Acórdão nº 212/11.1GACLB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Pelo Tribunal Judicial de Celorico da Beira ( actual Comarca da Guarda, Instância Local de Celorico da Beira), sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, os arguidos A...

, divorciada, empregada de balcão, filha de (...) e de (...), nascida a 10/06/1973, natural do (...), concelho de Celorico da Beira, residente na Rua (...), Vilar Formoso; B...

, divorciado, trabalha à jorna na agricultura, filho de (...) e de (...), nascido a 19/03/1976, natural de (...), residente na Rua (...); e C..

, casado, empregado fabril, filho de (...) e de (...), nascido a 02/03/1984, natural de (...), concelho de Celorico da Beira, residente na Praceta (...), Celorico da Beira; imputando-se-lhes a prática de factos pelos quais teriam cometido: - a arguida A..., em co-autoria material, um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº1, alínea c) e nº2, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, em concurso efectivo com a prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples e de um crime de dano, p. e p. pelos artigos 143º, nº1 e 212º, ambos do Código Penal; - o arguido B..., em co-autoria material, um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº1, alínea c) e nº2, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro; e - o arguido C..., em autoria material, um crime de tráfico e mediação de armas, p. e p. pelo artigo 87º, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.

Realizada a audiência de julgamento – no decurso do qual foi homologada por sentença a desistência da queixa apresentada pelo ofendido B... contra a arguida A..., relativa aos crimes de ofensa à integridade física simples e dano, pelo que os autos prosseguiram circunscritos apenas aos factos atinentes aos crimes de detenção de arma proibida e de tráfico e mediação de armas -, o Tribunal Singular, por sentença de 13 de Junho de 2014, decidiu julgar acusação parcialmente procedente a acusação do Ministério Público e, em consequência: - condenar o arguido B..., pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, al. c) e nº2 da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 6€ (seis euros), o que perfaz o montante global de 600,00€ (seiscentos euros); - absolver a arguida A... da prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, al. c) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro; e c) absolver o arguido C... da prática de um crime de tráfico e mediação de armas, p. e p. pelo artigo 87º, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido B..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

  1. O Tribunal recorrido deu por provados os factos enunciados nos números 1 a 6 supra, baseado exclusivamente nas declarações prestadas pelo arguido perante Magistrado do Ministério Público em inquérito, socorrendo-se assim do disposto no art 141 n° 4 al b) do C.P.P. na redação da Lei 20/2013 de 21/02.

B) Salvo o muito devido respeito, o Tribunal Recorrido não podia fundamentar os factos que julgou provados nas declarações prestadas pelo arguido perante o MP.

C) A valoração das declarações prestadas em inquérito perante Magistrado do MP, ainda que advertido que as mesmas podiam ser usadas no processo, constitui um erro de direito que afectou a apreciação probatória, e se constituiu como erro de julgamento em matéria de direito, na medida em que, no nosso modesto entender só poderiam ser valoradas se lidas em julgamento, dando ao arguido o direito de exercer o contraditório.

D) Não foi produzida qualquer prova, além das declarações do arguido prestadas em inquérito, que levasse à conclusão de que o arguido conhecia as características de tal arma, E) As declarações da companheira do arguido em julgamento, segundo as quais o arguido lhe dissera que tinham comprado a arma, não servem como meio de prova, pois limitam-se a reproduzir uma conversa do arguido com ela, quando este em julgamento exerceu o seu direito ao silêncio.

F) A admissão da valoração em julgamento das declarações prestadas pelo arguido em inquérito perante Magistrado do MP, viola o principio constitucional do art 32° n° 5 da CRP, caindo-se inevitavelmente na inconstitucionalidade do normativo do art. 141 n° 4 al b) do C.P.P.

G) Assim, repete-se que, para tal prova ser valorada em sede de julgamento, as declarações prestadas pelo arguido perante Magistrado do MP teriam que ser lidas na audiência, o que não aconteceu no caso concreto, com clara violação do principio do contraditório e da auto defesa, determinando pura e simplesmente que nenhuma prova se fez que fundamente a decisão condenatória.

H) Acresce que, para serem valoradas tais declarações em sede de livre apreciação da prova, importaria que se aferisse se o arguido possuía conhecimentos técnicos para definir as características da arma, nomeadamente em termos de calibre da mesma.

I) Pelo que, por ausência de elementos probatórios legalmente admissíveis, o douto Tribunal Recorrido não poderia considerar provados os factos supra enunciados, J) Impondo-se, na ausência de prova, a absolvição do arguido K) Foi violado o disposto no art 141 n° 4 al b) do C.P.P.

L) A eventual improcedência do presente recurso, determina o arguido a interpor recurso para o Tribunal Constitucional.

Termos em que, revogando a douta sentença recorrida e substituindo-a por outra que absolva o arguido, V.ªs Ex.ªs Venerandos Desembargadores, estarão a fazer inteira Justiça. O Ministério Público na Comarca da Guarda respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção integral da sentença recorrida.

O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que, com diferentes fundamentos e diferente consequência legal, deverá o recurso proceder, com o reenvio do processo à 1.ª instância para ser proferida nova decisão..

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P..

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação A matéria de facto apurada e respectiva motivação constantes da sentença recorrida é a seguinte: Factos provados 1. Os arguidos B... e A... casaram entre si em 29 de Dezembro de 2007, sendo que o casamento entre ambos foi dissolvido por divórcio por sentença proferida em 24 de Novembro de 2009.

  1. Em data não concretamente apurada, mas cerca de um ano antes do divórcio de ambos, o arguido B... fez entrar e manteve na sua posse uma pistola de calibre 6,35mm, de cor preta, com carregador para capacidade para 6 munições.

  2. Nessa ocasião, o arguido B... fez um disparo para o ar, certificando-se do bom funcionamento da arma.

  3. Os arguidos não possuem licença de uso e porte de arma ou registo de armas de fogo.

  4. O arguido B... conhecia as características da arma referida em 2, bem sabendo que não estava autorizado a detê-la, mas, não obstante, não se coibiu de a deter.

  5. O arguido B... agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal como crime.

  6. A arguida A... nasceu a 10/06/1973 e é divorciada.

  7. É empregada de balcão e aufere 485,00€ mensais.

  8. Reside com um filho, de 16 anos de idade, que se encontra a estudar.

  9. Reside em casa arrendada, pela qual paga de renda o valor mensal de 200,00€ 11. A título de pensão de alimentos a favor do seu filho menor recebe do FGADM o valor mensal de 120,00€.

  10. De habilitações literárias tem o 9º ano de escolaridade.

  11. Nada consta no certificado de registo criminal da arguida A....

  12. O arguido B... nasceu a 19/03/1976 e é divorciado.

  13. Trabalha na agricultura, por conta de outrem, e aufere 485,00€ mensais.

  14. Reside com a sua companheira e dois filhos desta, de 12 e 16 anos de idade, que se encontram a estudar.

  15. A sua companheira trabalha numa padaria e aufere 485,00€ mensais.

  16. Reside em casa própria da companheira, pela qual esta paga o valor mensal de 30,00€.

  17. O arguido contraiu um empréstimo pessoal do qual paga mensalmente ao Banco o valor de 50,00€.

  18. O arguido contribui com o valor de 130,00€ mensais, a título de alimentos, para os dois filhos menores que residem com uma tia.

  19. De habilitações literárias tem o 4º ano de escolaridade.

  20. Nada consta no certificado de registo criminal do arguido B....

  21. O arguido C... nasceu a 02/03/1984 e é casado.

  22. É empregado fabril e aufere mensalmente 650,00€.

  23. Reside com a sua esposa e dois filhos menores, de 5 e 9 anos de idade, que se encontram a estudar.

  24. A sua esposa é empregada fabril e aufere 485,00€ mensais.

  25. Reside em casa própria pela qual paga ao Banco o valor mensal de cerca de 220,00€.

  26. O arguido contraiu um empréstimo automóvel do qual paga mensalmente o valor de 270,00€.

  27. De habilitações literárias o arguido tem o 9º ano de escolaridade.

  28. Nada consta no certificado de registo criminal do arguido C....

Factos não provados Não se provaram quaisquer outros factos susceptíveis de influir na decisão da causa, designadamente, que:

  1. Em meados de Outubro de 2008, os arguidos A... e B... tomaram a decisão, conjunta, de adquirir uma arma de fogo.

  2. Em execução desse plano, em dia e hora não concretamente apurados, mas em meados de Outubro de 2008, os arguidos B... e A... deslocaram-se até à residência do arguido C....

  3. A arma referida em 2 foi adquirida conjuntamente pelo arguido B... e pela arguida A....

  4. A arma referida em 2 foi adquirida, por 200,00€, ao arguido C....

  5. A arguida A... conhecia as características da arma referida em 2, bem sabendo que não estava autorizada a detê-la, mas, não obstante, não se coibiu de a deter.

  6. O arguido C... conhecia as características da arma referida em 2, bem sabendo que não estava autorizado a detê-la e a vendê-la, mas, não obstante, não se coibiu de a deter e vender.

  7. Os arguidos A... e C... agiram de forma voluntária, livre e...

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