Acórdão nº 1675/13.6TBCLD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução28 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório M (…), com os sinais dos autos, intentou ([1]) ação declarativa de condenação, então sob a forma de processo ordinário ([2]), contra “E (…) Ld.ª”, também com os sinais dos autos, pedindo a condenação da R. no pagamento à A. da quantia de € 60.000,00, correspondente ao valor do sinal por esta pago aquando da assinatura de contrato-promessa de compra e venda elaborado pela R., acrescida de juros moratórios respetivos, à taxa legal, desde a citação.

Para tanto, alegou, em síntese, que ([3]): - tendo contactado a R., para aquisição de uma casa de férias na zona de X (...) , o comercial daquela deu-lhe a conhecer um empreendimento situado em Y (...) , enaltecendo o profissionalismo e a boa situação financeira do construtor, bem como a segurança do investimento; - na sequência, a A. celebrou, em 24/08/2010, um contrato-promessa de compra e venda com a sociedade “M (…), Lda.”, que teve por objeto uma fração autónoma sita naquele empreendimento, contrato esse elaborado pela R., como mediadora imobiliário interveniente no negócio; - a R. sabia que a “M (…), Lda.” não era a construtora do empreendimento, que não detinha licença de construção e que as obras estavam embargadas pela Câmara Municipal de X (...) , tendo omitido essas informações à A.; - esta somente celebrou o contrato-promessa por ter confiado nas informações prestadas pela R., a qual, violando os seus deveres enquanto mediadora (mormente, deveres de informação), induziu a A. em erro quanto às qualidades do imóvel e do negócio, omitindo a existência de um embargo da obra e a falta de licença de construção; - a “M (…), Lda.” veio a ser declarada insolvente e a A. não conseguiu reaver a importância prestada de € 60.000,00, entregue a título de sinal.

A R. contestou, concluindo pela improcedência da ação, para o que alegou: - desconhecer os termos em que o negócio foi apresentado pelo seu comercial; - ter a A. negociado a compra diretamente com o representante da promitente-vendedora, sendo a R. alheia às condições que aqueles entenderam estabelecer; - inexistir vínculo laboral daquele comercial relativamente à R., pelo que esta não tem responsabilidade (indemnizatória); - constarem do contrato-promessa todas as informações de que a R. dispunha, não sendo da responsabilidade desta o facto de a A. ter entregue a quantia de € 60.000,00, a título de sinal, e ter prometido adquirir uma fração em construção, a ser edificada em imóvel não pertença da promitente-vendedora e com licença de construção ao tempo a pagamento; - perante a documentação que lhe foi entregue, não tinha a R. razões para suspeitar que o empreendimento não tivesse licença de construção ou que as obras estivessem embargadas, tendo confiado que tudo estava em conformidade, sendo que a A., por sua vez, apesar de saber dos problemas de falta de licença e embargo, não se inibiu de ainda entregar mais € 10.000,00, sem a tal ser aconselhada pela R..

A A. deduziu incidente de intervenção principal provocada de “F (…) - Companhia de Seguros, S. A.

”, o que foi admitido.

Esta, por sua vez, contestou, concluindo pela improcedência da ação e pela sua absolvição, para o que esgrimiu desconhecer os factos alegados, inexistir responsabilidade civil por parte da R., com a consequência de não haver obrigação de ressarcimento a cargo do segurador de responsabilidade civil daquela.

Realizada audiência prévia, saneado o processo, enunciados o objeto do litígio e os temas da prova, procedeu-se depois à audiência final, com produção de provas, seguida de sentença – incorporando decisão de facto e de direito –, pela qual foi a ação julgada improcedente, com absolvição da R. do pedido, dispositivo que veio a ser corrigido (ampliado), de molde a traduzir também a absolvição da seguradora interveniente do peticionado ([4]).

Inconformada, apelou a A., apresentando alegação e oferecendo as seguintes (…) A R. e a Interveniente Apeladas contra-alegaram, pronunciando-se sobre as questões suscitadas em sede de recurso e concluindo pela total improcedência da apelação.

A Interveniente, ademais, requereu a ampliação do objeto do recurso e interpôs recurso subordinado, arguindo a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, em virtude de o dispositivo daquela não conter pronúncia/absolvição de tal Interveniente, âmbito este em que, como referido, ocorreu sanação da nulidade pelo Tribunal recorrido (despacho de fls. 362 e seg.), razão pela qual o recurso interposto por essa Interveniente (incluindo a requerida ampliação de objeto) foi julgado sem efeito (cfr. despacho de fls. 368 e seg.), razão pela qual não cabe aqui conhecer dessa matéria.

*** O recurso interposto pela A. foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

*** II – Âmbito do Recurso Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor e aplicável na fase recursiva (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([5]) –, cabe decidir, sobre matéria de facto e de direito, quanto ao seguinte:

  1. Se houve erro de julgamento quanto à decisão da matéria fáctica, implicando a alteração dessa decisão; b) Se foi alegada e ocorreu causa extintiva do contrato-promessa (designadamente, resolução por incumprimento ou recusa perentória de cumprimento) imputável à promitente-vendedora; c) Se estão as Apeladas (imobiliária e respetiva seguradora) constituídas na obrigação de indemnizar.

*** III – Fundamentação

  1. Da impugnação da decisão da matéria fáctica 1. - A Apelante, no âmago da sua pretensão recursória, manifesta inconformismo com a decisão da matéria de facto, visando a alteração dessa decisão, centrando-se nos pontos 5.º a 8.º da factualidade considerada não provada na sentença, que entende dever ser julgada provada, mais requerendo que, complementarmente, se julgue provado que a R. Imobiliária sabia que o processo de obras mencionado no contrato-promessa era titulado por “D (…), Ld.ª” e não pela promitente vendedora (“M (…) , Ld.ª”), mas omitiu tal informação à A..

    Esperava-se, por isso, que a Apelante, ao pretender impugnar a decisão de facto, esclarecesse/concretizasse devidamente, não só quais os factos que, na sua ótica, o julgador julgou erradamente, como ainda quais as provas que, uma vez criticamente analisadas/valoradas, obrigavam a uma decisão diversa da adotada em sede de decisão de facto, no sentido de delimitar, de forma motivada, o âmbito fáctico e probatório da impugnação de facto.

    Com efeito, ao impugnar a decisão da matéria de facto, o recorrente, sob pena de rejeição, deve indicar sempre, para além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, enunciando-os na motivação de recurso e sintetizando-os nas respetivas conclusões, os concretos meios probatórios que, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, impunham decisão diversa da adotada quanto aos factos impugnados, indicando com exatidão, se for o caso, as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição ([6]).

    É que, em sede de impugnação da decisão de facto, cabe ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria litigiosa, face aos elementos a que teve acesso, tratando-se, assim, da verificação quanto a um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas (formação e fundamentação da convicção), aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento.

    Para tanto, se o Tribunal de 2.ª instância é chamado a fazer o seu julgamento dessa específica matéria de facto, o mesmo é comummente restrito a pontos concretos questionados – os objeto de recurso, no mesmo delimitados –, procedendo-se a reapreciação com base em determinados elementos de prova, concretamente elencados, designadamente certos depoimentos indicados pela parte recorrente.

    Como explicita Abrantes Geraldes ([7]), “A motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objectivo procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamará, de forma sintética, nas conclusões”. E acrescenta que se, “para atingir o resultado declarado o tribunal a quo assentou em determinada motivação, dando respostas às diversas questões, as conclusões devem elencar os passos fundamentais que, na perspectiva do recorrente, deveriam ter sido dados para atingir os objectivos pretendidos” ([8]).

    No caso, mediante leitura conjugada das conclusões da Recorrente com a sua alegação recursiva, conclui-se pelo cumprimento suficiente dos ónus legais a cargo da impugnante da decisão de facto – cfr. art.º 640.º do NCPCiv., conjugado com o art.º 639.º do mesmo Cód. ([9]) –, razão pela qual haverá de alterar-se o decidido se “os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem...

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