Acórdão nº 92/13.2TACDR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução16 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Pela Comarca de Viseu – Instância Local de Viseu, Secção Criminal, J2, sob pronúncia que recebeu a acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, os arguidos A...

, casado, natural de Reriz, freguesia do concelho de Castro Daire, de nacionalidade portuguesa, nascido em 09-02-1959, filho de (...) e de (...) , carteiro, residente na Rua (...) , Castro Daire, e B...

, solteiro, natural de Reriz, freguesia do concelho de Castro Daire, de nacionalidade portuguesa, nascido em 2-04-1965, filho de (...) e de (...) , pedreiro, residente na Rua (...) , Sesimbra, imputando-se-lhes a prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.° do C. Penal.

A demandante C... deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos pedindo a condenação destes a pagar-lhe a importância global de € 1.997,14, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescido de juros vencidos e vincendos à taxa legal até efectivo e integral pagamento.

Realizada a audiência de julgamento - no decurso da qual foi comunicada uma alteração não substancial dos factos constantes da pronúncia, nos termos do art.358.º, n.º1 do C.P.P. -, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 9 de Janeiro de 2015, decidiu julgar procedente a pronúncia e a parcial procedência do pedido de indemnização cível e, em consequência: - Condenar o arguido A... pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.°, n.º 1, do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 7 (sete) euros, o que perfaz o quantitativo de € 350; - Condenar o arguido B... pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 5 (cinco) euros, o que perfaz o quantitativo de € 250 (duzentos e cinquenta euros); e - Condenar os referidos arguidos/demandados a pagar à demandante C... a quantia de € 5 (cinco euros), a título de danos patrimoniais sofridos, absolvendo-os de tudo o mais que vem peticionado.

Inconformado com a douta sentença dela interpuseram recurso os arguidos A... e B... , concluindo a sua motivação do modo seguinte: Primeira - A queixosa usou de todas as artimanhas e falsidades para, ad odium, conseguir a perseguição criminal dos arguidos, que foram testemunhas em processo cível, no qual, a sentença final acabou por lhe retirar a razão de uma versão que, em desespero de causa, quis manter contra os recorrentes, até ao encerramento da audiência dos presentes autos, não obstante o veredicto do TRPorto e da lei atrás citada, em sentido bem contrário ao seu.

Segunda - Os arguidos, ora recorrentes, prévia e espontaneamente, interpelaram a queixosa sobre o que se propunha fazer no terreno ou barroco em causa, afirmando-lhe o direito de passagem, que por ali exerciam, em vista do exercício da servidão de águas, por ela e por todos confessada / reconhecida como existente.

Terceira - Os recorrentes, ao contrário do provado na douta sentença recorrida não praticaram o crime de dano, dada a não verificação, quer de elemento objectivo (a queixosa até confessou que o provado e insignificante prejuízo, de 5 €, foi reparado gratuitamente pelo seu genro) e, muito menos, do seu elemento subjectivo, a título de dolo. Com efeito, Quarta - Atentos os princípios da procura da verdade material e da suficiência do processo penal, temos que, quanto à delimitação do dano provocado pela conduta dos arguidos, os mesmo se cingiram ao montante já dito, por necessidade de obter apenas a conseguida passagem de pé, consistente em cortar a rede em 1,10 metros de altura, junto a um dos pilares, por forma a enrolar-se e a voltar a engatar-se ao outro pilar, com um custo de apenas 5 € Quinta - Assim, não se provou, ao contrário dos elementos ou documentos, para que a douta sentença também remete (bem como a queixa) os danos que as fotografias mostram, a que os recorrentes são alheios (os factos que estes assumiram fizeram-no, corajosa, voluntária e prudentemente, na companhia das testemunhas do M.º P.º), não ousando, por isso, atribuí-los sequer a outros utentes das águas em causa e aos que sempre passaram rumo ao seu cabal exercício.

Sexta - Os arguidos, dúvidas não existem a ninguém (a não ser insólita e indevidamente, á queixosa e seu ilustre mandatário) têm o direito de passagem pelo terreno que a queixosa quis fazer seu e vedar e, assim a vedação constitui uma agressão actual e/ou contemporânea de interesses protegidos dos arguidos, donos de prédio beneficiário da servidão de águas, com a extensão e modo de exercício já atrás extractados: posto que, Sétima - Para efeitos de legítima defesa tanto basta que o bem ou interesse juridicamente ameaçado ou acabado de violar seja juridicamente protegido, não sendo necessário que seja, penalmente protegido, tal como o direito de propriedade ou a posse (vide, a este propósito: o citado art1565 do C.C. e, em sintonia, Figueiredo Dias, in Direito Penal, parte Geral, Tl, 2004, pág. 386). Para mais, Oitava - Dúvidas também não restam que a agressão era actual (os arguidos mal viram os pilares ou esteios para a rede, logo foram ter com a queixosa para deixar uma cancela e que lhes desse 1 chave). Assim, Nona - A agressão, colocação da rede, também era ilícita e culposa, à luz do acórdão do TRPorto e da lei citada, não tendo a queixosa, face ao ordenamento jurídico, qualquer justificação para agir de tal modo, pois, bem ao invés, estava obrigada a proporcionar aos arguidos a fruição do seu direito de passagem naquele local, tendo ela, isso sim, agido livre, voluntária e conscientemente; pelo que, Decima - Aqui chegados, restará saber se o meio empregue pelos arguidos era o necessário para defender aquele direito de passagem e/ou entrada no terreno em causa, mesmo que ela tivesse provado pertencer-lhe, o que não fez.

Decima primeira - Certo é que, se se mostrar possível o recurso às forças da autoridade em tempo útil se terá de concluir que o meio empregue não é o necessário, já que o da autoridade se configurará, mas só por via da regra, como o menos gravoso para o agressor (vide, a propósito F. Dias, ob. Cit., pág. 396. Ora, Decima segunda - Os arguidos tinham um campo de 150 alqueires de milho, que começar a regar e, assim, o meio necessário empregue pelos arguidos (dano remediável de 5 €) era claramente muito menos gravoso do que o seria o recurso às forças da autoridade (que sempre se não encarregariam de tal questão cível), aqui mesmo entendidos então, como os meios coercivos judiciais, nomeadamente uma providência cautelar, que obrigaria à acção principal, sob pena de caducidade daquela e se protelaria sempre pelo tempo (demasiado e com elevados custos), não lhes sendo possível pois, em tempo útil aos ditos meios jurídicos para fazer valer um necessário e elementar direito de passagem por um “barranco” ou precipício, que nem sequer admitem ser da queixosa, mas onde ela, não obstante, colocou a rede, esta sim, sua. Assim sendo, Décima terceira - Ainda que os arguidos se encontrassem em erro sobre tal circunstância (necessidade do meio empregue: insignificante corte, reparável, em rede), tal sempre lhes excluiria o dolo nos termos das disposições combinadas, entre outros dos arts. 336. 337, 339-1, todos do CC, 7.º do CPP e 16-2, por referência ao art. 31-1 e 2 a) e b), 32 a 34, todos do Cód. Penal, que a douta sentença sob censura omitiu.

Décima quarta - Deste modo e sendo o crime de dano, apenas punível a título doloso, o que não se provou, contrariamente ao decidido, por erro e, até, contradição, de qualificação dos factos e da sua subsunção aos dispositivos legais acima citados, forçoso se torna concluir, finalmente, que aquele crime não foi praticado pelos recorrentes, e sempre, ou por agirem ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude (legítima defesa, acção directa, estado de necessidade), ou por falta do preenchimento do respectivo elemento subjectivo, atentos os apontados dispositivos.

Nestes termos e nos mais que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve revogar-se a sentença condenatória, absolvendo-se os arguidos do crime de dano de que vêm acusados.

A ofendida/demandante C... respondeu ao recurso interposto pelos arguidos, concluindo que deve manter-se a condenação dos arguidos pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo art.212.º do Código Penal e, se possível, serem condenados numa indemnização justa quanto à parte civil, ou seja pela destruição da rede que custou à recorrida a quantia de € 147,14, cujo prejuízo nunca foi de € 5,00.

O Ministério Público na Comarca de Viseu respondeu também ao recurso interposto pelos arguidos, pugnando pelo não provimento do recurso e confirmação da sentença recorrida.

O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer em que, como questão prévia, argui a nulidade da sentença nos termos e para os efeitos do art.379.º, n.º1, al. c), do C.P.P., por omissão de pronúncia sobre matéria de facto alegada pelos arguidos na contestação de folhas 229 a 235, a justificar o reenvio dos autos à 1.ª instância para colmatar tal falha.

A não se entender dessa forma, é de entender que o recurso dos arguidos deverá improceder, como referiu o Ministério Público na 1.ª instância.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P., não tendo os arguidos respondido ao douto parecer do Ministério Público.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação A matéria de facto apurada e respectiva motivação constantes da sentença recorrida é seguinte: Factos provados 1. No dia 04-05-2013, a hora não concretamente apurada, após as 14h00m, os arguidos A... e B... , munidos de um alicate, de características não concretamente apuradas, dirigiram- se ao terreno sito no...

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