Acórdão nº 1289/12.8TBACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório A...

, viúva, e B...

, casada, ambas residentes em Alcobaça, intentaram a presente acção declarativa, então sob a forma de processo ordinário (hoje, comum), contra C...

, residente em (...), Alcobaça, pedindo: “ (…) A) que as autoras sejam declaradas legítimas proprietárias dos prédios melhor identificados em 1 e 2 da petição inicial; B) que o réu seja condenado a reconhecer o direito de propriedade dos mesmos imóveis a favor das autoras, abstendo-se de, por qualquer forma, praticar actos ofensivos das mesmas; C) que o réu seja condenado a entregar às autoras os citados imóveis livres de quaisquer pessoas e bens.

D) que os imóveis sejam restituídos às autoras no prazo de 30 dias após o que o réu deverá ser condenado a pagar àquelas a importância de € 50,00 por cada dia de mora, a título de indemnização pela não entrega dos mesmos. (…)” Alegaram, em resumo, que adquiriram, por partilha (por morte da mãe de ambas, D..., ocorrida em 17/02/2008) de 22/09/2009, o prédio urbano identificado no artigo 1.º da petição inicial e os prédios rústicos identificados no artigo 2.º desse articulado; prédios que o R. ocupa e que não entrega às AA. apesar das várias insistências destas para o efeito.

O R. contestou.

Alegou, em síntese: Que ocupa o imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial desde 1982; até 2000 com a 1.ª A., com quem foi casado, e a partir de tal data e até hoje com a filha de ambos, porque D..., mãe das AA., lhes cedeu – primeiro ao R. e à 1.ª A. e após a separação ao R. – o imóvel, para nele habitar, de forma a usá-lo plenamente para que usufruíssem do mesmo durante as suas vidas, sem qualquer contrapartida monetária; motivo porque ocupa tal imóvel há mais de 20 anos, à vista de todos, gratuitamente, na convicção de que tem direito a gozá-lo vitaliciamente.

Que realizou obras no imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial, com o conhecimento e autorização de D..., antes e após o divórcio da 1.ª A.; obras que assumem carácter útil e necessário, que não são separáveis do imóvel e cujo valor ascende a € 33.326,95.

Que, quanto aos rústicos identificados no art. 2.º da p. i., as AA. não estão privadas de os usar.

A final, pugnou pela improcedência da acção e deduziu reconvenção em que – passamos a citar – pediu o seguinte: “ (…) 1) Ser reconhecido que o imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial foi entregue ao réu para usufruir plenamente do mesmo durante a sua vida, por D..., gratuitamente.

2) As AA. ser condenadas a pagar ao R. uma indemnização correspondente ao valor das benfeitorias executadas pelo réu no prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial, no valor total de € 33.326,95, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento, declarando-se procedente o pedido reconvencional.

3) As AA. ser condenadas a reconhecer ao R. o direito de retenção do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial por causa das benfeitorias no imóvel e pela impossibilidade de levantamento das obras de beneficiação que constituem benfeitorias úteis e necessárias, suspendendo-se a obrigação de restituir enquanto não lhe for paga a indemnização, declarando-se procedente o pedido reconvencional.

4) Ser o R. absolvido quanto ao pedido de restituição do imóvel e no pagamento de € 50,00 por cada dia de mora a título de indemnização pela entrega do mesmo.

5) Subsidiariamente, caso o tribunal não entenda como procedentes os anteriores pedidos, deverão as autoras ser condenadas a restituir ao réu a quantia de € 33.326,95 por força da aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento.

6) Subsidiariamente, caso o tribunal não entenda como procedentes os pedidos anteriores, deve ser declarado que o réu adquiriu o usufruto vitalício do imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial, por usucapião.

7) Ser indemnizado pelas benfeitorias realizadas no imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial pela impossibilidade de levantamento das obras de beneficiação e conservação, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento. (…)” As AA. replicaram, mantendo o alegado na p. i., negando a licitude da recusa à restituição por parre do R. e pugnando pela ilegitimidade do crédito por benfeitorias após o divórcio e pela improcedência “grosso modo” do pedido reconvencional (e pedindo a condenação do R. como litigante de má fé).

O R. treplicou, nada acrescentado de novo.

* Foi proferido despacho saneador – em que foi admitida a reconvenção e declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém – identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Após o que, realizada a audiência, a Exma. Juíza proferiu sentença, concluindo a sua decisão do seguinte modo: “ (…) Pelo exposto, decide-se: I) Quanto à acção: - Declarar as autoras legítimas proprietárias dos prédios melhor identificados nos pontos 1 e 2 dos factos provados; - Julgar improcedentes os restantes pedidos formulados pelas autoras, dos mesmos absolvendo o réu.

II) Quanto à reconvenção: - Julgar parcialmente procedente a reconvenção, por parcialmente provada e, em consequência:

  1. Condenam-se as autoras a pagar ao réu, as benfeitorias por este efectuadas no prédio identificado em 1) dos factos provados, na importância de €16.329,48 (dezasseis mil, trezentos e vinte e nove euros e quarenta e oito cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, a contar do trânsito em julgado desta decisão, até efectivo e integral pagamento.

  2. Reconhecer o direito de retenção do réu sobre o prédio urbano identificado no ponto 1) dos factos provados.

  3. Absolver as autoras dos demais pedidos formulados pelo réu.

    III) Quanto ao incidente de litigância de má fé: - Julgar improcedente o incidente de litigância de má fé suscitado pelas autoras, absolvendo o réu do pedido.

    (…) ” Inconformadas com tal decisão, interpuseram as AA. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que revogue o decidido quanto às benfeitorias e ao direito de retenção e que condene o R. na entrega dos prédios.

    Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões: I - Decorre do texto da decisão recorrida e da prova gravada vício de erro notório na apreciação da prova com violação dos n. 2 e 3, do art. 607.º e 640.º, ambos do CPC.

    II - A Mm. Juíza dá como provados factos que consideramos como não provados (nomeadamente os factos assentes nos pontos 9) e 10) dos Factos Provados III - Nenhuma testemunha provou tais factos. Nenhum documento provou esses factos.

    IV - Não ficou provado em sede de audiência que tenha sido o réu a realizar as obras descritas no ponto 9) dos Fados Provados. Pela auscultação das gravações áudio, tanto a companheira - testemunha E... - com a filha do réu F...-, realizaram obras no referido imóvel.

    v - Também não ficou provado em sede de audiência que tenha sido o réu o único a pagar as obras descritas no ponto 9) dos Fados Provados e referido no ponto 10).

    Pela auscultação das gravações áudio, tanto a companheira - testemunha E... -, com a filha do réu - F...-, contribuíram financeiramente para a realização de tais obras no referido imóvel.

    VI - Pelo que se impugna através deste recurso a decisão do tribunal a quo, quando dá como provado que o réu procedeu às obras descritas em 9) dos Factos Provados, bem como o facto 10.

    VII - Não ficou provado sem qualquer margem para dúvidas que tenha sido apenas o réu a realizar as referidas obras e a custeá-las. Estando bem vincada em toda a prova produzida, auscultada através das gravações áudio, que a companheira e a filha do réu não só colaboraram na realização dos trabalhos como no pagamento das despesas.

    VIII - O tribunal a quo também não relevou como factos discutidos e provados em sede de audiência de discussão e julgamento que alteram substancialmente a decisão recorrida. Nomeadamente, os factos referentes à contratação de uma imobiliária, bem como o uso do imóvel referido em 1) pela companheira do réu e pela sua filha, cujos factos alteram substancialmente a decisão recorrida quanto ao "usufruto”, às "benfeitorias” e à "indemnização" reclamada pelo réu.

    IX - A decisão ora recorrida omite a existência de factos que foram provados em audiência e que' não constam nem dos factos provados nem nos factos não provados e que pensamos serem relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.

    X - Razão pela qual se encontram preenchidos os requisitos consignados no n.º 1 e als. a) a c) do n.º. 2 do art. 662° do CPC, determinando-se pela renovação dos meios de prova produzidos em 1.ª Instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade, conforme n.º 3 do mesmo preceito legal.

    XI - Ficou provado (que o réu, juntamente com a sua companheira e com a sua filha gozam durante mais de 20 anos de um bem que não lhes pertence, dele retirando todos os proveitos e impedindo as autoras de exercerem todos os direitos que têm sobre os prédios identificados em 1) e 2) dos Factos Provados.

    XII - Pelo que () réu sempre agiu de má fé relativamente às autoras e praticou actos ilícitos, como ficou provado em sede de julgamento. Pelo que as benfeitorias das quais o réu reclama uma indemnização foram realizadas para seu proveito próprio, bem como do seu agregado familiar, contra a vontade das autoras. Neste sentido, e seguindo o disposto no n.º. 2 do art. 1275.º do Código Civil "O possuidor de má fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias que haja feito". O réu bem sabia que ao realizar as referidas obras iria beneficiar das mesmas para proveito próprio, lesando os direitos das autoras, violando, assim, o disposto no n.º 1 do art. 1260", do Código Civil, numa interpretação a contrario sensu.

    XIII - Decorrente do processo de inventário n.º 1318/04.0TBACB e do "Laudo de Peritagem" realizado cm 22.12.2008, o réu bem sabia que...

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