Acórdão nº 28/13.0GAAGD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No [já extinto] Juízo de Instância Criminal – Águeda, da comarca do Baixo Vouga o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, do arguido A...

, com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material e concurso real, de sete crimes de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 73º e 131º do C. Penal, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, c), com referência aos arts. 2º, nº 1, p) e 3º, nº 4, a), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro (com as alterações da Lei nº 12/2011, de 27 de Abril).

Por acórdão de 11 de Abril de 2014 foi o arguido absolvido da prática de três crimes de homicídio na forma tentada e foi condenado, pela prática de quatro crimes de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, nº 2, 72º, nº 1, 73º, nº 1 a) e b) e 131º do C. Penal, na pena de três anos de prisão por cada um deles, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, c) da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de nove meses de prisão e em cúmulo, na pena única de cinco anos de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, com regime de prova e condicionada à entrega pelo arguido da quantia de € 3.000 aos Bombeiros Voluntários de Águeda, no prazo de um ano. * Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1 – Dos diversos depoimentos prestados em Audiência de Discussão e Julgamento impunham decisão diferente quanto as respostas dadas a matéria de facto.

2 – A prova testemunhal produzida impunha decisão diversa.

3 – Face às regras de experiência comum, não é verosímil que num degrau com uma largura de 1,30 metros de largura se pudessem sentar quatro adultos, porquanto um adulto necessita de compleição física de 0,50 metros para se poder sentar, pelo que, não poderia ser dado como provado que o arguido tivesse praticado quatro crimes de homicídio na forma tentada; 4 – O arguido não teve intenção atentar contra a vida de B ... , C ... , D ... , E ... , F ... , G ... e J ... , porquanto a sua conduta não foi intencional, foi antes acidental, sendo que, 5 – O veículo se terá despistado por via de uma avaria mecânica – correia de acessórios partida – que implicou que o mesmo perdesse a direcção e ficasse sem travões.

6 – Terá ainda de se concluir conduzido pelo arguido, imediatamente antes da colisão teria de circular a uma velocidade inferior a 10 Km/h porquanto as testemunhas foram unânimes em afirmar que só avistaram o veículo acerca de 5,6 metros do local onde se encontravam, o que, 7 – Circulando o veículo a 10 Km/h percorria aqueles 6 metros em cerca de 2 segundos, o que inviabilizava qualquer tentativa por parte das testemunhas se desviarem do mesmo.

8 – Resulta do depoimento das testemunhas, mais concretamente do cruzamento deste que o arguido não empunhou a pistola, 9 – resultando, das regras de experiência, que a tivesse empunhado e se tivesse intenção de atentar contra a vida das testemunhas, não colocaria a pistola no bolso, mormente a testemunha C ... o atirasse contra o chão, o imobilizasse e com a ajuda de J ... lhe retirassem a pistola.

10 – Do exposto relativamente à prova produzida em julgamento, concretamente, à falta dela, somos a concluir que perante tal cenário, isto é, a ausência de provas, forçoso seria absolver o arguido em obediência ao princípio "in dubio pro reo", corolário do princípio da presunção de inocência ex vi Art.º 32.º n.º 2 da C.R.P., sendo certo que o "princípio da livre apreciação da prova" consagrado no Art.º 127.º do C.P.P. está limitado por aquele, por força do disposto no Art.º 112.º da Lei Fundamental.

11 – Quer o principio da presunção de inocência, quer os corolários que dele decorrem, maxime o principio "in dubio pro reo" encontram assento, quer na declaração Universal dos Direitos do Homem de 10-12-1948, quer no pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos de 1976 e, ainda, na Convenção Europeia Dos Direitos do Homem de 1950, sendo que o denominador comum de todos estes instrumentos é o mesmo, seja, qualquer pessoa acusada de uma infracção, presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.

12 – Na decorrência daquele princípio concluir, sem contestação possível, que à sua luz o arguido está isento do ónus de provar a sua inocência, a qual aparece imposta pela lei.

13 – O acórdão recorrido ao fazer depender a suspensão da pena do pagamento por parte do arguido de uma indemnização aos bombeiros impõe aquele um dever cujo cumprimento este não poderá razoavelmente assegurar, pois, 14 – conforme se deu como provado que o arguido aufere uma reforma de 258,00 euros e o seu cônjuge aufere o salário mínimo nacional.

15 – Impõe-se pois que esse Venerando Tribunal reduza a pena a que foi condenado o arguido, assim se dando cabal cumprimento às normas plasmadas nos Art.º 50.º, 70.º e 71.º do C.P. e assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA.

* Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões: 1. O douto acórdão recorrido está bem fundamentado e faz um exaustivo exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal a quo; 2. A pena única fixada ao arguido só poderá ser (eventualmente) censurada por ser demasiado benevolente, atendendo à extrema gravidade da actuação do arguido, ao instrumento utilizado e à forte determinação da sua conduta; 3. Não merece qualquer reparo a suspensão da execução da pena de prisão, nos condicionados termos em que a mesma foi decretada; 4. O recorrente manifesta alguma discordância relativamente à matéria de facto provada, mas não cumpre as prescrições previstas nas alíneas a) e b) do n.º 3 do art.º 412.º do CPP; 5. Da fundamentação da matéria de facto do douto acórdão em recurso não se vislumbra que o tribunal recorrido tenha chegado a qualquer estado de dúvida sobre a prática pelo arguido dos factos dados como provados, mas antes a um estado de certeza, pelo que não faz sentido invocar o princípio in dubio pro reo com vista à absolvição do arguido; e 6. O douto acórdão recorrido deverá ser mantido nos seus precisos termos.

Assim decidindo Vossas Excelências farão, como sempre, JUSTIÇA! * Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, subscrevendo a contramotivação do Ministério Público, afirmando a inexistência de vícios da decisão, o correcto exame crítico das provas produzidas, todas legalmente válidas e por isso, insusceptíveis de causarem dúvida fundamentadora da aplicação do pro reo, e conclui pelo não provimento do recurso.

* Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

* * II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são: - O erro notório na apreciação da prova; - A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto e a violação do princípio in dubio pro reo; - A excessiva medida da pena fixada e a impossibilidade de cumprimento da condição imposta.

* Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta do acórdão recorrido. Assim:

  1. Nele foram considerados provados os seguintes factos: “ (…).

    1. No dia 9 de julho de 2013, cerca das 16 horas, o arguido, A ... , conduzindo o veículo de marca Mercedes, modelo Benz, cor branca, de matrícula HX..., do tipo furgão, provindo da Estrada Nacional n.º 333, mudou de direção, seguindo pela Rua Vila Carioca, no lugar da Cadaveira, em Valongo do Vouga, Águeda.

    1. Esta rua forma uma reta com inclinação ascendente, atento o sentido de marcha do arguido, culminando num largo, onde se encontra, em frente à mesma, uma habitação.

    2. Encostado à parte inferior da soleira da porta de entrada dessa casa, existe um degrau em granito, com cerca de 1,30 m de largura e 70 cm de profundidade.

    3. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, encontravam-se B ... , C ... , D ... , E ... , F ... , G ... e J ... .

    4. Os quatro primeiros estavam sentados no referido degrau.

    5. Os dois seguintes encontravam-se sentados numa tábua, situada a, pelo menos, dois metros desse degrau e à esquerda do mesmo, atento o sentido em que seguia o arguido.

    6. O último estava em pé, do lado direito do dito degrau, atento o mesmo sentido, a cerca de um metro do mesmo e atrás do espigão, em metal, de um reboque de trator, pelo qual aquele se atrela a este.

    7. Ao aperceber-se da presença daquelas pessoas, o arguido decidiu avançar com o veículo na direção das mesmas, com o objetivo de atingir e atentar contra as vidas, pelo menos, dos referidos B ... , C ... , D ... e E ... . 9. Fê-lo, por se aperceber que naquele local se encontrava o referido B ... , com quem, dias antes, se desentendera por questões relacionadas com a disputa de um terreno, bem como familiares do mesmo.

    8. Assim determinado, o arguido prosseguiu a marcha e, ao aproximar-se das pessoas que ali se encontravam, ao mesmo tempo que dizia em voz alta, “ladrões, mato-vos a todos”, foi imprimindo maior velocidade ao veículo.

    9. Ao chegar junto das referidas pessoas, estas, apercebendo-se da intenção do arguido, logo se desviaram do ponto onde se encontravam, para não serem colhidos pela viatura.

    10. O arguido acabou por embater com a parte inferior da frente do veículo automóvel no dito degrau, acionando o airbag daquele.

    11. De imediato...

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