Acórdão nº 254/14.5 JACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução15 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 254/14.5 JACBR do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu - Juízo Central Criminal de Viseu - Juiz 2, mediante acusação pública, foi o arguido A.., conhecido por “AA...”, filho de B... e de C... , nascido a 27/06/1967, natural da freguesia de (...) , concelho de (...) , casado, trabalhador da construção civil por conta própria, residente na (...) , (...) , submetido a julgamento, sendo-lhe, então, imputada a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de seis crimes de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, previstos e punidos pelo art. 165.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, por acórdão de 1.02.2017, depositado na mesma data, foi o arguido absolvido dos referidos crimes.

3. Inconformados com o assim decidido recorreram o assistente e o MP, extraindo da correspondente motivação, as seguintes conclusões: 3.1 conclusões do Assistente: 1ª- O Tribunal “a quo” considerou, quanto aos nós incorretamente, que o relatório de psiquiatria forense e os esclarecimentos prestados em audiência de julgamento pela perita médica Dra. M... não foram conclusivos sobre a incapacidade do ofendido para opor resistência aos atos sexuais mantidos com o arguido, descritos nos pontos 7. e 8. da matéria de facto dada como provada no douto acórdão; 2ª- Em consequência disso, deu como não provados os factos vertidos sob as alíneas d), e), f), g), h), i), j), k) e l) da matéria de facto dada não provada no douto acórdão ora sob recurso; 3ª- Porém, atenta a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, salvo o devido respeito por opinião diversa, devem ser dados como provados, tendo, por isso, sido incorretamente julgados; 4ª- As provas concretas que impõem uma decisão diversa da recorrida são as seguintes: a) O relatório de exame médico-legal de psiquiatria forense de fls. 110 a 114 e o relatório de avaliação psicológica de fls. 115 e 116; b) O depoimento prestado na audiência de julgamento de 25/01/2017 pela perita médica Dra. M... , gravado através do sistema integrado de gravação digital, com início às 16:00 horas e 40 minutos, entre os 12minutos e os 22m15s, transcrito na motivação deste recurso e para qual se remete.

  1. - No relatório de exame médico-legal de psiquiatria forense a fls. 113 e 114, a perita médica concluiu que “o ofendido poderá, naquelas circunstâncias em que ocorreram os factos, ser incapaz de opor resistência atendendo ao seu funcionamento prévio já deficitário. Mais ainda, se sob o efeito do álcool, maior o comprometimento da capacidade de se opor. O ofendido padece de Deficiência Mental Ligeira a Moderada, como confirma o Exame WAIS-III que situa o seu funcionamento intelectual muito inferior em relação ao esperado para a sua classe etária, apresentando um resultado global de 55…Poderá ser de nascença, determinando uma incapacidade que se estende por todo o seu intelecto nas dimensões de cognição compreensão e raciocínio com prejuízos do entendimento e capacidade volitiva (livre e esclarecida); 6ª- Nos esclarecimentos prestados na audiência de julgamento pela perita médica, nas passagens do seu depoimento transcritas na motivação deste recurso, foi dito que o ofendido é um individuo de uma pobreza e limitação muito grande, que em termos raciocínio, na parte afetiva, na parte cognitiva e de memória, em determinada altura do seu desenvolvimento parou, devendo, por isso, ser interditado. É um individuo que não sabe escrever o nome dele, apenas aprendeu a desenhar o primeiro e último nome, que não consegue tomar opções e medir os riscos da sexualidade. É um individuo em termos de défice cognitivo equiparável a um miúdo de cinco, seis, sete anos no máximo. É vulnerável a abordagens de cariz sexual e é incapaz de se defender, sendo, por isso, incapaz de opor resistência às propostas sexuais do arguido, bem como de refletir sobre os riscos desses comportamentos sexuais e de maneira como a sociedade os interpreta, sente vergonha como um miúdo sentiria naquela situação; 7ª- Pelo supra exposto, em face dos relatórios dos exames periciais juntos autos e dos esclarecimentos prestados na audiência de discussão e julgamento pela perita médica Dra. M... não deixa, no nosso modesto entendimento, qualquer dúvida sobre o facto do ofendido F... ser incapaz, por força da anomalia psíquica de que sofre (e padecia à data dos factos), de opor resistência à prática dos atos sexuais propostos pelo arguido descritos nos pontos 7. e 8. do acórdão proferido pelo Tribunal “a quo”; 8ª- O Tribunal “a quo” deu como provada a matéria de facto dos pontos 7., 8., 9., 10., 11. e 12. da matéria de facto provada, que aqui de dão por inteiramente reproduzidos por questão de economia processual; 9ª- Os atos praticados pelo arguido de índole sexual causaram ao ofendido danos de natureza física, dores, e psíquica, que levaram a alterações comportamentais do dia-a-dia do ofendido, causando-lhe vergonha, desgosto e transtornos causados pela conduta ilícita do arguido; 10ª- Nos termos do disposto no art.º 483º, n.º 1 do Código Civil, aplicável por força do art.º 129º do Código Penal, “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”; 11ª- No caso sub judice, atendendo à gravidade dos factos praticados pelo arguido, às dores físicas e morais sofridas pelo ofendido, deve aquele ser condenado a pagar uma indemnização civil, a título de danos não patrimoniais, que este Venerando Tribunal considere justa, equilibrada e condigna para compensar o mal causado ao ofendido.

  2. - O Tribunal “a quo” violou e/ou fez uma incorreta aplicação, entre outras, das normas constantes dos artigos 163º, n.ºs 1 e 2, 410º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal, art.º 129º do Código Penal, art.º 483º, n.º 1 e 496º, n.º 1 do Código Civil.

    Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência, deve ser revogado o douto acórdão proferido pelo Tribunal “a quo” na parte objeto deste recurso, substituindo-o por outro que condene o arguido pela prática de dois crimes de abuso de pessoal incapaz, p. e p. no art.º 165º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, e que julgue procedente por provado o pedido de indemnização civil apresentado, condenando o demandado a pagar ao demandante uma quantia indemnizatória que V.Ex.ª(s) considerem justa e adequada para compensar os danos não patrimoniais causados ao ofendido.

    Assim decidindo, V.Ex.ª(s) farão a já costumada, sã e objetiva JUSTIÇA!” 3.2 conclusões do MP: 1ª - O presente recurso abrange matéria de facto e de direito.

  3. - O Tribunal a quo considerou que da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, não resultou provado que a anomalia psíquica de que padecia a vítima F... o impedia de formar e exprimir a sua vontade em termos de sexualidade e de resistir à prática dos actos sexuais descritos nos pontos 7 e 8 da matéria de facto dada como provada na decisão ora sob recurso.

  4. – Por via disso, deu como não provados os factos descritos nos pontos d), e), f), g), h), i), j), k) e l) da matéria de facto dada como não provada no acórdão recorrido.

  5. - Todavia, atenta a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, tais factos deveriam ter sido dados como provados, tendo, por conseguinte, sido incorrectamente julgados.

  6. - As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida são: a) Os relatórios dos exames periciais juntos aos autos a fls. 110 a 114, 115 e 116.

    b) O depoimento da perita médica subscritora daquele relatório, Drª M... , prestado em audiência de discussão e julgamento no dia 25 de Janeiro de 2017, gravado no sistema citius, com início às 16h10m34s, entre os 12m00s e os 22m15s, transcrito na motivação do presente recurso e para onde se remete.

  7. - Na verdade, o relatório de exame médico-legal em psiquiatria forense, concluía, a fls. 113 e 114 dos autos, que “o examinado poderá naquelas circunstâncias em que ocorreram os factos “ser incapaz de opor resistência atendendo ao seu funcionamento prévio já deficitário. Mais ainda se sob o efeito do álcool, maior o comprometimento da capacidade de se opor” e ”do já exposto tenderá a agir de forma pueril diria ingénua” e “Poderá ser de nascença, determinando uma incapacidade que se estende por todo o seu intelecto nas dimensões da cognição, compreensão e raciocínio com prejuízos do entendimento e capacidade volitiva (livre e esclarecida).” Ou seja, este relatório pericial afirmava já que, por força da anomalia psíquica de que padecia, aquele F... poderia ser incapaz de opor resistência aos actos sexuais em questão, pois tal anomalia psíquica determinava-lhe uma incapacidade que se estendia por todo o seu intelecto nas dimensões da cognição, compreensão e raciocínio, o que lhe prejudicava o entendimento e a capacidade volitiva (entendida esta como livre e esclarecida).

    7ª –Dos esclarecimentos trazidos a julgamento pela Perita Médica, na parte do seu depoimento supra mencionada e transcrita na motivação deste recurso, resultou expresso que a vítima era de uma pobreza e de uma limitação muito grande e que, por via disso, deveria estar interditado, atenta a limitação da parte cognitiva, de memória e do mais que contender com o cérebro, pois que este simplesmente parou em determinada altura do seu desenvolvimento; que aquele F... não sabe escrever o nome dele, apenas tendo apreendido a desenhar o primeiro e o último nome; que não tem as capacidades todas para tomar opções e avaliar os riscos da sexualidade; que o défice cognitivo do F... é equiparável ao de uma criança de cinco, sete anos, no máximo; que àquela perita médica lhe parece claro que a vítima, por força da deficiência que padece é totalmente incapaz...

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