Acórdão nº 2806/11.6TBVIS-C.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIM
Data da Resolução08 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

* Na presente apelação, considerando que a questão essencial suscitada nos autos tinha sido objecto de apreciação e decisão no AUJ n.º 4/2014, no DR Série I de 19 de Maio de 2014, foi pela ora relatora proferida decisão sumária.

Discordando da decisão, incluindo dos fundamentos que determinaram a prolação da decisão singular, vieram os reclamantes A... e mulher, B... , reclamar para a conferência, reclamação em cuja sede alegaram que a qualidade de consumidor é facto cuja alegação e prova incumbia à recorrente; a apelante apenas em sede de recurso suscitou a questão, tratando-se assim de questão nova; a decisão reclamanda faz uma interpretação absolutamente restritiva do conceito de consumidor, que não encontra eco, nem no invocado AUJ, nem na jurisprudência, para além de não ter acolhimento na lei; não se encontra excluída a aquisição de fracções para outros fins que não a habitação; a recorrente não logrou provar que os recorridos, por si, exerciam a actividade de comerciantes/industriais no imóvel prometido, devendo perfilhar-se a interpretação de que só deve ser excluído do conceito de consumidor aquele que adquire o bem no exercício da sua actividade profissional de comerciante de imóveis.

Pois bem, discordando os recorridos da prolação da decisão singular, reclamaram para a conferência no uso de faculdade que a lei lhes confere, termos em que, sendo aquela decisão substituída pelo acórdão que ora recai sobre a reclamação apresentada, em nada resulta prejudicada a sua posição no processo.

Deste modo, e tendo presente que, ao contrário do alegado pelos ora reclamantes, a recorrente efectivamente suscitou na resposta à reclamação a ausência da qualidade de consumidor dos recorridos, o que decorria dos factos pelos próprios alegados, Acordam em conferência na 1.ª Secção Cível I- Relatório No processo de insolvência n.º 2806/11.6TBVIS, por sentença proferida em 21 de Dezembro de 2011, transitada em julgado a 2 de Fevereiro de 2012, foi declarada a insolvência de C... E D...

, com última residência conhecida na (...) , Viseu.

Fixado em 30 dias o prazo de reclamação de créditos, uma vez findo, fez o Sr. AI juntar aos autos a relação a que alude o art.º 129.º do CIRE, da qual constavam como créditos reconhecidos, para o que importa aos termos do presente recurso, os seguintes: - crédito no valor de €359 982,90, respeitando €331 000,00 a dívida de capital (dobro do sinal entregue) e juros, reclamado por A... , reconhecido como comum; - crédito no valor de €430 000,00 (dobro das quantias entregues a título de sinal e €4000,00 de despesas), reclamado por E... , reconhecido como comum; - crédito no valor de €153 000,00 (dobro da quantia entregue a título de sinal e €3 000,00 de despesas), reclamado por J... , reconhecido como comum; - crédito no valor de €74 000,00 (dobro do sinal entregue e €4 000,00 de despesas), reclamado por L... , reconhecido como comum.

Explicitou o Sr. AI em relação a cada um dos elencados créditos, os quais haviam sido reclamados como garantidos por invocado direito de retenção, que os havia reconhecido apenas como créditos comuns, “por não ter sido possível comprovar inequivocamente a efectiva posse do bem imóvel por banda dos reclamantes”.

Notificados os identificados credores, impugnaram a relação apresentada, restringindo a impugnação à natureza do crédito que a cada um fora reconhecido, o que fizeram com os seguintes fundamentos: 1. Os reclamantes A... e B...

Defenderam a natureza garantida do crédito reconhecido, com base no invocado direito de retenção sobre a fracção autónoma designada pela letra A, destinada a comércio, correspondente ao rés-do-chão esquerdo do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na Rua (...) , em Viseu, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o n.º 875/20071127-A (cf. folhas 24 e seguintes), porquanto: - com data de 17 de Maio de 2007, os declarados insolventes celebraram com o reclamante marido contrato promessa de compra e venda tendo por objecto a referida fracção autónoma, pelo preço de €299 500,00, de que receberam no acto, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de €66 500,00; - tal sinal veio a ser reforçado com €99 000,00 mais, “quantia da qual os promitentes vendedores se confessaram devedores à sociedade H... , Lda.”, 3.ª outorgante e no acto representada pelo seu gerente, o promitente-comprador A... , “por ser esta a empreiteira da execução das obras do edifício em referência, cedendo esta ao segundo outorgante o crédito que detém sobre os primeiros” (cf. cláusula 6.ª do contrato promessa); - a parte restante do preço deveria ser paga na data da celebração do contrato prometido; - aquando da celebração do contrato promessa a fracção prometida vender foi entregue aos reclamantes, que desde então dela vêm cuidando como se sua fosse, procedendo a limpezas frequentes e a uma pintura, sendo que o requerente marido publicitava na fracção os empreendimentos das sociedades de que é sócio ( G... , Lda. e H... , Lda.), recebendo os seus clientes e os clientes das ditas sociedades no estabelecimento que nela instalou, aqui discutindo os termos das eventuais vendas e obras; celebrou contratos de mediação imobiliária com diversas imobiliárias da sociedade, com vista à venda e arrendamento da fracção; no âmbito de tais contratos, por diversas vezes mostrou a loja a possíveis interessados angariados pelas imobiliárias e outros, chegando inclusive a celebrar um contrato promessa de arrendamento tendo por objecto a mesma fracção (cf. art.ºs 16.º a 20.º da impugnação); - os reclamantes registaram a aquisição provisória do imóvel a favor do Banco Totta, entidade com a qual haviam contratado o financiamento através de leasing financeiro para compra da fracção; - os requeridos nunca se dispuseram a celebrar o contrato definitivo, apesar de terem sido interpelados para o efeito por diversas vezes, inclusivamente através de notificação judicial avulsa; - ocorreu incumprimento definitivo e culposo do contrato promessa, o que origina o direito dos impugnantes a exigirem o dobro da quantia entregue a título de sinal, assistindo-lhes direito de retenção para garantia do aludido crédito; * 2. O reclamante E...

Impugnou a natureza atribuída ao crédito que lhe foi reconhecido no montante de €430.000,00, considerando que o mesmo tem a natureza de garantido com base no direito de retenção sobre a fracção autónoma designada pela letra G, correspondente ao 2.º andar direito, e ainda sobre a fracção autónoma designada pela letra I, correspondente ao 3.º andar direito, ambas do edifício para habitação e comércio sito na Av. (...) , em Viseu (cf. folhas 112 e seguintes), porquanto: - por contrato promessa celebrado em 19 de Setembro de 2005, os declarados insolventes prometeram vender ao reclamante a fracção autónoma designada pela letra G, pelo preço de €105 000,00, a pagar integralmente na data da assinatura do mesmo contrato; - em 31 de Julho de 2008, os promitentes vendedores fizeram entrega da fracção prometida vender ao reclamante que, desde então, passou a praticar todos os actos necessários para a tornar habitável, concluindo as obras que se encontravam inacabadas, no que despendeu cerca de €2 000,00, findas as quais cedeu o respectivo gozo a seu filho,N... , que nela reside desde 1 de Setembro, arcando com as despesas de água, luz e gás; - no que respeita à fracção autónoma designada sob a letra I, foi a mesma prometida vender ao reclamante por contrato celebrado em 22 de Agosto de 2006, pelo preço de €105 000,00, que no acto os devedores, promitentes vendedores, receberam do promitente-comprador; - tal valor veio a ser posteriormente rectificado para €110,000, tendo o ora reclamante procedido à entrega de €8 000,00, devendo o remanescente -€2 000,00- ser pago no acto da escritura; - à semelhança do que ocorrera com a fracção G, também a fracção I foi entregue ao reclamante, na qualidade de promitente-comprador, em 31 de Julho de 2008, que a partir de então sobre ela passou a actuar como se dono fosse, concluindo as obras necessárias a conferir-lhe condições de habitabilidade, no que despendeu cerca de €2 000,00, após o que cedeu o respectivo gozo a M..., que ali reside desde 1 de Setembro de 2008; - tais actos de posse têm vindo a ser exercidos à frente de toda a gente, sem qualquer oposição de quem quer que fosse, tendo o impugnante dado às fracções em causa o uso que bem entendeu, tendo-as arrendado a terceiros que as habitam diariamente; - os devedores nunca celebraram os contratos prometidos, sendo o reclamante credor do dobro das quantias entregues e ainda dos montantes despendidos na realização de obras, crédito garantido por direito de retenção.

* 3. O reclamante J...

Impugnou a natureza atribuída ao crédito que lhe foi reconhecido, no montante de €153.000,00, considerando que o mesmo é garantido por direito de retenção sobre a fracção autónoma designada pela letra D, correspondente ao 1.º andar esquerdo do edifício para habitação e comércio sito na Av. (...) , em Viseu (cf. folhas 121 e seguintes), porquanto: - por contrato promessa celebrado em 17 de Fevereiro de 2006, os devedores, na qualidade de promitentes vendedores, prometeram vender ao reclamante, pelo preço de €140 000,00, a fracção autónoma designada pela letra D, correspondente ao 1.º andar esquerdo, de tipologia T2, do identificado prédio, tendo recebido no acto a quantia de €25 000,00 a título de sinal e princípio de pagamento, sinal que foi posteriormente objecto de dois reforços, nos valores de €15 000,00 e €35 000,00, num total de €75 000,00; - no dia 10 de Março de 2008 os promitentes-compradores entregaram ao reclamante as chaves da aludida fracção, que a partir de então passou a praticar os actos necessários para lhe conferir condições de habitabilidade, executando obras no valor de cerca de €3000,00, após o que passou a desenvolver na fracção a sua actividade profissional de assessor de empresas, ali recebendo clientes e amigos, nela...

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