Acórdão nº 1020/14.3T9CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE FRAN
Data da Resolução08 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA Nos autos de instrução que, sob o nº 1020/14.3T9CBR, correm termos pelo Juízo de Instrução Criminal de Coimbra, da Comarca de Coimbra, J1, em que é arguida A...

e assistente B...

, aquela, não se conformando com a acusação deduzida, que lhe imputava a prática de um crime de difamação agravada e calúnia, veio requerer a abertura de instrução.

Levada a efeito esta, viria a ser proferido despacho de não pronúncia.

Inconformado, o assistente interpôs o presente recurso, que motivou, concluindo nos seguintes termos: 1 – No âmbito dos presentes autos foi o Arguida ilibada pela prática do crime de difamação agravada, p. p. nos termos dos artigos 180º, n.º1, 183º n.1, alínea a) e 184º, todos do Código Penal, com referência ao art. 132º, nº2, alínea 1) do citado código.

2 – Salvo o devido respeito pela posição contrária, discordamos da decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, na interpretação jurídica e relevância dada à prova produzida, por entendermos que os mesmos não se adequam à veracidade dos factos e ainda no que respeita à motivação de facto e de direito; 3 – Em concreto, a relevância dada aos três testemunhos ouvidos em sede de Instrução, sendo estes claramente inquinados por relações pessoais e de dependência profissional, em detrimento de toda a prova documental constante nos autos, 4 – Bem como a desvalorização de testemunhos prestados em sede de Inquérito, como sejam os de E... ou de F... ; 5 - Da motivação da Decisão objecto do presente recurso resulta que a Mma. Juiza “a quo” considerou justificável a conduta da Arguida, atribuindo à liberdade de expressão em âmbito da disputa política não só limites mais amplos, mas definindo mesmo limites intangíveis.

6 - A prova produzida indicia, tal como resulta da acusação do Ministério Público, que “No dia 25 de Novembro de 2014, pelas 14h, no Salão Nobre do Edifício dos Paços do Concelho (…) a arguida, na qualidade de presidente da Câmara de (...) informou os presentes que iria retirar a confiança política do ofendido, enquanto vereador político, retirando-lhe os pelouros, tendo-o comparado a “Judas” e dizendo que ele era “incompetente” - tudo isto sem que o ofendido estivesse presente ou tivesse qualquer hipótese de contraditório - bem sabendo que as circunstâncias supra descritas que facilitam a sua divulgação, o que não ignorava, bem sabendo serem aquelas expressões aptas para o efeito, a arguida actuou com o intuito de ofender o assistente na sua honra e consideração e atingir o seu bom nome pessoal e profissional, o que alcançou.

7 - Numa sociedade democrática o exercício do direito de crítica não pode ser confundido com o achincalhamento e com a humilhação gratuita.

8 – Entrando clara e inequivocamente essas críticas à dimensão da esfera pessoal do visado, caracterizando-o não apenas como vereador, mas como ser humano, temos de considerar as mesmas como um exercício déspota e vil, visando apenas agredir o âmago da personalidade do Assistente, fazendo-o em público e de forma a que tal ataque fosse divulgado, como veio a ser.

9 – Assim, em resumo, dúvidas não restam, face à factualidade provada, que a conduta da Arguida é merecedora de censura penal, encontrando-se preenchidos os pressupostos objectivos e subjectivos de imputação do crime de difamação previsto e punido nos termos do disposto no art. 180º do C.P.

Termos em que, e com o douto suprimento de V. Exas. deve ser dado provimento ao presente recurso, julgando-se, em consequência, a Arguida pela prática do crime de difamação agravada, assim se fazendo JUSTIÇA! Respondeu o MP em primeira instância, concluindo pelo não provimento do recurso.

Também a arguida respondeu, retirando dessa sua peça as seguintes conclusões: 1.º Vem o assistente - B... - recorrer, de facto e de direito, da decisão instrutória de não pronúncia da arguida A... quanto à prática do crime de difamação agravada e calúnia, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1, 182.º, 183.º e 184.º do Cód. Penal, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. 1) do mesmo diploma legal.

  1. Contudo o recorrente não especifica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, nem as provas que devem ser renovadas, violando o disposto no artigo 412.º, n.º 3, al. a) do C.P.P..

  2. Acresce que não corresponde à verdade que os depoimentos recolhidos em sede de inquérito não tenham sido valorados pela decisão instrutória de não pronúncia; como se pode verificar a decisão de não pronúncia refere expressamente o seguinte, Cumpre agora apreciar os indícios recolhidos tanto em sede de inquérito como em sede de instrução, tendo a decisão instrutória efectivamente levado em consideração os indícios recolhidos não só na instrução mas também em sede inquérito.

  3. Do depoimento de E...

    resulta apenas que a arguida proferiu exatamente as mesmas expressões que a decisão instrutória de não pronúncia teve em consideração, pelo que não existem outros indícios para além daqueles que já foram considerados; e o mesmo se diga relativamente ao depoimento de F...

    que se limitou a dizer que o que escreveu no artigo do jornal (...) foi o que a arguida lhe tinha dito.

  4. Pretende ainda o recorrente descredibilizar a prova produzida em sede de instrução alegando que existe proximidade e relação profissional entre a arguida e as testemunhas; sucede, porém, que encontrando-se em análise a relação profissional que a arguida tinha com o assistente, bem como a convicção que aquela tinha sobre a competência, dedicação e lealdade deste, é natural que as testemunhas tenha alguma proximidade e se encontrem no âmbito das relações profissionais da arguida.

  5. As testemunhas, para conhecerem a relação profissional existente entre a arguida (Presidente da Câmara) e o assistente (Vice-Presidente da Câmara e depois vereador), tinham obrigatoriamente que ter trabalhado com ambos, caso contrário nada de relevante poderiam trazer aos autos; da mesma forma que as testemunhas pertencem às relações profissionais da arguida, também pertencem às relações profissionais do assistente, ora recorrente.

  6. Cumpre ainda ter presente que as testemunhas depõem sob juramento, pelo que sempre que haja algum indício de estarem a faltar à verdade o Ministério Público tem o dever de mandar extrair certidão para abrir novo processo de inquérito, o que não aconteceu no presente caso, aliás nem sequer tal foi equacionado.

  7. Em suma, não constam nos autos - nem podiam constar - quaisquer indícios contrários aos depoimentos proferidos pelas três testemunhas que o recorrente pretende agora descredibilizar, sendo certo que o recorrente teve oportunidade de produzir contraprova ou a prova do contrário, o que não logrou fazer.

  8. Por todo o exposto, dúvidas não restam (i) que os depoimentos produzidos em instrução correspondem à verdade e (ii) que o depoimento das duas testemunhas, E... e F...

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