Acórdão nº 1042/14.4T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Abril de 2017
Magistrado Responsável | FONTE RAMOS |
Data da Resolução | 27 de Abril de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Nos presentes autos, pendentes na Comarca de Viseu,[1] M (…) veio requerer a declaração de falência de MF (…) Por sentença de 09.4.2003 foi declarada a falência da referida MF (…) e nomeada a comissão de credores, constituída pela requerente, R (…) (Presidente) e J (…).
Foi deduzido e indeferido pedido de fixação de alimentos, por se considerar que a falida podia prover o seu sustento pelo produto do seu trabalho, na parte impenhorável (fls. 286 e 312).
Continuou “apreendido” 1/3 do vencimento da falida, inicialmente penhorado à ordem da acção executiva 182/2002 do 4º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Viseu (cf., v. g.
, fls. 343); porém, não foram “localizados quaisquer [outros] bens susceptíveis de apreensão no património da falida” (fls. 345).
Por despacho de 15.01.2004, atento o único bem apreendido e apreensível nos autos (1/3 do vencimento da falida) e por se considerar que a protecção dos interesses dos credores da falida impunha a manutenção do processo, foi determinado o prosseguimento dos termos normais da lide falimentar (fls. 389).
Na sequência do despacho de 18.01.2006 providenciou-se pelo depósito, à ordem da massa falida, das importâncias depositadas nos autos executivos apensos (fls. 630-1 e fls. 648 e seguintes).
Foi requerido pela comissão de credores, em 18.6.2007, o rateio parcial do montante depositado à ordem dos autos, tendo-se efectuado, posteriormente, pagamentos parcelares dos créditos.
Por despacho de 09.6.2016 determinou-se a remessa dos autos à conta (“a fim de declarar findo o presente processo de insolvência”) e a notificação da “entidade processadora dos vencimentos à Falida para cessar os descontos à ordem dos presentes autos” (fls. 1003).
Na sequência de requerimento do credor Joaquim Jorge, aquele despacho foi declarado nulo por inobservância do contraditório (fls. 1008 verso e 1020).
Tendo os credores J (…) e R (…) (Presidente da Comissão de Credores), o Liquidatário Judicial e o M.º Público manifestado a sua posição quanto ao eventual encerramento do processo, pugnando, unanimemente, pela sua continuação enquanto a falida auferir vencimento, por forma a assegurar/garantir os valores dos créditos reconhecidos ainda em dívida aos credores da Massa Falida no montante global de € 73 612,45 (fls. 1033, 1034 verso e 1037), o Mm.º Juiz a quo, por decisão de 02.11.2016, determinou a remessa dos autos à conta (“a fim de declarar findo o presente processo de insolvência”), bem como, após trânsito, a notificação da “entidade processadora dos vencimentos à Falida para cessar os descontos à ordem dos presentes autos” (fls. 1038).
Inconformada, a credora R (…) interpôs a presente apelação formulando as seguintes conclusões: 1ª - Por sentença proferida em Abril/2003 e transitada em julgado, foi declarada falida MF (…) e decretada a apreensão dos seus bens e 1/3 do seu salário, à data de € 1 800/mensais.
2ª - A falida não recorreu de tal sentença e ao longo do decurso do processo nada veio requerer até hoje.
3ª - A decisão de encerramento do processo e da cessação dos descontos, viola a situação de caso julgado anterior.
4ª - A falida nada requereu e muito menos veio em tempo algum dizer aos autos que a apreensão de 1/3 do seu salário de € 1 800 punha de alguma forma em causa a sua subsistência ou que a impedia ou a dificultava de fazer uma vida absolutamente normal com os restantes € 1 200.
5ª - Com a decisão proferida, absolutamente infundada e emanada de uma opinião pessoal, o Mº Juiz a quo assumiu de forma manifesta o papel de parte, o que não lhe é permitido.
6ª - E, nada lhe tendo requerido a parte interessada no processo, não pode o julgador substituir-se a ela, como efectivamente parece ser o caso.
7ª - Decisão que vai contra a jurisprudência dominante, indicando-se a título exemplificativo os acórdãos da RP de 22.6.2016 e o acórdão do STJ de 30.6.2010-Proc. 191/08.2TBSJM-H.P1.S1 – www.dgsi.pt – ambos a consagrar a admissibilidade da apreensão de 1/3 do salário do insolvente, que no caso dos autos deixa ainda disponível à falida a importância de € 1 200/mensais.
8ª - A decisão sob censura, absolutamente infundada e injusta premiaria a falida sem que esta nada fizesse para obter tamanho benefício, retirando aos credores de forma arbitrária e injusta o direito de se verem compensados com as importâncias que lhes pertencem e que a falida usou indevidamente em proveito próprio.
9ª - Violando-se assim e também o princípio da equidade.
10ª - Aliás, não sendo a questão levantada do conhecimento oficioso, vedado estava ao Mm.º Juiz proferir a decisão de que se recorre, que a torna nula e de nenhum efeito, por não fundamentada de facto e de direito, mas também porque o Juiz conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, nos termos do disposto no art.º 615º n.º 1, b) e d) do CPC.
Rematou pugnando pela revogação do despacho recorrido e consequente “prosseguimento dos autos, com todas as legais consequências”.
Não houve resposta.
O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo (fls. 1057 e 1059).
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir, sobretudo, se há que declarar findo o processo (com a cessação dos descontos no vencimento da falida) ou se o mesmo deverá prosseguir.
* II. 1. A materialidade a considerar é a que consta do relatório que antecede (ponto I) e ainda a seguinte[2]: a) A falida nasceu em 01.02.1963.
b) No mapa de rateio parcial junto aos autos em 11.02.2013 foi indicado o “saldo conta à ordem” de € 45 365,38 e o montante “disponível para pagamento” aos credores (€ 31 564,04) permitiu satisfazer 26,32 % dos créditos.
c) No mapa de rateio parcial junto aos autos em 28.4.2016 foi indicado o “saldo conta à ordem” de € 15 980,49 e o montante “disponível para pagamento” aos credores (€ 14 750,49) permitiu satisfazer 16,69 % dos créditos subsistentes.
d) Com os referidos rateios parciais ficou pago aproximadamente 40 % do valor global dos créditos.
e) Além do mencionado pedido de fixação de alimentos, a falida não deduziu qualquer outra pretensão relacionada com o montante salarial apreendido ou o eventual prosseguimento/encerramento dos autos. 2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.
O presente processo de falência foi instaurado em 30.9.2002, pelo que os seus trâmites regem-se pelo Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência/CPEREF, aprovado pelo DL 132/93, de 23.4, na redacção dada pelo DL 323/2001, de 17.12, e considerada ainda a redacção introduzida ao n.º 1...
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