Acórdão nº 127/14.1TBSCD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução19 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: Relatório.

F... interpôs recurso ordinário de apelação da sentença da Sra. Juíza de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de Santa Comba Dão – actualmente reconformado em Secção de Competência Genérica da Instância Local de Santa Comba Dão da Comarca de Viseu - que, julgando parcialmente procedente a acção de declarativa de condenação, com processo comum, sumário pelo valor, que intentou contra Z..., SA, condenou esta a pagar-lhe a quantia de € 13. 325,00.

O recorrente rematou a sua alegação com estas conclusões: ...

Na resposta, a apelada concluiu, naturalmente, pela improcedência do recurso.

Factos provados.

...

  1. Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada, mesmo que só tacitamente, no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3, do nCPC).

    O recorrente cumulou, na petição inicial, dois pedidos: o de pagamento da quantia de € 17.000,00, a título de reparação pela perda total do veículo; o de pagamento o prejuízo inerente à imobilização do veículo automóvel ...-DC, desde a data do sinistro até à data em que, efectivamente, forem reparados os prejuízos.

    No caso, a sentença impugnada desamparou, in totum, este último pedido, tendo adiantado, para justificar essa decisão de improcedência, este argumento: o contrato não prevê a indemnização da privação do uso do veículo segurado (não figurando na apólice qualquer menção a essa cobertura nem remissão para a condição especial nº 009 da responsabilidade civil facultativa - onde se prevê essa matéria).

    E é a esta decisão de improcedência – e só a esta - que o recorrente se mostra hostil.

    Maneira que, face à vinculação temática desta Relação ao conteúdo da decisão impugnada e da alegação do recorrente, a única questão que importa resolver é a de saber se a apelada está ou não adstrita ao dever de reparar o dano da privação do uso do veículo automóvel, comprovadamente suportado pelo autor.

    A resolução deste problema vincula, naturalmente, ao exame do conteúdo contrato de seguro e dos pressupostos do dever de reparação do dano da privação do uso da coisa segura.

    Se há realidade que se tem por indiscutível é a de que entre o recorrente e a apelada foi concluído um contrato, típico e nominado, de seguro. Importa, contudo, determinar o regime jurídico que lhe é aplicável.

    No dia 1 de Janeiro de 2009 entrou em vigor o Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, rectificado pelas Declarações de Rectificação nºs 32-A/2008, de 13 de Junho e 39/2008, de 23 de Julho, que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro (artºs 1 e 7 daquele diploma legal). O mesmo diploma revogou expressamente, entre outras normas, as constantes dos artºs 425 a 462 do Código Comercial, aprovado por Carta de Lei de 28 de Junho de 1888 e dos artºs 1 a 5 e 8 a 25 do Decreto-Lei nº 176/95, de 26 de Julho (artº 6).

    No caso, em face da apólice é patente que o contrato de seguro que vincula o apelante a apelada foi concluído em 8 de Maio de 2012, portanto, no domínio da LCS. O regime jurídico contido neste diploma é, por isso, indubitavelmente, aplicável àquele contrato.

    3.2.

    Conteúdo contrato de seguro e pressupostos do dever de reparação do dano da privação do uso.

    Diz-se contrato de seguro o contrato pelo qual uma pessoa transfere para outra o risco de verificação de um dano, na esfera própria ou alheia, mediante o pagamento de uma remuneração. A pessoa que transfere o risco diz-se tomador ou subscritor do seguro, a que assume esse risco e percebe a remuneração – prémio – diz-se segurador; o dano eventual é o sinistro; a pessoa cuja esfera jurídica é protegida é o segurado – que pode ou não coincidir com o tomador do seguro (artºs 1, 16 nº 1 e 24 nº 1 da LCS).

    Enquanto o segurador e o tomador do seguro assumem, por definição, a posição de partes num contrato de seguro, outras pessoas podem ocupar a posição de parte ou de terceiro nesse mesmo contrato. Entre estas avulta, evidentemente, a figura do segurado – o sujeito que se situa dentro da esfera de protecção directa e não meramente reflexa do seguro, de quem pode afirmar-se que está coberto pelo seguro. O segurado é, portanto, aquele por conta de quem o tomador celebra o seguro. Nos casos subjectivamente mais simples, o segurado será o próprio tomador do seguro, o tomador-segurado; nos demais casos, estar-se-á face a um ou mais terceiros-segurados. Numa palavra: o segurado não é, necessariamente, quem contrata o seguro, mas sim quem por ele fica coberto.

    O risco é, evidentemente, o elemento nuclear do seguro: não há seguro sem risco. O sinistro, por seu lado, corresponde à verificação, no todo ou em parte, dos factos compreendidos no risco assumido pelo segurador. O universo de factos possíveis, previstos no contrato de seguro, cuja verificação determinará a realização da prestação por parte do segurador, representa a cobertura-objecto do contrato; o estado de vinculação do segurador, durante o período convencionado no contrato, conducente à constituição de uma obrigação da prestar, em caso de ocorrência daqueles factos, representa a cobertura-garantia.

    A delimitação daquele universo de factos – que compõem a cobertura-objecto – é feita, em regra, segundo a técnica da definição primária da chamada cobertura de base e da subsequente descrição de sucessivos níveis de exclusões. No caso por exemplo, dos seguros de responsabilidade civil, pode delimitar-se o âmbito de cobertura a partir de uma pessoa – v.g., responsabilidade civil geral – de uma coisa – v.g., uma automóvel. Mas essa delimitação pode não se ficar por aí: após a fixação da pessoa ou da coisa que servirá de ponto de referência ao seguro, bem como os interesses que se cobrem, podem seguir-se outros níveis, sucessivamente mais precisos, de delimitação. Assim pode, por exemplo, descrever-se as circunstâncias em que poderá ocorrer o dano, v.g., a actividade profissional desenvolvida pelo segurado.

    Estas exclusões não são, em princípio, cláusulas de exclusão da responsabilidade – mas regras que definem o âmbito de cobertura do seguro. Essa delimitação pode ser feira positiva e negativamente, e dentro da delimitação negativa, através de exclusões objectivas – v.g., guerra – ou subjectivas, como por exemplo, o sinistro deliberadamente provocado. O que não é lícito é, através das exclusões, desvirtuar o objecto do contrato, i.e., modificar a natureza dos riscos cobertos tendo em conta o tipo de contrato de seguro celebrado[1].

    O Código Comercial falava em seguros contra riscos. Mas esta expressão devia ser entendida no sentido actual de danos: seguros contra danos. Em sentido amplo e próprio, o risco assumido, pelo contrato de seguro, pelo segurador, é o de qualquer evento futuro, aleatório na sua verificação ou no momento da sua verificação e que obrigue aquele a satisfazer determinada prestação. Verificado o sinistro, o segurador deve pagar ao segurado o capital seguro, até ao limite do dano, ou para usar a linguagem...

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