Acórdão nº 1747/14.0T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIM
Data da Resolução20 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório C..., divorciado, natural de Angola e residente na Avenida ..., instaurou contra F..., divorciada, natural de França e residente na Rua ..., acção declarativa, a seguir a forma única do processo comum, pedindo a final: a) seja declarado que se encontra privado desde Novembro de 2013 do uso do bem comum – apartamento – a que igualmente tem direito; b) seja a ré condenada a pagar ao A. a quantia mensal de €250 desde Novembro de 2013, inclusivé, até ao momento em que aquela deixe o bem comum – apartamento – livre e desocupado, para arrendamento a terceiros.

    Em fundamento alegou, em síntese, ter vivido em união de facto com a ré, relacionamento de que resultou o nascimento do filho menor do casal D... Em 23/04/2004, o demandante e a ré, sua então companheira, adquiriram em regime de compropriedade a fracção autónoma que identificou, a qual se encontra registralmente inscrita em favor de ambos.

    Por sentença proferida nos autos de processo comum singular que correu termos pelo então 2.º juízo ..., foi o Autor condenado à proibição de contactos com a Ré durante dois anos, incluindo o afastamento da residência desta, fixada na fracção autónoma antes identificada. Em razão da referida decisão judicial encontra-se o demandante privado do uso da mesma, vivendo num sótão que lhe foi emprestado e enfrentando dificuldades económicas.

    Por carta registada de 20/10/2014 o Autor notificou a Ré da sua pretensão de arrendar o apartamento a terceiros, não tendo recebido desta qualquer resposta. Devendo ter-se como assente que a fracção de que A. e R. são comproprietários tem valor locativo não inferior a €500,00 mensais, é esta devedora da quantia de €250,00 desde a data em que o demandante se viu privado do uso da mesma e até à sua efectiva desocupação nos termos peticionados.

    Regularmente citada, a ré apresentou contestação, peça na qual alegou ter mantido com o autor união de facto que perdurou entre os anos de 2003 e 2011, data em que cessou por acordo, mantendo-se ambos a residir na fracção autónoma adquirida em 2004 em regime de compropriedade e que era a casa de morada de família. Só em 2013, e na sequência da decisão judicial pelo próprio demandante referida, é que este deixou de usar a fracção, uso que nunca foi impedido pela contestante, que nela continuou a residir como até então no exercício dos seus poderes de comproprietária, pelo que nenhuma compensação é àquele devida.

    Mais alegou que desde Outubro de 2011 vem suportando sozinha as prestações relativas à amortização do empréstimo que por ambos foi contraído para pagamento do preço da fracção, sendo o réu devedor de metade do valor até agora despendido, à semelhança do que ocorre com as quotas de condomínio, que vem satisfazendo em exclusivo desde Setembro de 1010, num total de €630,00. Considerando que tais despesas deveriam ser igualmente suportadas pelo autor na proporção da sua quota, formulou a final pedido reconvencional pedindo a condenação do reconvindo no pagamento da quantia de €5 022,00 e juros vincendos, acrescida de metade dos valores que se forem vencendo após a entrada da contestação e pagas pela ré por conta do mútuo identificado e condomínio da fracção.

    O autor respondeu à matéria do pedido reconvencional impugnando os montantes reclamados e reconhecendo ser devedor da quantia de 4.096,22€, concluiu no sentido do pedido reconvencional dever “ser julgado parcialmente provado nos termos acima vertidos”.

    Admitido o pedido reconvencional e fixado valor à causa, foi agendada a realização de tentativa de conciliação, tendo a Mm.ª juíza feito consignar no despacho então proferido que “Atendendo ao que é peticionado nestes autos pelo Autor (que me parece consistir numa questão de Direito e tendo presente que, considerando a data do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o afastamento do Autor da casa de que é proprietário conjuntamente com a Ré terminará em 13.01.2016, cfr. fls. 62), e a confissão de parte significativa do pedido reconvencional (a Ré pede € 5.022,50 e o Autor reconhece dever-lhe € 4.096,22), considero útil a convocação de uma tentativa de conciliação com vista à obtenção de uma solução consensual para o litígio”.

    Tentada a conciliação das partes na diligência que para tanto teve lugar e na qual esteve presente o autor, acompanhado do Il. Patrono nomeado, tal como ficou a constar da acta respectiva, frustrou-se a mesma, tendo as partes mantido “as divergências apontadas nos seus doutos articulados”.

    Da mesma acta ficou a constar ter a ré declarado que “considerando a confissão parcial vertida na douta réplica, aceita reduzir o pedido reconvencional à quantia de €4.096,22 acrescido de metade das prestações que se tiverem vencido desde março 2015 e as entretanto vincendas, seja a título de prestação de condomínio, seja a título de prestações bancárias”, redução do pedido a que o Ilustre Patrono do autor declarou nada ter a opor.

    Foi de seguida proferido douto despacho saneador-sentença que decretou a improcedência da acção, com a consequente absolvição da ré dos pedidos formulados, e a parcial procedência da reconvenção, condenando o autor/reconvindo a pagar à ré/reconvinte a quantia de €4.096,22, acrescida dos juros de mora à taxa legal contados desde a notificação do pedido reconvencional, e metade das despesas resultantes do empréstimo bancário ou despesas de condomínio que a Ré, a partir de 09.03.2015, tenha suportado ou venha a suportar exclusivamente.

    Inconformado com a decisão apelou o autor e, tendo desenvolvido nas alegações apresentadas as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões: ...

    Contra alegou a ré-reconvinte, defendendo a manutenção do julgado.

    A Mm.ª juíza pronunciou-se no sentido da sentença não padecer de quaisquer vícios.

    Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões suscitadas no recurso: i. Das nulidades da sentença; ii. Do erro de julgamento, nomeadamente por insuficiência da matéria de facto para a decisão e do direito do autor a uma compensação pela privação do uso.

    i. das nulidades da sentença O réu suscitou nas suas alegações a nulidade da sentença, no segmento em que julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional e o condenou a pagar à reconvinte o montante de €4.096,22, acrescido dos juros de mora à taxa legal desde a notificação do pedido reconvencional, e metade das despesas resultantes do empréstimo bancário ou despesas de condomínio que a Ré, a partir de 09.03.2015, suporte ou tenha suportado exclusivamente, invocando que tal decisão se baseia “em acordo nulo obtido em sede de tentativa de conciliação”, a qual teve lugar na ausência do autor, que se encontrava “no átrio do tribunal no momento dessa discussão”, a tudo acrescendo que “o Patrono não possuía poderes especiais para transigir”, pelo que o acordo assim obtido “deveria ter sido oficiosamente declarado nulo em abono do disposto no art.º 291.º, n.ºs 1 e 3 do CPC”.

    O recorrente invoca assim a nulidade do aludido segmento decisório por ter sido, em seu dizer, omitida a prática de actos prescritos por lei, omissão que, por ter influenciado a decisão, é produtora de nulidade nos termos dos art.ºs 195.º e 291.º do CPC.

    Tal arguição assenta, contudo, num equívoco, conforme se procurará demonstrar.

    Refira-se, antes de mais, que as nulidades da sentença respeitam ao conteúdo que a lei prescreve para essa peça processual, em estreita conexão com o art.º 608º do CPC, não devendo confundir-se com a nulidade decorrente da prática de um acto indevido ou omissão de um acto processualmente relevante, subsumível ao regime do art.º 195º do CPC.

    Com efeito, “A nulidade do ato processual (…) distingue-se das nulidades específicas das sentenças e dos despachos (…), bem como do erro material (…) e do erro de julgamento (de facto e de direito). Enquanto estes casos respeitam a vícios de conteúdo, o vício gerador da nulidade do art.º 195º, (…), respeita à própria existência do ato ou às suas formalidades”[1], seguindo o regime de arguição fixado nos art.ºs 198.º e 149.º, n.º 1 do CPC.

    Tendo presente tal distinção, claro se torna que o recorrente imputa à sentença um vício de substância, não integrando a previsão do art.º 615.º nem correspondendo a um vício de procedimento.

    De todo o modo, importa precisar que a sentença proferida, no segmento impugnado, não homologou qualquer acordo, por inexistente, antes tendo procedido ao julgamento da causa tendo por base a factualidade apurada nos autos, designadamente o reconhecimento feito pelo reconvindo, no articulado de resposta, de que a ré/reconvinte procedera ao pagamento da quantia global de €8192,45, soma das prestações por si satisfeitas relativas à amortização do empréstimo por ambos contraído para aquisição da habitação e quotas de condomínio.

    Cumpre a este propósito esclarecer que o réu, na contestação, para além do reconhecimento dos factos antes referidos, confessou-se igualmente devedor da quantia de €4096,22, correspondente a metade do montante que reconheceu ter sido despendido pela reconvinte. Ora, a confissão do ou de parte do pedido a que se referem os art.ºs 283.º e 284.º do CPC só poderá ser feita validamente por mandatário (ou patrono nomeado), desde que munido de poderes especiais para o efeito (cf. n.º 2 do art.º 45.º...

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