Acórdão nº 299/14.5TAFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Maio de 2015
Magistrado Responsável | MARIA JOS |
Data da Resolução | 06 de Maio de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. Nos autos de contraordenação n.º 223/2012 a Agência Portuguesa do Ambiente proferiu decisão contra a arguida “A...
, Lda.”, condenando-a pela prática, a título de negligência, da contraordenação ambiental muito grave, prevista e punida no artigo 81.º, n.º 3, alínea o) e n.º 4, do D.L. n.º 226 – A/2007, de 31 de Maio, conjugado com o artigo 22º, n.º 4, alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto na redação da Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto e Declaração de Retificação nº 70/2009, de 1 de Outubro na coima de € 38.500 (trinta e oito mil e quinhentos euros).
-
Inconformada, a arguida impugnou judicialmente a decisão.
-
Recebido o recurso, que correu termos na Comarca de Coimbra, Figueira da Foz – Inst. Local – Secção Criminal – J1, sob o n.º 299/14.5TAFIG, realizada a audiência de discussão e julgamento - no decurso da qual, por despacho exarado em ata foi comunicada «a alteração não substancial dos factos constantes da acusação por forma a melhor materializar a conduta que se acha a ser assacada à arguida» e, bem assim, «… de forma equivalente, uma alteração da qualificação jurídica por forma a assacar a prática da infração posta em relevo em termos dolosos com a consequente mobilização da moldura contraordenacional de € 200.000 a € 2.500000, moldura que poderá ser ademais mobilizada nos presentes autos atenta a supressão do princípio da proibição da reformatio in pejus prevista no art. 75º da Lei-quadro das Contraordenações Ambientais» (destaques nossos) - por sentença depositada em 08.01.2015, foi proferida a seguinte decisão [transcrição parcial]: «Face a todo o exposto, o Tribunal julga o recurso interposto pela arguida A..., LDA, como totalmente improcedente. Além do mais, atento o disposto no artigo 74º da Lei – Quadro das Contraordenações Ambientais e a concreta atuação dolosa concretizada pela arguida A..., LDA., condeno a mesma, pela prática da contraordenação prevista no artigo 81º, n.º 3, alínea o) do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, e punida no artigo 22º, n.º 4, alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 21 de Agosto, numa coima no valor de € 200.000,00.
-
Não conformada com o assim decidido recorre a arguida, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: 1. Violação do artigo 41 do RGCO – DL 433/82. Como já era acentuado no preâmbulo do DL 244/95 de 14/9 “… o ilícito de mera ordenação social tem vindo a assumir uma importância antes dificilmente imaginável” a) “Compreensivelmente não pode o direito de mera ordenação social continuar a ser olhado como um direito de bagatelas penais”.
b) O artigo 32 do DL 433/82 estabelece que em termos substantivos, é subsidiariamente aplicável o Código Penal, o artigo 41 do mesmo diploma estabelece que em termos adjetivos ou processuais é aplicável como direito subsidiário o CPP.
c) Diz o referido artigo 41 nº 1 “Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal” (sublinhado nosso).
d) A douta sentença recorrida como se demonstrará fez, salvo o devido respeito, tábua rasa, deste preceito, violando-o, com o que postergou princípios fundamentais em matéria de direito adjetivo.
-
A alteração substancial da factualidade constante da “acusação”, efetuado pelo meritíssimo juiz “a quo”, já após as alegações finais, consubstancia uma alteração substancial dos factos descritos na acusação.
-
Consta do texto da douta sentença recorrida que “o recurso de contraordenação, não conhece a figura da alteração substancial dos factos” afirmação que não encontra qualquer apoio no RGCO (DL 433/82).
b) Não existe no DL 433/82 qualquer disposição que indicie sequer a legitimidade de tal conclusão, (que o processo contraordenacional não conhece a figura da alteração substancial dos factos), o mesmo sucedendo com a LQCA e com o DL 226-A/2007, pelo que se cai na alçada do artigo 41 do RGCO, para o qual remete o artigo 2º da LQCO e ainda o artigo 13 do DL 17/91 “ex vi” do artigo 66º do RGCO, tudo a reclamar a aplicação subsidiária do CPP.
c) O tribunal alterou matéria de facto, de tal forma que criou um quadro factual novo que desencadeia a imputação a título de dolo, em substituição da anterior imputação negligente, com consequente agravamento da moldura da coima aplicável, abstratamente até 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros), de tal modo que o limite mínimo da nova moldura aplicável passou a ser superior ao anterior limite máximo ...! d) O artigo 1 do CPP, inequivocamente aplicável em consequência do disposto no artigo 41 do DL 433/82, define como Alteração Substancial dos Factos, “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso, ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.” e) Estamos pois perante uma alteração substancial dos factos, que criou um quadro factual novo, sendo que a douta sentença recorrida violou o artigo 359 n.º 1 do CPP e consequentemente incorreu em nulidade prevista no artigo 379 n.º 1 alínea b) do mesmo diploma legal.
f) A douta sentença recorrida é ainda violadora do princípio da acusação e do direito de defesa do arguido, ambos com dignidade constitucional – artigo 32, nºs 5 e 1 -, impondo o primeiro uma clara separação entre quem acusa e quem julga, pois de outro modo, e entendendo-se que ao Juiz é lícito proceder a uma alteração substancial dos factos constantes da acusação, tal significaria uma concentração, na mesma pessoa, das funções de investigação, acusação e julgamento.
-
-
Violação do Princípio da imediação. Artigo 355 CPP. Entende o meritíssimo juiz “a quo” que em matéria de contraordenações não vigora o princípio da imediação, pelo que o Tribunal formou a sua convicção citando a própria sentença recorrida “… por reporte à prova produzida em sede administrativa e em audiência de discussão e julgamento.” a) Não existe no RGCO qualquer disposição que especificamente discipline, esta matéria, pelo que por remissão do artigo 41 desse diploma se aplica o artigo 355 do CPP, que expressamente refere: “Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência” b) Concretamente resulta do próprio texto da decisão recorrida que o Tribunal se “acha capacitado para adquirir e valorar … tal inquirição”, referindo-se a um depoimento prestado por uma testemunha, não ajuramentada, perante a autoridade administrativa, em detrimento do depoimento prestado por essa mesma testemunha em audiência de julgamento, o que constitui nulidade que expressamente se argui.
-
Erro notório na apreciação da prova e contradição insanável da fundamentação, artigo 410 nº 2 alíneas b) e c) do CPP na medida em que a prova foi obtida contra critérios legalmente fixados, como tudo resulta do texto da própria decisão – A/C TRC 64/08.9GAPNC.C1 “Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova, contra as regras da experiência comum, ou contra critérios legalmente fixados …” a) Com influência decisiva na sorte da decisão como o próprio meritíssimo juiz “a quo” reconhece ao escrever que “Temos pois que a achar-se verdadeiro o explicitado por D..., quedaria paralelamente indiciada a veracidade da narração materializada por E... …” b) Também custa a aceitar, por ser, de todo, contrário às regras da experiência e do senso comum, que alguém recuse, pura e simplesmente, a entrada nas instalações, pelo telefone, sabendo ou se soubesse que incorria em sanção com moldura penal máxima em matéria ambiental, como não se percebe e é também contrário às regras da experiência e do senso comum, que os Senhores fiscais tomassem essa recusa, por inultrapassável e de tal modo definitiva que não mais voltaram.
c) Por outro lado São factos provados: · Os funcionários mencionados na alínea d) dos factos provados eram de nacionalidade romena, não ostentando conhecimentos técnicos quanto ao funcionamento da exploração – al) g) dos factos provados · Tendo recebido dos legais representantes da arguida A..., ademais, instruções para não deixar entrar terceiros nas instalações sem aqueles ou a pessoa responsável se encontrarem presentes – al) h) dos factos provados.
· Ora esta factualidade é contraditória com a vertida em f) e i) e j) dos factos provados.
· Isto porque tendo-se dado como provado que as instruções dadas pelos legais representantes da arguida aos seus funcionários da instalação (tratadores de animais) eram para não deixarem entrar sem que a gerência ou a pessoa responsável estivessem presentes, mal se percebe que se dê como provada obstrução ou recusa de entrada.
· É que são coisas diferentes. Uma coisa é obstruir, recusar, com a intenção de se impedir a inspeção, outra coisa é o direito de estar presente diretamente ou por intermédio de um responsável da empresa.
-
Insuficiência da matéria de facto para a decisão – artigo 410 nº 2 alínea a) a) Basta-se a douta sentença recorrida, para efeito de considerar preenchido o tipo legal de ilícito em causa, com a existência de um telefonema alegadamente a recusar a entrada aos Senhores inspetores, sendo que os factos elencados na fundamentação deste recurso são essenciais à boa decisão da causa.
b) Sendo muito pouco credível que alguém, por telefone proíba pura e simplesmente a entrada à inspeção, sem que haja uma explicação, um contexto, ainda para mais sabendo que a sua conduta era punida por lei (ainda para mais com uma moldura máxima em matéria ambiental, como é incompreensível a alegada atitude dos inspetores de considerarem tal recusa efetiva, inultrapassável e definitiva, a ponto de não mais voltarem. Importa apurar.
c) Não colhendo a explicação constante da douta sentença recorrida segundo a qual, a “…vontade … da arguida … se mostrava efetivamente indispensável … É que tratamos de espaço particular” ou que a lei não facultava aos Senhores...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO