Acórdão nº 59/13.0TAGVA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO A...

, assistente nos autos, veio interpor recurso da decisão proferida pela Mmª Juiz de Instrução de não pronúncia do arguido B...

pela prática de um crime de difamação agravada p. e p. pelos artigos 180º, n.º 1, 183º, n.º 2 e 184º, com referência ao artigo 132º, al. l), todos do Código Penal.

E, da respectiva motivação extraiu as seguintes as conclusões: 1) As expressões transcritas na motivação que antecede e que o arguido escreveu no seu artigo denominado "Carta aberta a um deputado do PSD", publicada na edição de 21 de Maio de 2013 do Jornal (...), são objectivamente insultuosas e susceptíveis de abalar a honra e a consideração pessoal, política e familiar do assistente.

2) Um "leitor médio", ao ser confrontado com tais expressões, retira claramente do seu conteúdo um significado de apoucamento, de rebaixamento, de ataque gratuito e de menorização do bom nome e da reputação pessoal, social e política do assistente.

3) A tutela civil e criminal do direito à honra, ao bom nome e consideração é assegurada pelos artigos 70º do Cód. Civil, 182º do Cód. Penal, e pelo art. 26º da CRP impõe um dever geral de respeito e de abstenção a ofensas ou ameaças de ofensas à honra de cada pessoa.

4) Esse direito à honra do assistente foi flagrante e agressivamente afectado pelo escrito do arguido, certeza que se apura ainda mais pelo facto deste não ter feito qualquer alusão ao tema - declínio demográfico - focado no artigo do assistente, de ter exibido divergências e ressabiamentos politico partidários para com o assistente (ao escrever que na época de colheita eleitoral o PSD pode contar com ele para a "poda"), de não ter mostrado o menor arrependimento ou retaliação no seu requerimento de abertura de instrução, de ter mandado publicar o seu texto somente quatro meses depois do do assistente (amadurecendo e descontextualizando a sua reacção), de ter escolhido cirurgicamente o jornal da terra do assistente (assim dando mais impacto e maior grau à sua ofensa) e de ter denominado tal escrito como "carta aberta" (assim lhe conferindo maior publicidade e dimensão claramente bombástica).

5) O escrito do arguido extravasou largamente o seu direito à livre crítica, ainda que mordaz, feroz, contundente ou combativa e vilipendiou de forma muito directa e manifesta os direitos de personalidade do assistente, que pelo facto de exercer funções políticas num órgão de soberania (deputado na Assembleia da República), não deve ser apoucado e, ao invés, até goza de uma protecção legal reforçada, como prova a agravante dos art.ºs 183º e 184º e 132º, n.º 2 al. l) do C. Penal.

6) Não foi, todavia, nessa qualidade de deputado que escreveu o seu artigo no jornal "i", mas apenas enquanto cidadão preocupado com as questões de demografia e do envelhecimento populacional.

7) Assim, não faz nenhum sentido que a decisão instrutória enquadre a reacção do arguido no debate e no confronto político, assim procurando justificar o “grano salis” com que o público em geral olha e interpreta o léxico político.

8) Seja como for, mesmo no âmbito de discussão política, os termos e expressões usados pelo arguido, que aqui se reproduzem, são susceptíveis de atingir, como atingiram, e com um grau muito intenso e elevado, a honorabilidade pessoal do assistente.

9) A decisão recorrida, ao qualificar a linguagem utilizada pelo arguido na sua "carta aberta" como colorida, apelativa e apenas de gosto e educação eventualmente duvidosa, faz tábua rasa do princípio constitucional ao bom nome (art. 26º da C.R.P.) e expressa uma visão muito deformada do direito à liberdade de expressão numa democracia liberta e plural, em que a honra e o respeito pelos concidadãos jamais soçobram perante o direito à critica e de expressão de cada um.

10) A decisão recorrida terá, pois, de ser revogada, por ter violado o art. 70º do C. Civil, 180º e 182º n.º 1 do C. Penal e 26º da C.R.P., que interpretou com um grau de exigência zero para políticos, se bem que o assistente tivesse agido sempre como cidadão e como pessoa e não como político (ainda que o arguido o tenha atacado como pessoa e como político).

Assim, será feita a habitual JUSTIÇA, sujeitando-se o arguido a julgamento.

* O arguido respondeu, defendendo que deve ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida, por considerar que: - As expressões utilizadas pelo recorrido para manifestar a sua opinião sobre o artigo publicado pelo assistente, sendo contundentes, ácidas agressivas e até acintosas, não são, atenta a sua contextualização, atentatórias da sua honra e consideração, não têm outro conteúdo e sentido que não seja o de criticar a opinião exposta por este num jornal de tiragem nacional.

- O denominado "leitor médio" não fica com a impressão de que existe um ataque pessoal ao assistente, mas antes, uma crítica à posição deste relativamente aos reformados, o que se constata pela ironia com que termina o seu texto, desejando que o assistente não chegue a ser contaminado pelo vírus da peste grisalha.

- Não foi por qualquer motivo político partidário que o recorrente escreveu o seu texto, mais, até é simpatizante e muitas vezes eleitor do partido ao qual pertence o assistente, o "leitor médio" de Gouveia seguramente apercebeu-se do facto, pois sendo um meio pequeno, nunca ouviu falar do arguido, nem que este esteja envolvido na disputa partidária de Gouveia.

- Sendo uma crítica feroz à opinião exibida pelo recorrente, utilizando por vezes vocábulos que roçam o acintoso, não constituem um atentado à honra e dignidade do assistente, antes são o livre exercício do direito de cidadania no contexto do debate público e quotidiano democrático, relativo a pessoas que devido aos cargos públicos que ocupam, transportam consigo uma maior visibilidade pelos combates que travam no espaço público.

- Não foi em consequência, violado o bom-nome, a honra e a consideração do recorrente; tendo apenas exercido o seu direito de resposta à posição política do assistente no contexto do debate público, não pode o previsto legal no art. 180° n.º 1, 183.° n.º 2, 184.° e 132.° n.º 2, al. l), todos do Código Penal, de que vinha acusado o arguido, servirem de um hodierno "lápis azul" à discussão pública, sobretudo quando um dos intervenientes é detentor de um cargo público num órgão de soberania.

A Magistrada do Ministério Público junto do tribunal a quo defendeu a procedência do recurso, tendo rematado a sua resposta nos seguintes termos: 1. As expressões que o arguido escreveu no artigo denominado "Carta aberta a um deputado do PSD" publicada na edição de 21.05.2013 do Jornal de (...), são ofensivas da honra e da consideração social do assistente.

  1. Não satisfaz qualquer interesse informativo relevante, nem do exercício de funções do assistente.

  2. Pois que e ainda que tal texto se enquadre no debate e confronto político, as expressões são susceptíveis de atingir a honorabilidade pessoal do assistente.

  3. Mesmo que a insinuação se cubra de ironia isso não a toma imune ao preenchimento do tipo legal do crime.

  4. Um leitor médio, ao ler tal publicação/texto, retira claramente o seu conteúdo 6. A captação do significado e do sentido prático da linguagem falada no domínio do direito e das situações da vida real sujeitas ao escrutínio do direito penal, não se compadece com construções desencarnadas do sentido prático e comum; 7. Dentro do contexto de utilização de tal linguagem, com os significados e o valor descritivo e valorativo que as palavras têm dentro de tal uso corrente e do respectivo contexto.

  5. O arguido, ainda com o seu direito de liberdade de expressão, e direito à livre crítica, tem os seus limites.

  6. O arguido menosprezou os direitos de personalidade do assistente (honorabilidade pessoal do assistente), não sendo no seu contexto, ainda que considerado confronto político, justificação.

  7. O arguido praticou o crime de difamação, através da comunicação social, não sendo necessários especificar quais as afirmações, as expressões ou os impropérios neles vertidos que consubstanciam ofensa à honra ou consideração da assistente.

  8. O texto publicado, deve ser lido como um todo, até porque o carácter difamatório ou não de um texto é influenciado pelas circunstâncias de tempo e lugar em que o mesmo é escrito e pelas particularidades das pessoas em causa.

  9. Retirando muitas vezes partes do texto, "despe-se" o seu contexto, dando azo até a que determinada expressão dentro do contexto não seja ofensa e vice-versa, apurando-se a eventual justificação.

  10. No contexto global em que foram utilizadas, revestem cariz difamatório, são objectivamente ofensivas, o que se repercute ao nível do elemento subjectivo.

  11. O arguido sabia do carácter ofensivo das expressões que usou, estão perfectibilizados todos os elementos constitutivos do crime por que foi acusado.

  12. Nestes termos entendemos que há fundamento para revogar a decisão proferida e recorrida, devendo ser substituída por despacho de pronúncia do arguido.

    Nesta instância também o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, por concluir que existem indícios suficientes da prática do crime de difamação agravada, sendo mais provável a condenação que a absolvição do arguido em julgamento, porquanto: “Nesse artigo, da autoria do arguido, são utilizadas expressões que ultrapassam claramente a aceitável retórica de divergência de ideias ou de luta política, entrando na ofensa pessoal e familiar completamente desnecessária e desproporcional à exposição de ideias divergentes sobre o tema, que por isso não pode deixar de ser censurado como ilícito penal contra a honra do visado.

    Na verdade o arguido utiliza expressões que, de forma gratuita, intitula e classifica o assistente de imbecil e parvo, de pouca educação e civismo, com um oco canudo, "grande" e falhado "artista", e levantando a suspeita que conheça aqueles que deram origem à sua existência, que numa resposta...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT