Acórdão nº 859/14.4T8CTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelRAMALHO PINTO
Data da Resolução07 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: O Ministério público veio instaurar, na Comarca de Castelo Branco – Inst. Central – 1ª Secção do Trabalho, a presente acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 26º, nº 1, al i), e 186º-K, nº 1, do Código de Processo de Trabalho, ambos com as alterações introduzidas pela Lei nº 63/2013, de 27 de Agosto, contra A..., S.A., pedindo que seja reconhecida e declarada a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e a trabalhadora B... , fixando-se a data do seu início em 13 de Setembro de 2010.

Alegou, para tanto e síntese, que a referida B... sempre trabalhou de forma subordinada para a Ré, pelo que estamos na presença de um contrato de trabalho.

Contestou a Ré, dizendo que o vínculo com a alegada trabalhadora se reconduz a um contrato de agencia.

Em sede de julgamento, realizou-se a audiência de partes, tendo a B... declarado que pretendia desistir do pedido, “uma vez que celebrou recentemente com a Ré um novo contrato de agência”.

A Ré declarou aceitar essa desistência. Tendo a Srª Juíza proferido o seguinte despacho: “Encontra-se submetida à apreciação do Tribunal a questão de saber se no âmbito de uma acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é ou não admissível a homologação de acordo ou desistência do pedido alcançado entre a prestadora da actividade e a Ré.

A este respeito tem-se dividido a jurisprudência nacional, havendo quem defenda que o contrato de trabalho é um contrato de direito privado, sendo por isso disponível o direito dos respectivos outorgantes a verem jurisdicionalmente definida a respectiva qualificação jurídica, nada obstando a que se homologue uma eventual desistência e se extinga o direito que se pretendia fazer valer, havendo também, porém, quem entenda que o interesse público no combate aos falsos recibos verdes que preside à acção especial de reconhecimento de existência de contrato de trabalho, implica a falta de legitimidade do trabalhador para desistir do pedido formulado na acção proposta pelo MºPº ou para acordar com o empregador que a relação contratual em causa não é de natureza laboral.

A favor da primeira tese pronunciaram-se os acórdãos da Relação de Lisboa de 24/9/2014, um relatado pelo Exmº Juiz Desembargador Sérgio Almeida e outro relatado pela Exmª Juíza Desembargadora Maria João Romba, ambos disponíveis em www.dgis.pt. Já a favor da segunda tese decidiram os acórdãos da Relação do Porto de 17/12/2014, também disponíveis em www.dgis.pt, um relatado pelo Exmº Juiz Desembargador António Ramos e outro relatado pelo Exmº Juiz Desembargador Eduardo Petersen Silva.

Tomando posição em tal querela, e adiantando desde já conclusões, entendo que tendo a prestadora da actividade manifestado vontade de desistir do pedido e não havendo razões para por em causa que tal declaração seja consciente e livre, nada obsta que se homologue a desistência e que se julgue extinto o direito que se pretendia fazer valer.

Na verdade, e como se refere no sobredito acórdão da Relação de Lisboa de 24/9/2014 relatado pela Exmª Juíza Desembargadora Maria João Romba, “apesar de a lei determinar que o Ministério Público intente tal acção, quando lhe forem participados os factos pertinentes para o efeito, sendo, como é, indiscutivelmente, o contrato de trabalho um contrato de direito de privado, cremos não poder negar-se aos outorgantes do contrato cuja qualificação jurídica é suscitada em tribunal pelo M.P., o direito de ver, ou não, essa questão jurisdicionalmente decidida. É, aliás, a lei que, ao estabelecer no art. 186º-O do CPT[3] que “se o empregador e o trabalhador estiverem presentes ou representados, o juiz realiza a audiência de partes, procurando conciliá-los”, deixa claro que o direito em causa – de ver jurisdicionalmente definida a qualificação jurídica do contrato – é disponível, pois, de outro modo, não se compreenderia a previsão legal de tal tentativa de conciliação, sendo certo que o que está em causa na acção é apenas e só o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho. Não faria sentido, salvo o devido respeito, prever a realização de uma tentativa de conciliação se a única conciliação possível passasse apenas pela confissão, por parte do empregador, da pretensão formulada nos autos, como vem sustentar o recorrente. A tentativa de conciliação visa, em princípio, alcançar uma transacção, através de cedências recíprocas.

Embora, no caso, a “trabalhadora” não tivesse aderido aos factos apresentados pelo M.P., nem apresentado articulado próprio ou constituído mandatário, como lhe era facultado pelo nº 4 do art. 186º-L, a partir do momento em que foi ouvida em audiência de partes, conforme previsto no nº 1 do art. 186º-O, assumiu, inequivocamente a posição de parte na acção, mais precisamente de autora, uma vez que é titular da relação material controvertida, tendo por isso interesse directo na demanda, que se exprime pela utilidade que para si derivaria da procedência da acção. Em suma, tem legitimidade activa (cfr. art. 30º do CPC).

A própria previsão legal desta diligência – audiência de partes com “empregador” e “trabalhador” - revela que o legislador equaciona a acção em causa como visando resolver a dúvida que se suscita quanto àquela concreta relação, considerando o “trabalhador” como parte, ainda que o mesmo não tenha até então aderido aos factos apresentados pelo M.P. ou sequer apresentado articulado próprio.

Assim sendo e tratando-se, como vimos, de um direito disponível, podia a “trabalhadora” desistir do pedido conforme previsto no art. 283º do CPC.” Aqui chegados...

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