Acórdão nº 162/12.4TBMDA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Dezembro de 2015
Magistrado Responsável | BARATEIRO MARTINS |
Data da Resolução | 16 de Dezembro de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório A...
, residente na rua (...) , em Ílhavo, intentou a presente acção declarativa de condenação (hoje, com a forma comum) contra B...
, construtor civil, residente na rua (...) , Meda, pedindo que este seja “condenado a proceder, no prazo de 2 meses, à eliminação de todos os defeitos alegados (no art.22.º da PI) e a indemnizar a autora pelo prejuízo sofrido, a liquidar ulteriormente”.
Alegou, em resumo, que celebrou com o R., em 26/01/2007, um contrato de empreitada, de acordo com o qual este se obrigou a construir uma moradia para a A. (pelo preço de € 70.000,00, montante a que, durante a execução da obra/empreitada, foram operados descontos de € 7.500,00 por trabalhos não efectuados e por que acabou por pagar, incluindo o custo dos trabalhos extra e os € 2.500,00 entregues ao engenheiro que elaborou o projecto, € 70.800,00), obra que o R. executou (entre Setembro de 2007 e o Carnaval de 2010) e de que a A. pagou o preço; sucedendo que, a partir de Abril de 2012, a A. “deu conta de fissuras, humidade e manchas de humidade nas paredes da habitação”, situação que comunicou ao R. verbalmente e por carta datada de 3 de Agosto de 2012, comprometendo-se este a efectuar a reparação de tais deficiências, o que ainda não aconteceu, motivo por que a moradia não pode ser utilizada, sofrendo a A. prejuízos que por ora se vê impossibilitada de quantificar.
O R. contestou, confirmando o contrato de empreitada, mas negando qualquer abatimento ao preço de € 70.000,00 (disse que, na fase negocial, propôs o preço de € 75.000,00, acabando por, no fecho do negócio, ser acordada a não instalação de aquecimento central e o desconto de € 5.000,00), preço a que acresce o valor devido de IVA.; e acrescentando que a A. apenas liquidou “a quantia de € 52.500,00, encontrando-se por liquidar a quantia de € 17.500,00 acrescida do IVA à taxa legal de 23%, o que perfaz o montante de € 16.100,00”[1].
Ademais, impugnou os prejuízos e defeitos invocados pela A.; e, a título reconvencional, pediu o pagamento da quantia de € 33.600,00 (€17.500,00 + € 16.100 de IVA) e juros à taxa legal, desde a notificação da reconvenção até integral e efectivo pagamento.
Terminou pois pedindo a total improcedência da acção e a condenação da A. no pedido reconvencional formulado.
A A. respondeu, mantendo o alegado quanto ao preço (explicando as alterações ao mesmo ocorridas, durante a execução da obra), quanto ao seu integral pagamento (detalhando os montantes das diversas prestações efectuadas) e quanto a nele estar já incluído o IVA.
Concluiu do mesmo modo que na PI e,ainda, pela improcedência da reconvenção.
Treplicou o R. mantendo a posição antes assumida.
Admitida a reconvenção, foi proferido despacho saneador – que julgou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa.
Instruído o processo, procedeu-se a julgamento – já à luz do NCPC – que decorreu com observância do legal formalismo, após o que foi proferida a seguinte sentença: “ (…) pelo exposto, e de harmonia com as disposições legais citadas, decido julgar totalmente procedente a presente acção e parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência: i) Condena-se o Réu a proceder à eliminação dos defeitos dados como provados no prazo de 6 (seis) meses, a contar da data do trânsito em julgado desta decisão.
ii) Condena-se o Réu no pagamento à Autora no pagamento de uma indemnização pela privação do uso da sua habitação no valor de 150,00 € por cada mês que se viu privada de habitar o imóvel contabilizado desde Junho de 2012 até ao mês em que o Réu termine as obras referidas em i).
iii) Condena-se a Autora no pagamento ao Réu da quantia global de € 21.675,00 (vinte e um mil seiscentos e setenta e cinco euros), a que acrescem ainda os juros de mora, nos termos peticionados, isto é, contabilizados sobre o valor de € 21.675,00 (vinte e um mil seiscentos e setenta e cinco euros), à taxa anual de 4%, desde a data da notificação da reconvenção até integral e efectivo pagamento da dívida.
iv) Absolve-se a Autora do demais peticionado na reconvenção pelo Réu. (…)” Inconformada com tal decisão, interpôs a A. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que “absolva a Autora do pedido reconvencional e condene o Réu a pagar à Autora indemnização à razão de 250,00€ por mês desde Junho de 2012 até à data da efectiva reparação dos defeitos do imóvel, bem como os juros de mora à taxa legal”.
Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: I – A douta sentença enferma do vício de nulidade, porquanto, o único fundamento que apresenta para ter julgado não provado que a Autora pagou ao Réu a prestação de 7.500,00€ - facto d) dos não provados – é apenas a expressão “por não se ter logrado prova cabal quanto ao mesmo”. Com tal expressão, meramente conclusiva, não foi cumprido o dever de fundamentação, imposto pelos art. 607º, n.º 4, 1ª parte, do C.P.C. e 205º/1, da Constituição da República Portuguesa. Tais disposições não foram aplicadas no ponto em apreço, sendo que o vício da falta de fundamentação tem como consequência a nulidade da sentença, conforme o art. 615º, nº 1, al. c) do C.P.C.
II – Não tendo o R. emitido nem entregado à Autora qualquer recibo das quantias que esta lhe prestou, examinadas as cópias das facturas que constituem os documentos nºs. 18 e 19 da resposta à contestação e confrontando-as com os pagamentos que constam dos factos provados de P a Z e com o teor da carta de 56 a 58, que constitui o documento nº 17 apresentado com a mesma resposta, forçoso é concluir que a prestação em causa, de 7.500,00€ já se encontrava paga em 30/6/2009, quando o réu emitiu a segunda das duas mencionadas facturas; a conduta processual do réu enformada pelos factos descritos de 3.1.1 a 3.1.14.1. deveriam ter alicerçado e fundado presunção judiciária, conforme o artº 349º do C. Civil, em termos de o facto d) dos não provados (se a autora pagou a prestação de 7.5000,00 €) devesse ter sido julgado provado. A douta sentença errou ao não aplicar a citada regra do C. Civil.
III – Aliás, o depoimento da testemunha C..., cuja credibilidade foi, justamente, enaltecida pelo Tribunal (Cf. fundamentação da douta sentença recorrida) é de molde a fundar resposta positiva ao mesmo facto. O Tribunal não teve em consideração tal depoimento, assim aplicando erradamente a norma do art. 607º, nº 4, 1º parte, do C.P.C.
IV – De resto, o pagamento dos 7.500,00 € resulta também de confissão espontânea do próprio réu, ao prestar o seu depoimento de parte, como consta da gravação do seu depoimento e é referido em 3.1.14 supra.
V-A decisão proferida no início da audiência de julgamento, constante da respectiva acta, que ordenou o desentranhamento da carta subscrita pelos Exmos. Advogados do Réu, resulta de errada interpretação do Art. 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados, de acordo com a decisão do Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados e, como assim, deve ser revogada por forma a que o documento permaneça nos autos, ou, não sendo alterada a decisão, deve o mesmo documento agora apresentado ser admitido.
VI – Pelo que consta de 4. a 4.9. foi erradamente julgado o facto relativo h) dos não provados, devendo a decisão ser alterada por forma a que o mesmo facto seja julgado provado, ou seja, julgado provado que a autora não tem a obrigação de pagar o valor de IVA acrescido ao preço, por tal imposto já estar incluído no preço acordado para a empreitada.
VII – Os elementos de prova descritos de 5. a 5.6. são adequados a gerar a convicção de que a obra foi concluída e entregue à autora entre o final do ano de 2009 e os primeiros meses de 2010.
VIII – Alterada a decisão da matéria de facto, nada é devido ao réu reconvinte pela autora. Por isso a decisão de mérito deve ser no sentido de nada ser devido pela Autora ao Réu reconvinte, ou seja, nem a prestação de 7.500,00€ nem o acréscimo de IVA IX – A indemnização em que o Réu foi condenado pela privação do uso da habitação mostra-se erradamente quantificada, estando a decisão de direito em desconformidade com a fundamentação de facto, devendo, por isso, aquela ser alterada, por forma a que a mesma indemnização seja calculada à razão de 250,00€ por mês, desde Junho de 2012 até à efectiva reparação dos defeitos do imóvel, de acordo com a decisão relativa aos factos apurados V e Z.
A douta sentença interpretou e aplicou erradamente as normas constantes dos Artºs. 563º, 564º, 798º, 1208º e 1223º do C. Civil (…) ” Não foi apresentada qualquer resposta.
Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
* II – “Reapreciação” da decisão de facto A A/recorrente iniciou a sua alegação recursiva a dizer que discorda da decisão de facto por não ter sido dado como provado que:
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Para pagamento do preço da empreitada em causa, a Autora fez uma transferência de 7.500,00€, em Abril de 2009 [2] b) Para além do preço de 70.000,00€, a Autora não se obrigou a pagar o IVA de 16.100,00 €, com a 7ª e última prestação Acrescentando ainda que, “embora sem interesse relevante para a causa, [também discorda] que tenha sido decidido que: c). O Réu terminou a moradia por ele construída em Março de 2009; d). Data em que a entregou à Autora”.
Significa isto que, em termos de reapreciação da decisão de facto, tão só nos vamos pronunciar sobre os dois primeiros factos, ou seja, sobre o pagamento de € 7.500,00 dado como não provado e sobre o preço contratual acordado já incluir o IVA devido.
Quanto aos outros dois factos, que também refere como tendo sido mal julgados, sendo completamente estranhos e alheios ao objecto do que se discute (e ao “pedido”) no recurso[3], não nos pronunciaremos, naturalmente, sobre eles[4].
Debrucemo-nos pois sobre a impugnação dos factos constantes das alíneas c) e h) dos factos não provados da sentença recorrida[5]: Matéria/impugnação em que, antes, como verdadeira questão...
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