Acórdão nº 89/08.4TBVLF.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelS
Data da Resolução04 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra O Banco A..., S.A., interpôs acção declarativa contra A... e mulher M..., e E..., pedindo: A título principal: - que seja declarado nulo e de nenhum efeito o contrato de doação constante da escritura notarial de 13 de Fevereiro de 2006, outorgada no Cartório Notarial de ..., através da qual A... e mulher M... declararam doar a E... os prédios melhor identificados no artigo 1.º da petição inicial; - que seja ordenado o cancelamento do registo predial respeitante à aquisição de tais imóveis, efectuado a favor de E...; A título subsidiário: - que seja declarada ineficaz a doação efectuada por A... e mulher M... a E..., ficando o Autor, no que for necessário para satisfazer o seu crédito, com o direito de praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei e os de executar esses imóveis no património de E...

Para tanto alegou, em síntese, o seguinte: - a escritura de doação acima referida foi feita com o exclusivo propósito, comum a todos os intervenientes, de defraudar e prejudicar o Autor; - o Autor é credor de A... no montante de, pelo menos, 3.249.856,92 €, sendo legítimo portador de livranças avalizadas por este que, com juros de mora, ascendem àquele montante global; - a escritura de doação foi a forma que A... e mulher M... utilizaram para dissiparem o seu património e assim se furtarem ao pagamento das responsabilidades de A... para com o Autor.

Os demandados contestaram, alegando, em síntese: - a escritura de doação, ao contrário do alegado pelo Autor, foi um negócio pretendido por todos os intervenientes; - a decisão de A... e mulher M... de doar os prédios à sua filha, E..., a 2.ª Ré, foi feita com o intuito de facilitar as partilhas, sendo que aquela não tinha conhecimento da alegada dívida; - o demandado marido desconhecia o significado da palavra aval quando as livranças dos autos lhe foram dadas para assinar, bem como as suas implicações; - o banco Autor não cumpriu o dever de informação quanto ao clausulado dos contratos de empréstimo, tendo as livranças sido objecto de preenchimento abusivo; - é ineficaz o acordo de renovação e alteração da facilidade de crédito em relação ao demandado marido, já que não foi assinado em conformidade com o que nele consta; - o aval é nulo por indeterminabilidade do seu objecto, não sendo possível estabelecer através dos contratos quais os créditos que visavam acautelar; - não estão preenchidos os requisitos da impugnação pauliana, nomeadamente os previstos no art.º 610.º, alíneas a) e b), do Código Civil; - uma vez que a demandada mulher nada deve ao Autor, por não estarmos perante uma dívida comum do casal, não pode a impugnação pauliana proceder relativamente a ela.

Concluíram, pedindo a improcedência da acção, ou, caso assim se não entenda, que seja a mesma julgada improcedente na quota-parte respeitante à meação de M...

O Autor replicou, alegando, em síntese: - o demandado marido tinha pleno conhecimento de que se estava a obrigar pessoalmente pelo pagamento das quantias mutuadas; - a postura do banco Autor sempre foi de profundo esclarecimento dos factos, prestando sempre todas as informações necessárias à concretização dos negócios; - o demandado marido, após conversações tidas com as Cooperativas, aceitou renovar a «Facilidade de Crédito em Conta Corrente”, constituindo abuso de direito a pretensão ora aduzida; - o montante das responsabilidades dos devedores está quantitativamente determinado; - inexistindo bens próprios do demandado marido, é inevitável que esta acção incidisse também sobre os bens comuns do casal.

Concluiu como na petição inicial.

Na pendência da causa, faleceu o demandado marido, A..., tendo sido habilitadas a prosseguir os termos da demanda, no lugar do falecido, a 1.ª Ré, sua mulher, e a 2.ª Ré, filha de ambos.

Foi proferida sentença que julgou a acção procedente e declarou nulo e de nenhum efeito o contrato de doação impugnado, tendo ordenado o cancelamento do registo predial respeitante aos referidos prédios doados, efectuado a favor da 2.ª Ré, na Conservatória do Registo Predial de ....

As Rés interpuseram recurso desta decisão, formulando as seguintes conclusões: ...

O Autor apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido.

Para a eventualidade do recurso ser julgado procedente foram as partes notificadas para se pronunciarem, querendo, sobre o mérito do pedido subsidiário de impugnação pauliana deduzido pelo Autor, nos termos do art.º 665º, n.º 3, do C. P. Civil, tendo o Autor defendido a procedência desse pedido e as Rés a sua improcedência.

  1. Do objecto do recurso Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar as seguintes questões: a) Os factos constantes dos pontos 13, 14, 27, 28, 29 e 30 da decisão recorrida devem ser considerados não provados? b) Os factos constantes das alíneas j), k), l), m), n), o), p), q) r) s), u) e v) da decisão recorrida devem ser considerados provados? c) Não se provou que a doação outorgada não fosse querida pelos outorgantes? d) Não estão preenchidos os requisitos da impugnação pauliana? e) A declaração de ineficácia da doação não atinge a quota-parte da 1.ª Ré nos bens doados? 2. Dos factos 2.1. Da impugnação da matéria de facto As Recorrentes pretendem que os factos julgados provados pela sentença recorrida sob os números 13, 14, 27, 28, 29 e 30 sejam considerados não provados e que os factos julgados não provados na mesma sentença sob as alíneas j), k), l), m), n), o), p), q) r) s), u) e v) sejam julgados provados.

    Conforme adiante melhor se explicará, aquando da análise jurídica das questões colocadas no presente recurso, os factos constantes dos pontos 27 a 30 e das alíneas p), q), r), s), u) e v) da sentença recorrida são irrelevantes para o juízo a efectuar sobre a procedência do presente recurso. Na verdade, não só os factos que foram julgados provados não são suficientes para se concluir pela existência de um negócio simulado, como estando nós perante um negócio gratuito é irrelevante a boa ou má-fé dos seus outorgantes aquando da sua celebração. Daí que, saber se, na data referida em 7-, todos os Réus tinham conhecimento da emissão das livranças referidas em 1- e 3- (27) e sabiam que as mesmas não conseguiriam ser pagas pela subscritora e pelos outros dois co-avalistas (28), pelo que decidiram celebrar a escritura pública referida em 7- (29) com o intuito de frustrar a recuperação do crédito pelo Autor (30); ou se foi em virtude do referido em 43- e 44-, que o 1.º Réu marido decidiu celebrar a escritura pública referida em 7- (p), receando também o 1º Réu marido que, com a sua morte, a 2.ª Ré tivesse dificuldades na partilha, caso a 1.ª Ré mulher viesse a ser interditada (q); e se a 2.ª Ré aceitou a doação referida em 7- devido ao estado de saúde do 1.º Réu e por não querer enervá-lo com a sua recusa (r) desconhecendo que o 1.º Réu marido, seu pai, assinava livranças ou era avalista das mesmas enquanto tesoureiro da “Adega Cooperativa de ...” e da “Cooperativa de Olivicultores de ..., CRL” (s); e ainda que a 1.ª Ré mulher, à data referida em 7-, e em virtude da depressão de que padecia, alheava-se do que a rodeava e esquecia-se do que fazia e do que lhe diziam (u); são factos totalmente irrelevantes para o desfecho do presente recurso.

    Por estas razões, em nome do princípio da economia processual, não se conhecerá da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, relativamente a todos estes pontos e alíneas da sentença recorrida É o seguinte o conteúdo da restante matéria impugnada que importa apreciar: ...

    2.2. Explicitação e aditamento de factos provados No ponto 18 da sentença recorrida considerou-se provado que o Autor celebrou com a “Cooperativa de Olivicultores de ..., CRL”, um acordo escrito intitulado “contrato de abertura de conta empréstimo, tesouraria trimestral”, e nos pontos 19 a 21 que o Autor celebrou com a “Adega Cooperativa de ..., CRL”, três acordos escritos intitulados “contrato de abertura de crédito em conta corrente”.

    Sendo esses acordos escritos os que constam dos doc. 25, 26, 27 e 28 juntos com a p. i. devem incluir-se na matéria de facto provado o conteúdo de algumas das suas cláusulas com interesse para a decisão da causa, o que se irá fazer nos termos permitidos pelo artigo 662.º do C. P. Civil.

    No ponto 15 da sentença recorrida considerou-se provado que, por escritura pública designada “compra e venda”, celebrada no dia 09 de Fevereiro de 2005, no Cartório Privado da Dra. ..., os 1º Réu marido e a 2.ª Ré acordaram, respectivamente, comprar e vender “a fracção autónoma, designada pela letra “M”, correspondente ao primeiro andar – escritório número sete e arrecadação, do prédio urbano situado em ..., descrito na ..

    .

    Encontra-se junta aos autos uma cópia dessa escritura a fls. 190 e seg., donde se constata que o preço declarado dessa compra e venda foi de €110.000,00, pelo que esse dado deve também integrar a matéria de facto provada, o que se irá aditar nos termos permitidos pelo art.º 662º do C. P. Civil.

    O Autor alegou na p.i. que A... havia assinado, na qualidade de garante, os acordos mencionados nos pontos 18.º a 21.º dos factos provados.

    Na contestação apresentada pelos demandados aceitou-se tacitamente este facto, pelo que o mesmo deve ser considerado provado, nos termos do art.º 662º do C. P. Civil.

    2.3. Os factos provados Assim, os factos provados são os seguintes: … 3. O direito aplicável 3.1. Da prova da simulação O Autor veio pedir em primeiro lugar a declaração de nulidade da doação efectuada pelos 1.ºs demandados, com fundamento em se tratar de negócio simulado.

    A simulação negocial constitui uma divergência intencional entre o sentido da declaração das partes e os efeitos que elas visam prosseguir com a celebração do negócio jurídico, sendo a simulação objectiva aquela que diz respeito ao objecto e conteúdo do negócio.

    O art.º 240º, n.º 1, do C. Civil, estabelece três...

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