Acórdão nº 927/03.8TBFND-A.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

J…, por requerimento apresentado na secretaria judicial no dia 23 de Junho de 2003, promoveu, no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Fundão, contra C… e B… acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, para dos últimos haver a quantia de € 40.653,24, e juros de mora vincendos, à taxa legal, contados sobre € 40.000,00.

Fundamentou esta pretensão executiva no facto de ser portador de quatro cheques, cada um no valor de € 10.000,00, emitidos pelos executados, na qualidade de legais representantes da sociedade G…, Lda., que se obrigava com as assinaturas conjuntas de três gerentes, pelo que, tendo os cheques sido emitidos por apenas dois deles, são eles que respondem pelo seu pagamento, e de o executado C…, a favor de quem os cheques foram emitidos, os ter transmitido, apondo-lhes a sua assinatura no verso, a M… que, por seu turno, lhos transmitiu, apondo-lhes a sua assinatura no verso, cheques, que, apesar de terem sido apresentados a pagamento no banco sacado, no prazo de 8 dias a partir das datas da sua emissão, não foram pagos, assumindo expressamente os executados, instados diversas vezes para efectuar o pagamento, não o pretenderem fazer.

Os executados – por articulado que deu entrada na secretaria judicial no dia 23 de Outubro de 2003 – opuseram-se, por embargos, à execução, pedindo, entre outros objectos, que se declarasse a ilegitimidade do segundo para a execução, por não ser ele que figura no título executivo.

Fundamentaram esta pretensão no facto de o executado B… não ter assinado nem rubricado os títulos dados à execução – que foram entregues pelo co-executado C… a M… - pelo que não é parte legítima.

O exequente respondeu que o embargante B… após a sua assinatura nos cheques e que aceitava a confissão dos executados relativa ao facto da entrega dos cheques pelo co-executado C… a M...

No despacho saneador – considerou-se o embargante B… parte legítima, decisão a que não obsta a que a venha a apurar-se que a assinatura constante do verso dos cheques dados à execução não pertence ao embargante, impondo-se, então, uma decisão de mérito, mas julgando-se procedente a excepção peremptória inominada do endosso tardio, determinou-se a extinção da execução.

Todavia, esta Relação, sob recurso do exequente, por acórdão de 8 de Maio de 2007 julgou improcedente tal excepção e ordenou o prosseguimento da instância, acórdão que os executados impugnaram através do recurso ordinário de revista, mas a que o Supremo, por acórdão de 13 de Novembro de 2007, negou provimento.

Seleccionado para a base da prova, designadamente se as assinaturas constantes no rosto dos cheques foram apostas pelo punho do executado B…, o Departamento de Biologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto procedeu à perícia grafológica, tendo concluído, no respectivo relatório, que não é possível formular qualquer conclusão relativamente à verificação da hipótese de a escrita das assinaturas contestadas de B…, aposta nos documentos identificados como C1 a C4 – por comparação com a escrita inquestionavelmente dele - ser ou não do seu punho.

Realizada a audiência de discussão e julgamento – com registo fonográfico dos actos de prova levados a cabo oralmente – a sentença final da causa, proferida no dia 27 de Fevereiro de 2014, julgou não provado aquele enunciado de facto e parcialmente procedente a oposição do executado B…, com a consequente extinção da execução, quanto a este, e improcedente quanto ao mais, mantendo-se a execução quanto aos demais executados.

É esta decisão que o exequente impugna através do recurso ordinário de apelação, tendo encerrado a sua alegação com estas conclusões: … Os apelados concluíram, na resposta ao recurso, pela improcedência dele.

  1. Factos provados.

    … 2.2. A Sra. Juíza de Direito adiantou, para justificar o julgamento referido em 2.1., A2-1., esta motivação: A convicção do tribunal resultou de uma apreciação global da prova, conjugada com as regras da experiência comum.

    A resposta negativa ao art.º 1.º da base instrutória resulta, desde logo, da nossa percepção directa, ainda que obviamente não pericial, em resultado da análise após comparação das assinaturas válidas do embargante B…, no confronto com as dos cheques que constituem título executivo. E ainda por comparação com as que constam dos cheques juntos a fls. 440 e ss. Nestes não só a assinatura deste executado é a que dos seus documentos de identificação, bem como ficha bancária, como ainda, se trata de cheques em que constam 3 assinaturas, como era exigido para obrigar a sociedade.

    A prova pericial não é conclusiva.

    As testemunhas ouvidas, e que emitiram opinião neste sentido, foram, desde logo, e do rol dos embargantes, J…, respondendo após análise da ficha bancária dos embargantes. Sendo-lhe mostrados os cheques juntos com a execução, referem que dos mesmos não consta a assinatura indicada como a do embargante B... Em contrapartida, nos cheques juntos a fls. 440 e ss. constam 3 assinaturas, e as mesmas são semelhantes às feitas na ficha de abertura de conta pelos vários sócios da G...

    … Não logrou convencer, nesta parte, considerando o que já se deixou escrito relativamente à resposta ao art.º 1.º da base instrutória. E ainda porque confrontado com a ficha bancária das assinaturas para abertura de conta dos executados não apresentou justificação plausível. Mais referiu o tipo de acordo que tinha com os embargantes: adiantava o dinheiro dos cheques pré-datados, isto é, antecipava os pagamentos dos clientes dos executados, cobrando determinada taxa de juro. Não pagava qualquer comissão ao executado C… por este lhe arranjar clientes. Os cheques do processo de execução correspondem à quantia total dos cheques já entregues ainda não colocados a pagamento que os embargantes levaram.

    … 3.

    Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação do âmbito objectivo do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito objectivo do recurso pode ser limitado, pelo próprio recorrente, no requerimento de interposição ou, expressa ou tacitamente, nas conclusões da alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do nCPC)[1].

    Os embargos de executado são um processo declarativo instaurado pelo executado contra o exequente, que corre por apenso à execução, constituindo um incidente desta (artº 817 nº 1 do CPC de 1961). Os embargos fundamentam-se num vício que afecta a execução. Se forem julgados procedentes, a acção executiva deve ser julgada extinta, no todo ou em parte (artº 817 nº 4 do CPC de 1961).

    No tocante ao ónus da prova dos fundamentos da oposição valem as regras gerais, cabendo, portanto, ao executado oponente a prova dos fundamentos de oposição invocados, dado que revestem a nítida feição de factos constitutivos da oposição deduzida (artº 342 nº 1 do Código Civil)[2].

    O encargo da prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito cuja satisfação coactiva constitui objecto da execução recai, pois, sobre o executado[3]. Portanto, a oposição não provoca qualquer refracção às regras gerais sobre a distribuição do ónus da prova. Assim, por exemplo, se o opoente impugnar a letra ou a assinatura do documento particular que constitua o título executivo, cabe ao exequente, que o apresentou, a prova da veracidade de uma e de outra (artº 374 nº 2 do Código Civil)[4].

    Maneira que, no caso, dado que o executado B… a quem o exequente atribui a autoria da assinatura manuscrita aposta no rosto dos cheques a negou, é o último que está vulnerado com a prova de que, realmente, o primeiro é autor dessa assinatura, que a subscrição procede, realmente, do seu punho.

    A sentença impugnada foi terminante em declarar não provado que as apontadas assinaturas foram apostas pelo punho do apelado B…, facto que determinou decisão de procedência do embargos e a extinção, quanto àquele executado, da execução.

    Mas isso deve-se, no ver do apelante, ao error in iudicando daquele enunciado de facto em que, por erro na avaliação das provas, incorreu o tribunal de 1ª instância.

    Nestas condições, tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e da alegação de ambas as partes, a questões concreta controversa que importa resolver é a de saber se o Tribunal de que provém o recurso incorreu, no julgamento da questão de facto capital relativa à autoria das assinaturas do executado B…, apostas no rosto dos cheques que servem de título executivo, no local destinado à assinatura do sacador, num error in iudicando, por erro na avaliação ou apreciação das provas e, consequentemente, se reponderado esse julgamento, deve proceder-se à sua modificação, julgando-se provada aquela autoria, com a consequente revogação da decisão impugnada.

    A resolução destes problemas vincula, naturalmente, ao exame, ainda que leve, da finalidade e dos parâmetros da actuação por esta Relação dos poderes de controlo relativamente à decisão da matéria de facto da 1ª instância.

    3.2.

    Impugnação da decisão da matéria de facto controvertida.

    3.2.1.

    Parâmetros dos poderes de controlo desta Relação relativamente à decisão da matéria de facto da 1ª instância.

    O controlo efectuado pela Relação sobre o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal da 1ª instância pode, entre outras finalidades, visar a reponderação da decisão proferida.

    A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar – e, portanto, substituir - a decisão da 1ª instância se os factos tidos como assentes a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (artº 662 nº 1 do nCPC).

    Note-se, porém, que não se trata de julgar ex-novo a matéria de facto - mas de reponderar ou reapreciar o julgamento que dela foi feito na 1ª instância e, portanto, de aferir se aquela instância não cometeu, nessa decisão, um error in iudicando[5] O recurso ordinário de apelação não perde, mesmo...

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