Acórdão nº 4185/14.0T8VIS-K.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelJAIME CARLOS FERREIRA
Data da Resolução20 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I No Tribunal Judicial da Comarca de Viseu - Viseu - Juízo de Comércio - Juiz 2, em 19 de Setembro de 2016, A...

e J...

, residentes, respectivamente, na ..., intentaram a presente ação de verificação ulterior de créditos contra a Massa Insolvente de A..., L.da, com sede na ...; contra os credores da sociedade; e contra a devedora A..., L.da.

Pedem que se reconheçam os seus alegados créditos sobre a insolvente, referente a retribuições em dívida de 2013, no valor de €8.000,00 (A...) e de €8.400,00 (J...); que se decrete a nulidade dos contratos de trabalho celebrados em 1 de Agosto de 2014, mantendo-se integralmente os contratos em vigor até aí; e que se reconheça o crédito dos Autores por diferenças salariais, agora sobre a massa insolvente, que deverá ser condenada a pagá-las a ambos os autores, referente ao período entre 1 de agosto de 2014 e 31 de agosto de 2016, no valor, respetivamente, de €6.500,00 e €7.800,00, assim como as diferenças salariais que se vencerem desde a propositura da ação e até à data em que a ré reponha a retribuição devida.

Alegam, em síntese, que trabalharam para a devedora, sob a autoridade, direção e fiscalização dos seus legais representantes, até 31 de Julho de 2014, na farmácia que esta explorava em ..., denominada Farmácia ..., mediante o recebimento, o primeiro, da retribuição mensal ilíquida de €1.000,00, o segundo da retribuição mensal ilíquida de €1.050,00, acrescidas de subsídios de férias e de natal em igual montante e de um subsídio de alimentação de €4,27, que por força da aquisição da farmácia por trespasse, em 1 de Agosto de 2014, passaram a desempenhar funções para a sociedade Farmácia ..., Unipessoal, L.da e que, por imposição desta sociedade, celebraram novos contrato de trabalho com a redução da retribuição para €750,00 ilíquidos mensais.

Acrescentam que por força da resolução do trespasse em benefício da massa insolvente a farmácia passou a ser explorada pela massa insolvente e passaram a trabalhar para esta, sob a autoridade, direção e fiscalização do Sr. Administrador da Insolvência, consideram ainda que deve ser-lhes reposta a retribuição antes da redução do salário.

Mais alegam que não receberam as retribuições dos meses de junho, julho, agosto, setembro, outubro e novembro de 2013, para além dos subsídios de férias e de Natal desse mesmo ano.

II Contestou a Massa Insolvente demandada, defendendo que não são devidas quaisquer diferenças salariais desde 1 de Agosto de 2014 até à data da declaração de insolvência e/ou até ao dia 5 de Maio de 2015, data em que a ré tomou posse do estabelecimento de farmácia e, bem assim, que a serem devidas tais diferenças salariais relativas àquele período, não é a Massa Insolvente responsável pelo seu pagamento; mais alega que os autores reclamaram créditos que foram reconhecidos definitivamente; concluiu pela procedência da contestação, com as legais consequências.

III Foi determinada a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem sobre a tempestividade da presente ação – fls. 26.

Os Autores pronunciaram-se referindo que o direito à retribuição é irrenunciável e que o incumprimento da massa insolvente é continuado, pelo que poderão reclamar os seus créditos pelo menos até três meses após a cessação do incumprimento.

Concluem que a ação deve ser considerada, ao menos parcialmente, tempestiva.

*** A Massa Insolvente pronunciou-se no sentido da ação ser julgada intempestiva.

IV Foi dispensada a realização da audiência prévia uma vez que as partes já se haviam pronunciado sobre a tempestividade da propositura da presente ação e já se haviam pronunciado sobre a responsabilidade do pagamento.

De seguida foi proferido o seguinte despacho/sentença: “Há que proceder em conformidade com o estatuído no artigo 595.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil, para o que resultam provados os factos mencionados no relatório e ainda os seguintes: 1. Nos autos de insolvência dos quais os presentes autos de verificação ulterior de créditos são apenso, por sentença proferida a 10 de fevereiro de 2015, transitada em julgado em 3 de março de 2015, foi declarada a insolvência de A..., L.da, tendo sido fixado o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.

  1. No apenso de reclamação de créditos, por sentença proferida no dia 4 de novembro de 2016, ainda não transitada em julgado, foram reconhecidos aos autores A... e J..., na sua qualidade de trabalhadores da insolvente, créditos no valor de €1.619,67 (mil seiscentos e dezanove euros e sessenta e sete cêntimos) e €2.407,17, (dois mil quatrocentos e sete euros e dezassete cêntimos), respetivamente.

    Depois do decurso do prazo fixado para a reclamação de créditos na sentença declaratória da insolvência, é possível reconhecer outros créditos, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de ação proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor (art.º 146.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, diploma a que pertencem as demais normas sem indicação de origem).

    A reclamação de créditos nos termos desta disposição legal não pode ser apresentada pelos credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129.º, exceto tratando-se de créditos de constituição posterior [alínea a)], por outro, só pode ser apresentada nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respetiva constituição, caso termine posteriormente [alínea b), ambas do n.º 2, do artigo 146.º].

    Os prazos previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo 146.º, quer se considere que têm natureza substantiva, quer processual, correm seguidos, não se suspendendo nas férias judiciais (cfr. arts. 328º nº1 do Código Civil e 138º nº1, parte final, do Código de Processo Civil).

    Os créditos peticionados nestes autos relativos a retribuições de 2013 e diferenças salariais desde 1 de agosto até à data da declaração de insolvência, foram constituídos em data anterior a esta sentença.

    A sentença de declaração de insolvência transitou em julgado em 3 de março de 2015. A presente ação deu entrada em juízo no dia 19 de setembro de 2016, ou seja decorridos mais de seis meses a contar do trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência; por outro lado, pelo menos os créditos mencionados no parágrafo anterior não são de constituição posterior, pelo facto do seu vencimento ser anterior a essa data.

    Assim, quando a presente ação entrou em juízo, em relação àqueles créditos já tinha decorrido o prazo previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 146.º.

    Não é pacífica a questão da natureza do prazo a que alude esta disposição.

    A jurisprudência diverge quanto à questão da natureza e regime do prazo a que alude a alínea b) do n.º 2 do artigo 146.º, o que determinou, além do mais, que não se tivesse tomado posição sobre a questão aquando da prolação do despacho relativo à citação (v. fls. 11 –ref.ª 78150989).

    Em relação à natureza do prazo existem duas posições:

    1. Uma defende que está em causa um prazo processual, cujo decurso extingue o direito de praticar o ato (art.º 139.º, n.º 3, do Código de Processo Civil; neste sentido Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-04-2015 e 07-06-2016, Processos n.º 664/10.7YLSB-AB.L1-7 e 1567/13.9TYLSB-I.L1-7, Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10-04-2014 e 27-03-2014 Processos nº 1218/12.9TJVNF-N.P1 e 1218/12.9TJVNF-W.P1); b) Outra que defende que está em causa um prazo de caducidade que não é de conhecimento oficioso (art.º 329.º e 331.º, n.º 1, do Código Civil; entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06-02-2014, Processo 1551/12.0TBBRG-C.G1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-10-2016, Processo 600/14.1TBPBL-E.C1).

      Defendemos a primeira posição.

      Conforme foi destacado no voto de vencido do citado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-10-2016 (Processo n.º 600/14.1TBPBL-E.C1, in www.dgsi.pt), nos termos previstos no artigo 90.º, os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e só podem ser pagos se estiverem verificados no processo de insolvência por sentença transitada em julgado (art.º 173.º).

      Apesar da verificação ulterior de créditos corresponder a uma ação que corre por apenso aos autos da insolvência e seguir, atualmente, os termos do processo comum de declaração (art.º 148.º), o respetivo direito só pode ser exercido no prazo previsto na alínea b), do n.º 2 do artigo 146.º.

      Estando em causa uma ação que constitui parte integrante do processo de insolvência, o prazo previsto para a propositura da ação, à semelhança do prazo geral da reclamação de créditos, é um prazo processual, que não está na disponibilidade das partes, constituindo, assim, um prazo processual e não de caducidade.

      É um prazo perentório, cujo decurso extingue o direito de praticar o ato (art.º 139.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 17.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), deste modo, quando a presente ação entrou em juízo já os autores tinham perdido o direito de a intentar, pelo menos, em relação aos créditos vencidos até à declaração de insolvência.

      Tratamento diverso merece a questão dos créditos vencidos após a declaração da insolvência, sem prejuízo da posterior apreciação da responsabilidade da massa insolvente pelo pagamento dos créditos vencidos desde a declaração da insolvência até à data em que passou a explorar a farmácia.

      Os créditos vencidos, pelo menos a partir desta última data correspondem a eventuais dívidas da massa insolvente – cfr. art. 51º, nº1, alínea c) – que devem ser pagas nos termos do art. 172º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, para o que deve o Sr. Administrador da Insolvência ser interpelado, já que apenas a massa insolvente é contraparte.

      Pelo que tais...

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