Acórdão nº 3108/06.5TBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório A..., engenheiro, residente na Rua (...), Lisboa, B..., solteira, residente em (...), Chicago, C..., casada no regime da comunhão de adquiridos com CC..., residentes em (...), Noruega, e D...

, solteiro, residente na Rua (...), Lisboa (na qualidade de herdeiros habilitados de E..., residente que foi na Rua (...), Lisboa); F...

e esposa G..., ele Juiz Conselheiro do S.T.J. e ela professora, residentes na Rua (...) Setúbal; H...

e marido I...

, ela analista e ele medico, residentes na Rua (...) Coimbra; e J...

e marido L...

, ela professora e ele médico, residentes na Quinta (...), Cantanhede; intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário (hoje, comum), contra M..., residente na Rua (...), Vila Nova de Gaia, N...

, divorciada, residente em Rua (...), Vila Nova de Gaia, O..., casado no regime de comunhão de adquiridos com Z...

, residente em Rua (...) Vila Nova de Gaia, e P...

, casado no regime da comunhão de adquiridos com Y...

, residente na (...), Vila Nova de Gaia (na qualidade de herdeiros habilitados de Q...

, entretanto falecido, residente que foi na Rua (...), Vila Nova de Gaia, sendo este, por sua vez, na qualidade de herdeiro habilitado da primitiva ré, entretanto falecida, R...

, viúva, doméstica, residente que foi na Rua (...), Vila Nova de Gaia); Pedindo que se: a) Declare que a ré[1] é devedora à herança de W... da quantia de € 14.963,94, referente à compra alegada no art. 27º desta petição, com juros à taxa legal como frutos civis, desde a morte daquele, até ao pagamento, a liquidar oportunamente; b) Condene a ré a pagar tais quantias à herança; c) Declare que a ré é devedora à herança de W... da quantia de € 29.927,87, referente à compra alegada no art. 38º desta petição, com juros à taxa legal como frutos civis, desde a morte daquele, até ao pagamento, a liquidar oportunamente; d) Declare que a ré se apropriou indevidamente da quantia de € 287.477,00, pertencentes à herança de W...; e) Condene a ré a reconhecer que tal quantia é bem da herança referida, a partilhar entre os seus herdeiros, e f) Condena a mesma a restituir à herança a referida quantia, com juros à taxa legal desde a morte do inventariado, até efectiva restituição.

Começaram por alegar que: - No dia 9/8/2000, faleceu na freguesia de Cernache, concelho de Coimbra, o Sr. Juiz Conselheiro Jubilado do S.T.J., Dr. W..., no estado de casado no regime da separação de bens, em segundas núpcias de ambos, com a D. R...; de tal casamento não houve filhos, sendo os seus 4 filhos (do 1.º casamento) e a D. R... os seus únicos herdeiros.

- Tendo sido instaurado o respectivo inventário, onde, a propósito de 3 verbas (direitos de crédito da herança sobre a D. R...) relacionadas pela cabeça de casal, foi decidido, após reclamação da D. R..., remeter os interessados para os meios comuns (determinando-se a eliminação de tais 3 verbas da relação de bens).

O que os AA. fazem com esta acção, alegando que: - Em 06/07/1993, o Sr. Juiz Conselheiro comprou a fracção habitacional em que, por arrendamento, residiam (em Coimbra, na Rua (...)); tendo o preço, de 6.000.000$00, sido integralmente pago pelo Sr. Juiz Conselheiro, não tendo a D. R... contribuído com qualquer quantia para pagamento do mesmo; porém, a fim de lhe assegurar a residência, para a hipótese dele vir a falecer em primeiro lugar (já então tinha cerca de 85 anos) fez com que a D. R... outorgasse a mesma escritura também como compradora (ficando assim comproprietária na proporção de metade da referida fracção, sem nada ter pago); ora, segundo os AA., sob pena de enriquecimento sem causa, a D. R... tem de restituir – não obstante tal fracção ter sido doada por ambos (Juiz Conselheiro e R...) aos aqui AA. – à herança metade do valor pago, ou seja, 3.000.000$00 = € 14.963,94 e juros.

- Posteriormente, em 26/10/1995, o Sr. Juiz Conselheiro comprou uma fracção habitacional em Braga (fracção "B" do prédio urbano sito no n.º 63 da Rua (...), Braga), tendo preço real (não obstante ter sido declarado na escritura preço inferior), de 12.000.000$00, sido também integralmente pago pelo Sr. Juiz Conselheiro, não tendo a D R... contribuído com qualquer quantia para pagamento do mesmo; porém, fez com que a D R... outorgasse a escritura também como compradora (ficando assim comproprietária na proporção de metade também de tal referida fracção, sem nada ter pago); ora, segundo os AA., sob pena de enriquecimento sem causa, a R... tem também de restituir – não obstante tal fracção ter sido doada por ambos (Juiz Conselheiro e R...) a Q..., filho da R... – à herança metade do valor pago, ou seja, 6.000.000$00 = € 29.927,87 e juros.

- Em Setembro de 1996, teve o Sr. Juiz Conselheiro um primeiro A.V.C., que o incapacitou de continuar na administração dos seus bens; momento a partir do qual, dada a sua incapacidade de facto, a D. R... passou a administrar exclusivamente esse património, tendo poderes para movimentar as suas contas bancárias e aplicações financeiras (que, no entanto, eram património exclusivo do mesmo).

- Assim, desde a referida data e até à sua morte, fez levantamentos e transferências para outras contas suas ou de familiares de avultadas importâncias; fez desaparecer elevados montantes, de que se apropriou; resgatou várias aplicações financeiras, fazendo seu o respectivo produto líquido.

- Mais concretamente: Liquidou aplicações financeiras existentes no Montepio geral, constantes da conta nº (...), no total de 6.859.882$50; Resgatou de fundos de investimento no montante de 1.440.000$00.

Resgatou certificados de aforro no IGCP, onde era aforrista nº (...), no montante de 1.381,840$00.

Resgatou um seguro na Companhia de Seguros (...) 4ª série", apólice (...), no montante de 2.056.110$00.

Resgatou depósitos a prazo e outras aplicações existentes na Caixa Geral de Depósitos da conta nº (...), em montante que ronda os 15.000.000$00.

Tudo num total – as quantias de que a ré se apropriou - de 57.223.000$00 = € 287.477,00.

Tendo entretanto falecido a D. R..., os seus herdeiros (os seus netos, uma vez que o seu filho entretanto também faleceu) contestaram, alegando, em resumo, que o Sr. Conselheiro W... e a D. R... sempre viveram em economia comum do vencimento e reforma do Sr. Conselheiro, que sempre manteve a lucidez e inteligência, correspondendo a administração e disposição dos seus bens e rendimentos à vontade de ambos; como foi o caso das aquisições das duas fracções habitacionais (em Coimbra e Braga), que traduziram a vontade efectiva e querida do Sr. Conselheiro W...; e como foi o caso das movimentações bancárias e aplicações financeiras de que o Sr. Conselheiro sempre soube o destino, partilhando e colaborando nas decisões comuns e delas ficando ciente e aprovando-as.

Concluíram pois pela improcedência da acção e pela consequente absolvição do pedido.

Foi proferido despacho saneador – tendo sido declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém – organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa, instruído o processo e realizada a audiência, após o que o Exmo. Juiz proferiu a seguinte sentença: “ (…) julgo a acção parcialmente procedente por provada e em conformidade: a) Declaro que os réus M..., N..., O..., P..., na qualidade de herdeiros habilitados de Q...entretanto falecido e este na qualidade de herdeiro habilitado da ré entretanto falecida R..., são devedores à herança de W... da quantia de € 14.963,94, referente à compra alegada no art. 27º da petição, com juros à taxa legal como frutos civis, desde a morte daquele, até ao pagamento, a liquidar oportunamente b) Condeno os réus a pagar tais quantias à herança c) Declaro que os réus são devedores à herança de W... da quantia de € 19.951,92, referente à compra alegada no art. 38º da petição, com juros à taxa legal como frutos civis, desde a morte daquele, até ao pagamento, a liquidar oportunamente d) Declaro que a ré R... entretanto falecida se apropriou indevidamente da quantia de € 208.421,32, pertencentes à herança de W...

  1. Condeno os réus a reconhecer que tal quantia é bem da herança referida, a partilhar entre os seus herdeiros f) Condeno os mesmos a restituir à herança a referida quantia, com juros à taxa legal desde a morte do inventariado, até efectiva restituição g) No mais absolvo os RR. do pedido (…)” Inconformados com tal decisão, interpuseram os RR. recurso/apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que os absolva da totalidade do pedido.

    Terminam a sua alegação com as seguintes conclusões: 1. A actuação da Ré R..., enquanto cônjuge do Sr. Conselheiro W..., a título algum pode subsumir-se no conceito legal de “enriquecimento sem causa”; 2. Na verdade, tal atuação resultou – e desde sempre – da prática diária do então casal e em consonância com a vontade expressa, real e efetiva do “de cujus”; 3. Assim aconteceu quer na aquisição de imóveis (em compropriedade), quer na criação e abertura de contas solidárias e aplicações financeiras comuns; 4. O frágil estado de saúde do Sr. Conselheiro W..., de natureza meramente física, jamais o impediu de reger a sua pessoa e bens, como nunca lhe retirou a sua capacidade de querer e entender; 5. O Tribunal “a quo” valorou de modo deficiente a prova testemunhal que lhe foi presente, desvalorizando a prova documental e dando aliás como certos determinados factos que apenas poderiam provar-se através de documento; exemplo disso é considerar-se provada a existência de vários AVC, quando tais factos carecem em absoluto de suporte documental, nomeadamente através do historial clínico e hospitalar do Sr. Conselheiro; 6. De igual sorte, na douta sentença recorrida estabelece-se a data de 25/12/1998 como momento do início da incapacidade de facto do Sr. Conselheiro, quando quer em termos médicos quer em termos reais, tal ilação não poderia ser retirada do contexto (conjugação da prova testemunhal com a prova...

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