Acórdão nº 1190/12.5TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do processo n.º 1190/12.5.TACBR da Comarca de Coimbra – Inst. Central – Sec. Ins. Criminal – J2, finda a fase de inquérito foi a arguida A...

, melhor identificada nos autos, acusada, além do mais, pela prática de seis crimes de subtracção de documento, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 66º, n.º 1, 255º, al. a), 256º, n.º 4, 259º, n.ºs 1 e 3 e 386.º, n.º 1, todos do Código Penal, com referência aos factos descritos nos pontos III, IV, V, XII, XIV e XXI do libelo acusatório.

  1. Requerida pela arguida a instrução, veia a ser proferida decisão instrutória de não pronúncia relativamente aos seis crimes de subtracção de documentos, porquanto entendeu a Exma. juiz revestir o crime em questão natureza semi-pública e, consequentemente, por falta de queixa dos ofendidos – no caso, os particulares - não assistir legitimidade ao Ministério Público para, pelos mesmos, prosseguir a acção penal.

  2. Incorformado com a decisão na parte em que não pronunciou a arguida pela prática de seis crimes de subtracção de documento recorreu o Digno Procurador-Adjunto, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. Na acusação proferida nos autos, para além de outros crimes, imputou-se a prática de 6 crimes de subtracção de documento por se terem colhido indícios suficientes que a arguida, no exercício das suas funções enquanto funcionária do Centro Hospitalar B..., se apoderou de relatórios clínicos elaborados pelos profissionais desta instituição pública a pedido de seis utentes; 2. O Tribunal recorrido, ao não pronunciar a arguida por esses 6 crimes de subtracção de documento por falta de legitimidade processual do Ministério Público por entender terem os mesmos natureza semi-pública nos termos do art.º 259º, n.º 4, do Código Penal, violou o disposto nos art.ºs 113º, n.º 1, e 259º, n.ºs 1 e 4, do Código Penal; 3. Decidiu de forma errada o Tribunal ao considerar que, na situação fáctica indiciada, atendendo ao bem jurídico protegido pela incriminação – o valor probatório do documento -, os únicos portadores dos interesses especialmente protegidos pela norma eram os utentes requerentes dos documentos subtraídos; 4. Com efeito, “ofendido”, por definição legal contida no art.º 113º, n.º 1, do Código Penal, é o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação; 5. O advérbio “especialmente” não é sinónimo de “exclusivamente”, significando “de modo especial”, “particularmente”, podendo, deste modo, coexistir mais de um ofendido com a prática de um crime e, nessa medida, cada um como titular do interesse especialmente protegido; 6. A delimitação do conceito relevante de “ofendido” encontrar-se-á na interpretação do tipo de crime, para determinar caso a caso se há uma pessoa concreta cujos interesses são protegidos com essa incriminação; 7. Na situação em análise, a utilidade probatória dos documentos subtraídos não se esgotava no uso posterior que deles iriam fazer os utentes requerentes; 8. A utilidade e função probatórias dos documentos emitidos revela-se também no interesse do Centro Hospitalar B... dar prova aos utentes requerentes dos factos de que tinha conhecimento pelo exercício da sua actividade, apenas assim podendo satisfazer o pedido que lhe tinha sido dirigido.

  3. A conduta da arguida afectou de forma relevante a função probatória que os documentos tinham para o Centro Hospitalar B..., função essa imbricada no interesse da instituição em dar prova aos utentes prova daqueles factos, para assim satisfazer os pedidos formulados.

  4. Assim, e uma vez que os documentos sonegados pela arguida tinham também uma utilidade e função probatória para o Centro Hospitalar B..., esta instituição, prejudicada pela conduta da arguida, é também portadora do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, motivo pelo qual os crimes de subtracção de documento imputados se revestem de natureza pública, e por eles devendo a arguida ser também pronunciada, pelo que agora se pugna; 11. Assim não se entendendo, considerando que os crimes de subtracção de documento imputados têm natureza semi-pública, impõe-se a pronúncia da arguida por 6 crimes de peculato pp. pelo art.º 375º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

  5. Com efeito, na situação fáctica descrita nos autos, entre os crimes de peculato e de subtracção de documento há uma relação de inclusão material (consunção) já que a apropriação pela arguida dos documentos foi o meio instrumental para a realização do crime – fim, o de subtracção de documento, ficando esgotado o desvalor de todo o acontecimento pela punição deste último crime, o dominante.

  6. Ora, em situação de concurso de normas é aplicável o regime punitivo do crime dominante, salvo se o crime dominante não puder ser punido por razões processuais, como a falta de queixa relativamente ao crime dominante, caso em que deve punir-se pelo crime dominado; 14. Entendendo-se que, por falta de queixa, não pode a arguida ser pronunciada pela prática dos 6 crimes de subtracção de documento, o crime dominante, impõe-se pronunciar a arguida pela prática de 6 crimes de peculato pp. pelo art.º 375º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, o crime dominado, e este de natureza pública, o que subsidiariamente se requer.

  7. Por despacho de 17.06.2014 foi o recurso admitido, fixado o respectivo regime de subida e efeito.

  8. Nenhum dos sujeitos processuais interessados apresentou resposta ao recurso.

  9. Na Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer junto a fls. 1150 a 1151, no qual, perfilhando a posição do recorrente, se pronunciou no sentido de o recurso dever ser julgado procedente.

  10. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não houve reacção.

  11. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

    1. Fundamentação 1. Delimitação do objecto do recurso De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas da respectiva motivação sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

    Na situação em apreço, questiona o recorrente a decisão na parte em que considerou os particulares como os únicos titulares do direito queixa, defendendo, a título subsidiário, para o caso de vir a ser esse o entendimento, a pronúncia da arguida pela prática de seis crimes de peculato, p. e p. pelo artigo 375.º, n.º 1 e 2 do C. Penal.

  12. A decisão recorrida Ficou a constar da decisão instrutória [transcrição parcial]: «Vem a arguida A... requerer a abertura da instrução em virtude de não concordar com a acusação proferida nos autos, pugnando pela sua não pronúncia.

    (…).

    * Vem a arguida acusada por 45 crimes de abuso de poder (…); 1 crime de corrupção passiva (…); 6 crimes de subtracção de documento pp. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 66º, n.º 1, 255º, al. a), 256º, n.º 4, 259º, n.ºs 1 e 3, e 386º, n.º 1, do Código Penal; 1 crime de extorsão (…); 1 crime de concussão (…); 5 crimes de tráfico de influência (…).

    (…) * Quanto à subtracção de documento Nos termos do artigo 259º, n.º 1 do Código Penal “quem, com a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, destruir, danificar, tornar não utilizável, fizer desaparecer, dissimular ou subtrair documento ou notação técnica, de que não pode ou não pode exclusivamente...

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