Acórdão nº 836/16.0T8GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução27 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I – RELATÓRIO B (…), Lda. intenta a presente declarativa sob a forma de processo comum, contra a Unidade de Saúde da Guarda, E.P.E., Alegando, em síntese: aberto concurso pela ré para exploração de dois bares sitos no Hospital (...), concurso que foi ganho pelo sócio gerente da Autora, entre a autora e a ré foi celebrado um contrato para exploração dos referidos bares; a autora iniciou a exploração de tais bares em janeiro de 2015, mediante a renda mensal de 5.100,00 €; ao contrário do previsto e acordado inicialmente, a Ré colocou em funcionamento no Hospital uma máquina de vending de produtos alimentares e a 16 de outubro de 2015, abriu um novo refeitório, o que provocou à autora uma diminuição de faturação.

a renda acordada inicialmente é excessiva tendo em conta estas alterações das circunstâncias; desde Janeiro de 2015 e até ao presente, tem a ré faturado a eletricidade consumida nos dois bares concessionados à autora ao preço de €0,185 por quilowatt, acrescido de IVA à taxa de 23%, quando o custo de mercado da eletricidade consumida pela autora é substancialmente inferior, em violação do disposto no art. 24~º, nº4 do caderno de encargos.

Conclui, pedindo: a) a condenação da ré a pagar a autora a quantia de €18.000,00, a título de ressarcimento pelos danos que lhe causou; b) a redução do valor da renda paga pela autora para a quantia de €2.500,00, ou o que se apurar com recurso a juízos de equidade, com efeitos a 15 de Outubro de 2015, sendo a ré condenada na restituição da diferença paga desde então e até à fixação definitiva da renda naquele montante; c) a condenação no que se vier a apurar, em incidente de liquidação ou por força da ampliação do pedido, resultante da diferença de preço da eletricidade a preços de mercado e do por si cobrado à autora.

A Ré apresentou contestação alegando, em síntese: desde a celebração do mencionado contrato até 30/11/2014 a exploração do bar foi repartida entre o (…), pessoa singular e (…) Unipessoal, Lda.; embora o candidato a quem foi adjudicado o concurso aberto pela Ré para a exploração de dois bares sitos no Hospital de (...) (Pavilhão 5 e Novo Edifício) fosse o atual sócio gerente da A., enquanto pessoa singular, o contrato correspondente viria a ser celebrado em nome da B (…) Lda., ora A., em 6 de dezembro de 2014.e sempre tiveram conhecimento quer da existência das máquinas de vending existentes no Serviço de Urgência, quer do refeitório que existia nas instalações da Ré que desde sempre serviu as refeições que eram solicitadas pelas pessoas que ai se deslocavam (profissionais, visitas e utentes); do caderno de encargos constam as cláusulas a que as partes se obrigaram e de nenhuma delas resulta que a Ré não pudesse manter a instalação de máquinas de vending no Serviço de Urgência.

em relação ao refeitório para além do sócio gerente saber que aquele espaço sempre existiu e comercializou almoços e jantares bem sabe que aquele tipo de refeições não podem ser fornecido pela A., pois aquela apenas pode comercializar refeições ligeiras nos espaços concessionados nos termos do n.º 2, art.º 26 do Caderno de Encargos e Proposta apresentada.

Foi proferido despacho a convidar as partes a pronunciar-se quanto à exceção de incompetência material deste Tribunal.

A Ré veio, então, pugnar pela incompetência, enquanto a Autora defende ser este o tribunal competente, já que é aplicável à ré o regime constante do Decreto-Lei n.º 183/2008, de 4 de Setembro, de que resultou a sua criação, e o Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de Outubro (Regime Jurídico do Sector Empresarial do Estado - RJSEE), sendo que, de acordo com o art.º 14.º do RJSEE, “as empresas públicas regem-se pelo direito privado”.

Foi proferido despacho a julgar o tribunal incompetente em razão da matéria para o julgamento da presente causa e, por conseguinte, absolvendo a Ré da instância – arts. 96º, nº 1, a) , 97º e 278º, nº 1, a), do CPC.

* Inconformada com tal decisão, a autora dela interpõe recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: 1. Não pode ser afastada convencionalmente a competência em razão da matéria, face ao disposto no art.º 95.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

  1. Face à nova redação do art.º 4.º, n.º 1, alínea e), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, os tribunais administrativos e fiscais apenas têm jurisdição sobre os contratos sujeitos ao regime do Código dos Contratos Públicos.

  2. O Código dos Contratos Públicos exclui do seu âmbito de jurisdição os contratos de arrendamento de bens imóveis ou contratos similares, como é o dos autos (exploração de dois bares).

  3. No contrato em discussão nos autos não surge a entidade pública contratante revestida de jus imperium, pelo que, também por este critério, lhe não é aplicável a jurisdição administrativa.

  4. Violou a douta decisão recorrida o disposto no art.º 95.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, no art.º 4.º, n.º 1, alínea e), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e não art.º 4.º, n.º 2, alínea c), do Código dos Contratos Públicos.

    Termos em que deverá ser revogada a douta decisão recorrida, sendo declarado competente para o julgamento da causa o Tribunal da Comarca da Guarda.

    * Não foram apresentadas contra-alegações.

    Dispensados os vistos legais ao abrigo do nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.

    II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, a questão a decidir é uma só: 1. Competência material para julgar a presente ação: tribunal comum ou tribunal administrativo.

    III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO 1. Competência material – tribunal comum ou tribunal administrativo.

    A autora instaura a presente ação pedindo uma indemnização pelos prejuízos causados pela conduta da Ré em violação do contrato celebrado entre ambas, bem como que se decrete a redução da renda acordada por alteração das circunstâncias e a condenação da Ré na devolução dos montantes por si indevidamente cobrados a título de consumo de eletricidade, na parte em que exceda os valores correntes de mercado.

    Encontramo-nos, claramente, perante um litígio emergente de relações contratuais – a autora pretende...

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