, tais fatos outrora imputados ao assistente são falsos.

  20. Pelo exposto o arguido denunciou caluniosamente o assistente, incorrendo, assim, na prática do crime de denúncia caluniosa, previsto e punível pelo art. 365º do Código Penal.

  21. Nenhum meio de prova foi feito nos autos, nomeadamente o requerido pelo assistente, nada mais, ou seja, nenhuma diligência de prova se fez no sentido de apurar a verdade.

  22. O mínimo exigido (a qualquer cidadão), face às regras previstas na Constituição da República Portuguesa, face a estas notórias falsidades, era ouvir a prova requerida pelo assistente, o que sempre se requereu e sempre foi negado.

  23. É que, lendo o douto despacho de arquivamento e despacho de rejeição por inadmissibilidade legal da instrução, salvo o devido respeito, fica-se sem saber isso mesmo, por manifesta falta de obtenção de meios de prova no âmbito do inquérito e instrução, o que devia ter sido feito (ou dito) e não o foi.

  24. Sendo certo que a(s) pessoa(s) identificada(s) como participado(s) continua (m) ainda hoje a dizer em público que só parará (ão) quando destruir (em) por completo o assistente, tudo porque não pretende (m) pagar a dívida que contraiu.

  25. Requereu-se a inquirição de testemunhas exatamente com assuntos similares ao do assistente e nada foi feito ou investigado ou requerido ou ouvido.

  26. Os fatos estão concretamente identificados, devidamente descritos e com desencadeamento lógico, no espaço e tempo.

  27. E, por isso se propugna que o douto despacho de rejeição se mostra ilegal, pois deveria haver lugar à instrução para realização da prova requerida e, nesse seguimento, despacho de pronúncia contra o(s) denunciado(s) pela prática do crime.

  28. Bem como não se investigaram quaisquer fatos constantes na douta participação.

  29. Pois se assim não acontecer, viola-se claramente a Constituição da República Portuguesa no acesso do assistente à Justiça, o que é notório.

  30. O assistente participou fatos que não foram investigados/ouvidos/valorados, nem na fase de inquérito nem na instrução, fatos esses que deveriam ser investigados/ouvidos/valorados como era obrigação.

  31. De fato nos autos supra não houve inquérito nem instrução, direitos que foram vedados ao assistente, pelo que tanto do despacho de arquivamento como o despacho sob análise são nulos.

  32. O que, nos termos do artigo 119°, alínea d), e 120°, n.º 3, alínea c), ambos do C. P. Penal, comporta uma nulidade insanável, nulidade que desde já se invoca para os devidos efeitos legais.

  33. Pelo que deve ser ordenado a realização da instrução quanto aos fatos participados pelo assistente, nos termos do artigo 122° do C. P.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgada procedente por ter provimento, conforme se propugna nas conclusões, tudo com as devidas consequências legais, sendo que assim se fará a costumada JUSTIÇA.

* Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões: 1º – Sendo a instrução requerida pelo assistente é aplicável ao respectivo requerimento, por força da parte final do n.º 2 do artigo 287.º do CPP, o disposto no artigo 287.º, n.º 3, alíneas b) e c), do mesmo diploma legal, o que significa que o mesmo terá de conter, sob pena de nulidade, "a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentem a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada" e, bem assim, a "indicação das disposições legais aplicáveis".

2º – Não cumprindo o requerimento de abertura de instrução deduzido nos autos os requisitos previstos nos artigos supra-mencionados, enferma o mesmo da nulidade aí prevista, a qual não é uma nulidade meramente formal, mas afecta a própria instrução, que se encontra desprovida de objecto e, portanto, seria sempre inexequível, pelo que a instrução é legalmente inadmissível.

Porém, decidindo, V.Exª farão a costumada JUSTIÇA.

* Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer sufragando a argumentação do Ministério Público junto da 1ª instância, concluiu pelo não provimento do recurso.

* Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal, tendo respondido o arguido, manifestando a sua concordância com o parecer e concluído pelo não provimento do recurso.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

* * II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, a questão a decidir é a de saber se o requerimento de abertura de instrução padece de deficiência que determine a sua rejeição, como se decidiu na decisão impugnada. * Para tanto, importa ter presente o teor do despacho recorrido, que é o seguinte: “ (…).

ABERTURA DE INSTRUÇÃO requerida pelo assistente A... (Fls. 256 e 261): A... vem, na qualidade de assistente, e na sequência da notificação do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, pela prática, pelo arguido B...

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