Acórdão nº 1597/15.6T8CVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelALBERTO RU
Data da Resolução28 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório ([1]) a) Os autores instauraram a presente ação declarativa contra os Réus recorridos e ainda contra os Réus M (…) e marido C (…) e G (…) e marido J (…) com o fim de, grosso modo, obterem a condenação dos Réus nos seguintes termos: Solidariamente, a expensas suas, a demolirem as obras devidamente identificadas nos artigos 38.º a 41.º, 45.º, 46.º e 51.º a 53.º, repondo a situação em que se encontrava o logradouro antes de as mesmas serem realizadas (trata-se de um arrumo construído em tijolo e cimento que alberga dois depósitos de gasóleo para aquecimento; um barbecue; um terraço e uma vedação onde antes existia um espaço aberto), no prazo de 10 dias contados do trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida neste processo e ainda, solidariamente, a pagarem a título de sanção pecuniária compulsória EUR 50,00 por cada dia de atraso no cumprimento da demolição.

    Alegam, em síntese, que os Réus recorrentes edificaram aquelas construções numa área atribuída pelo título de constituição da propriedade horizontal apenas aos Autores recorridos e aos Réus recorrentes e que estes últimos levaram a cabo as construções sem terem obtido prévio acordo dos Autores, muito embora tenha existido entre uns e outros um acordo segundo o qual os Réus recorrentes procederiam à realização daquelas obras, mas na condição de uns e outros dividirem o espaço em duas metades, através de uma linha perpendicular à Rua x (...) , ficando as obras na parte destinada aos Réus recorrentes, devendo os Réus recorrentes consentir mais tarde na construção, na outra metade, de uma garagem, se a autarquia o autorizasse.

    Sustentam que o espaço não foi dividido e os Réus recorridos apoderam-se de todo ele, excluindo os Autores, e daí o pedido.

    Os Réus contestaram e na parte que agora ainda interessa, referiram, em síntese, que o espaço em causa pertence em compropriedade aos recorrentes e aos Autores, pelo que não careciam de pedir autorização aos Autores para edificarem as referidas construções, as quais, foram executadas com consentimento dos próprios Autores, salvo os canteiros de flores, antes da constituição da propriedade horizontal, pelo que o pedido de demolição constitui abuso de direito.

    Deduziram reconvenção para obterem a condenação dos Autores a reconhecerem a validade das ditas obras e a colaborarem na legalização das mesmas.

    No final, foi proferida a seguinte decisão: «…decide-se julgar parcialmente procedente presente ação e, consequentemente condenar os primeiros réus, (…) a:

    1. Reconhecer que as obras de ampliação do terraço com pavimento em azulejo e edificação de um muro em cimento com cerca de setenta cêntimos de altura e duzentos e oitenta metros de comprimento foram efetuadas sem consentimento dos autores comproprietários por não ter sido cumprida a condição imposta de construção de uma garagem no logradouro comum; b) Reconhecer que as obras de vedação do muro do logradouro comum às fracções A e B e, bem assim as obras de colocação de canteiros, sebes e arbustos em vários sítios, abertura de pequenos caminhos e colocação de estátuas em pedra no mencionado logradouro foram efetuadas sem consentimento dos autores comproprietários; c) Condenar os réus acima identificados a repor a situação em que se encontrava o logradouro antes das referidas obras serem realizadas, no prazo de 60 dias, após a data do trânsito em julgado da presente sentença.

    2. Condenar os réus acima identificados a pagar aos autores a quantia de cinco euros por cada dia de atraso na reposição do logradouro nas circunstâncias supra descritas.

    3. No demais, julgar improcedente a presente ação absolvendo todos réus do peticionado.

    4. Julgar improcedente a reconvenção absolvendo os autores/reconvindos do peticionado».

    5. É desta decisão que recorrem os Réus (…), tendo formulado s seguintes conclusões: (…) c) Os Autores contra-alegaram referindo que o recurso deve ser rejeitado na parte em que impugna a matéria de facto por incumprimento do ónus de alegação previsto no artigo 640.º do C.P.C. e da consequente extemporaneidade de todo o recurso, pugnando, em todo o caso, pela manutenção da decisão sob recurso.

  2. Objecto do recurso De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e por fim com as atinentes ao mérito da causa.

    Tendo em consideração que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes ([2]): 1. A primeira questão respeita à rejeição do recurso na parte em que impugna a matéria de facto por incumprimento do ónus de alegação previsto no artigo 640.º do C.P.C. e da consequente extemporaneidade de todo o recurso.

    2 - Em segundo lugar, colocam-se as questões relativas à impugnação da matéria de facto.

    Os recorrentes impugnam a matéria de facto provada constante dos pontos 33, 35, 36, 37, 45 e 46 da sentença.

    Quanto ao facto 33: «Em data posterior à constituição da propriedade horizontal, os primeiros réus com a colaboração do autor marido edificaram um terraço com pavimento de azulejo, com cerca de 7,5 m2 de área e limitado por um muro feito em cimento com cerca de 70 cm de altura e 2,80 metros de comprimento, terraço este que, estando construído junto da parede lateral do edifício e atenta a sua área, acaba por ocupar o logradouro que pertence à fração A e parte do logradouro que é comum às frações A e B».

    Pretendem que fique a constar que estas construções foram realizadas «Em data anterior à constituição da propriedade horizontal, em 2003».

    Quanto ao facto provado 35: «Aquando da realização das obras de ampliação do terraço o autor marido abordou os réus informando-os de que permitiria a realização de tais obras na condição de um dia mais tarde o logradouro ser dividido em duas partes sensivelmente iguais, situando-se a linha divisória a meio do limite do logradouro».

    Pretendem que este facto seja declarado não provado.

    Facto provado 36: «Em face dessa divisão, os autores ficariam com a metade do logradouro onde está aposta a letra “A” e na qual, caso fosse autorizado pela entidade competente, tinham intenção de aí construir uma garagem para o que os primeiros réus dariam o necessário consentimento».

    Pretendem que seja declarado não provado.

    Facto provado 37: «E os primeiros réus ficariam com a metade do logradouro A/B onde se encontra aposta a letra “B” a qual confina diretamente com a fração de que são proprietários».

    Pretendem que seja declarado não provado.

    Facto provado 45: «Para além disso, os primeiros réus edificaram no logradouro diversos canteiros em cimento nos quais colocaram flores e vários tipos de plantas, plantaram sebes e arbustos em vários sítios, colocaram gravilha em alguns locais do solo, abriram pequenos caminhos, colocaram estátuas em pedra» Pretendem que se retire a referência aos «réus», e à «gravilha» dizendo-se «Foram edificados diversos canteiros…» e se acrescente «… há muitos anos» e que se acrescente que «O Autor marido colocou gravilha em alguns locais do solo».

    Facto provado 46: «O que fizeram sem conhecimento, consentimento ou autorização dos autores».

    Pretendem que seja declarado não provado.

    3 - Quanto ao aspeto jurídico.

    A primeira questão a analisar consiste em saber se ao logradouro se aplica o regime da compropriedade, como pretendem os Recorrentes, ou o da propriedade horizontal, como foi defendido pelos Autores na sua petição inicial.

    Em segundo lugar, cumpre verificar, se, face à eventual alteração da matéria de facto relativamente à data da execução das construções feitas no logradouro, como tendo sido feitas em data anterior à data da constituição da propriedade horizontal, tal facto priva os Autores da constituição de qualquer direito que lhes permita pedir o regresso do logradouro ao estando físico em que se encontrava antes de aí terem sido feitas as construções.

    Por fim, se existe abuso de direito quanto ao pedido de demolição das obras por parte dos Autores, uma vez que quando os Autores e os 1.º Réus aceitaram a doação das frações, mormente do logradouro A/B, as aceitaram com as edificações que já lá se encontravam, nomeadamente o terraço e o jardim e por terem sido realizados pelos Autores ou com o seu consentimento.

  3. Fundamentação a) Rejeição do recurso Vejamos se o recurso deve ser rejeitado na parte relativa à impugnação da matéria de facto, por alegado incumprimento do ónus de alegação previsto no artigo 640º do C.P.C., o que, a verificar-se, tornaria o recurso extemporâneo.

    A resposta é negativa.

    Os recorrentes cumpriram minimamente as exigências legais relativas à impugnação da matéria de facto mencionadas no artigo 640.º do CPC, pois fizeram referência às passagens dos depoimentos que entenderam relevantes, muito embora não tivessem indicado, como diz a lei ([3]), através da referências aos minutos e segundos, o local exato ou aproximado dessas passagens dentro espaço temporal ocupado pelo depoimento.

    Porém, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem-se mostrado tolerante em relação a este incumprimento ([4]).

    Por conseguinte, afigura-se que estão suficientemente delimitadas as passagens dos depoimentos que o recorrente entendeu serem relevantes.

    Improcede, pelo exposto, a pretensão dos recorridos.

    1. Impugnação da matéria de facto Antes de iniciar análise da impugnação da matéria de facto irão referir-se algumas considerações que ajudarão mais tarde a perceber o sentido da formação da convicção do tribunal.

      Uma vez que a ação humana assume uma importância fundamental na compreensão dos factos submetidos a prova, antes de prosseguir com a apreciação individualizada das questões colocadas no recurso da matéria de facto, cumpre deixar aqui exarada uma breve exposição acerca da compreensão e explicação da ação humana, que permitirá entender...

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