Acórdão nº 160/15.6IDLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Novembro de 2017
Magistrado Responsável | MARIA PILAR DE OLIVEIRA |
Data da Resolução | 15 de Novembro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório No processo comum com intervenção do tribunal singular 160/15.6IDLRA do Juízo Local Criminal de Pombal, Juiz 1, Comarca de Leiria, após realização da audiência de julgamento foi proferida sentença em 8 de Fevereiro de 2017 com o seguinte dispositivo: Face ao exposto julgo pronúncia procedente por provada e, em conformidade:
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Condeno o arguido A... , pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105.º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea b) do RGIT, aprovado pela Lei n.º 1512001, de 5/06, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de 6,00 € (seis euros), no montante global de 780,00 € (setecentos e oitenta euros).
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Condeno a arguida B...- Sucursal em Portugal, em autoria material e na forma consumada, um (1) crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 7.º, 12º, n.ºs 1 e 3 e 105.º, n.ºs 1 e 4 do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5/06, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 6,00 € (seis euros), no montante global de 600,00 € (seiscentos euros).
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Condeno ainda os arguidos no pagamento das custas e respectivos encargos, nos termos dos artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e artigo 8.º, 16.º e 24.º do Regulamento das Custas Processuais, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça para cada um.
Inconformado, recorreu o arguido A...
, extraindo da motivação do recurso as seguintes conclusões: 1) Conforme consta da acusação de fls., o arguido A...
foi acusado pela prática de um (1) crime de abuso de confiança fiscal, p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 6º, 8º, nº1 e 7 e 105º, nº 1 e 4 do Regime Geral das Infrações Tributárias e 26º do Código Penal; 2) Porque, alegadamente, não entregou aos cofres do Estado a quantia de 7.884,40 €, a título de IVA, referente ao 3º trimestre do ano de 2014, em representação e na qualidade de sócio gerente da empresa B... -Sucursal em Portugal; 3) O Arguido apresentou a sua contestação onde alegou o acima transcrito; 4) Realizou-se o julgamento, nos termos em que manda a LEI, e, finalmente, foi proferida sentença que concluiu da forma acima transcrita; 5) No modesto entendimento do Arguido, a ser deduzida acusação por prática do crime de abuso de confiança fiscal, por falta de pagamento de IVA, deveria ter sido na forma continuada; 6) E não deduzir-se uma acusação para cada período, ou semestre em separado; 7) Tendo como factos provados, a falta de pagamento das declarações de IVA, referentes aos períodos de 2013/03T, 2013/06T, 2013/09T, 2013/12T, 2014/06T nos valores de €11.
754,57, €16.
127,74, €23.
864,00, €10.
067,72 e €13.
401,07, respetivamente; 8) Estamos perante um caso de crime continuado; 9) Se os factos criminalmente relevantes tivessem sido investigados no mesmo inquérito, como de resto o deveriam ter sido, os mesmos compreender-se-iam num arco temporal que se situaria entre o março de 2013, e o setembro de 2014; 10) Certas atividades que preenchem o mesmo tipo legal de crime – ou mesmo diversos tipos legais, mas que fundamentalmente protegem o mesmo bem jurídico – e às quais presidiu uma pluralidade de resoluções (que portanto atiraria a situação para o campo da pluralidade de infrações), devem ser aglutinadas numa só infração, na medida em que revelam uma considerável diminuição da culpa do agente; 11) O fundamento desta diminuição da culpa encontra-se na disposição exterior das coisas para o facto, isto é, no circunstancialismo exógeno; 12) O pressuposto da continuação criminosa será assim a existência de uma relação que, de fora, e de modo considerável, facilitou a repetição da atividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito; 13) São pressupostos do crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico); homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objetivo da ação); unidade do dolo (unidade do injusto pessoal da ação); lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto resultado); persistência de uma “situação exterior” que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente; 14) O crime continuado é formado sobre a base de uma pluralidade sequencial de resoluções e subsequente execução de condutas criminosas, que devem ser unificadas para efeitos de punição, atendendo à acentuada diminuição da culpa que preside à reiteração criminosa; 15) O elemento agregador ou unificador é, precisamente, essa considerável diminuição da culpa, em resultado da compulsão de um elemento externo, que favorece a continuação; 16) Uma considerável diminuição da culpa só é concebível, por um lado, no quadro da repetição do mesmo tipo legal de crime, ou de tipos que protegem bens jurídicos idênticos, e de forma de execução criminosa essencialmente homogénea; 17) A figura do crime continuado determina a perda de autonomia das várias condutas do agente, estabelecendo uma ideia de diminuição do grau da culpa do agente, porquanto a execução das diversas atividades aparece facilitada; 18) Não basta qualquer solicitação exterior mas é necessário que ela facilite de maneira apreciável a reiteração criminosa; 19) No crime continuado assaca-se uma menor exigibilidade ao agente, pois a continuação está ligada a circunstâncias externas que facilitam a conduta; 20) O pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente a existência de uma relação que, de fora, e de uma maneira considerável, facilitou a repetição da atividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, de acordo com o direito – (in Direito Criminal, Eduardo Correia, II, pag. 209); 21) Exige-se também, quanto aos elementos subjetivos da continuação criminosa, a homogeneidade do dolo, bastando do “dolo de continuação”; 22) No caso “sub judice”, e atenta a factualidade que se respiga dos autos, estamos perante a prática do mesmo tipo de crime (abuso de confiança fiscal), factos que foram executados de forma essencialmente homogénea (através da não entrega à Administração Fiscal das prestações retidas e num período temporal limitado), no quadro da solicitação da mesma situação exterior (o acesso facilitado às referidas quantias, por estarem em poder do agente, a necessidade das mesmas para fazer face a outras despesas, atentas as dificuldades económicas da atividade desenvolvida pela arguida e à inércia da Administração Fiscal na sua cobrança); 23) Face aos factos que constam da acusação da fls., há que se considerar que estão preenchidos os pressupostos em que assenta a existência de um crime continuado, o que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes; 24) Nesta medida, coloca-se a problemática da violação do princípio “ne bis in idem”; 25) Trata-se de uma disposição que preenche o núcleo fundamental de um direito: o de que ninguém pode ser duplamente incriminado e punido pelos mesmos factos sob o império do mesmo ordenamento jurídico; 26) A expressão “julgado mais do que uma vez” não pode ser entendida no seu estrito sentido técnico-jurídica, tendo antes de ser interpretada num sentido mais amplo, de forma a abranger, não só a fase do julgamento, mas também outras situações análogas ou de valor equivalente, designadamente aquelas em que num processo é proferida decisão final, sem que, todavia, tenha havido lugar àquele conhecido ritualismo; 27) É o que sucede com a declaração judicial de extinção da responsabilidade criminal por amnistia, por prescrição do procedimento ou por desistência de queixa, situações em que, obviamente, o respetivo beneficiário não pode ser perseguido criminalmente pelo crime ou crimes objeto da respetiva declaração da extinção da responsabilidade criminal; 28) O atual Código de Processo Penal não contém uma regulamentação autónima sobre o instituto do caso julgado, pois só em dois artigos se reporta a ele (artigos 84º e 467º, nº 1), avançando a jurisprudência com várias alternativas, desde a aplicação análoga com base nos princípios gerais sobre o tema, à luz do regime anterior (CPP/29), até à aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (artigos 493º a 498º), quer da forma integral ou mitigada; 29) Não podemos deixar de olvidar que os novos factos ora em análise se encontram dentro do “mesmo crime”, no entanto, a questão não fica resolvida caso se entenda que estamos perante uma situação de crime continuado, que supõe a existência de várias resoluções criminosas, mas que o nº 2, do artigo 30º, do Código Penal qualifica desde logo como “um só crime continuado”; 30) Não podemos deixar de olvidar que a alteração ao artigo 79º do CP, com o acrescentamento do nº 2, alude especificamente para o repensar de uma nova pena que substitua a anterior, que apenas é possível “se (…) for conhecida uma conduta mais grave que integre a continuação”, desinteressando-se de agravar a responsabilidade do agente, apenas em virtude de uma reiteração; 31) Afigura-se que as condutas relativas à falta de entrega das prestações tributárias devidas aos cofres do Estado que foram tomadas em consideração no Processo Comum Singular nº 73/14.
9IDLRA, e as ora em causa nos presentes autos, supra especificadas, encontram-se integradas numa mesma continuação criminosa, uma vez que estamos perante condutas que preenchem várias vezes o mesmo tipo legal de crime, executadas por forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma solicitação exterior que diminui consideravelmente a culpa, pelo que estamos perante a prática pelo arguido de um único crime, na forma continuada; 32) Os “novos” factos aqui em causa nos presentes autos, e que integram a continuação, não consubstanciam a conduta mais grave, atendendo a que a prestação tributária concernente ao 3º trimestre de 2014, não representam o cometimento de crime com moldura mais...
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