Acórdão nº 472/14.6T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução06 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO S (…) intenta a presente ação declarativa, a prosseguir como processo especial de prestação de contas, contra: C (…) e marido, J (…), Pedindo a condenação dos Réus a entregar-lhe, com juros desde as datas de apropriação dos indicados movimentos: a) Os valores retirados das contas desta na Caixa Geral de Depósitos e na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Pombal, no montante global de € 200.000,00; b) O preço de € 205.840,00 recebido da venda do imóvel de sua propriedade; c) O valor correspondente a 993 unidades de participação de certificados de aforro existentes em seu nome no Instituto de Gestão de Tesouraria e do Crédito Público.

Os réus contestam, excecionando a ilegitimidade passiva do réu marido, alegando ainda, quanto ao mérito da causa: a ré prestava assistência à autora e ao seu falecido marido durante praticamente vinte e quatro horas por dia e que os levantamentos bancários foram feitos para pagar despesas daqueles, sempre com o conhecimento da autora; a autora doou aos filhos da ré a quantia de € 131.000,00 a que se refere um dos movimentos bancários e doou à ré € 8.660,00 e € 23.000,00; o imóvel, cuja venda a autora presenciou, foi, na verdade, vendido apenas por € 131.000,00.

Concluem pela absolvição do R. marido da instância e pela improcedência da ação relativamente a ambos os réus, deduzindo a Ré mulher reconvenção com vista ao ressarcimento pela assistência que prestou à autora e ao seu falecido marido, no valor total de € 24.000,00.

Na sequência de desistência da autora, foi declarada extinta a instância relativamente ao réu J (…).

Falecida a autora na pendência da ação, foi proferida decisão a julgar habilitado P (…)para, na qualidade de seu sucessor prosseguir os ulteriores termos da ação em seu lugar.

Determinado o prosseguimento dos presentes autos como ação especial de prestação de contas, a ré C (…), citada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 942º do Código de Processo Civil, veio deduzir contestação, alegando, em síntese que, sem colocar em causa a procuração que lhe foi outorgada, não está obrigada a prestar contas já que tal foi feito num contexto específico, pela circunstância de ser intenção da autora (e seu falecido marido) institui-la, por morte, como sua única herdeira e de todo o património, em contrapartida da mesma deles cuidar. O que passou a fazer, desde Agosto de 2013 até 28/05/2014, sem que nada tivesse recebido em troca.

O autor/habilitado veio responder remetendo para o já anteriormente alegado, a saber, reconhecendo que a ré efetivamente prestou serviços domésticos para a autora e seu marido e que era intenção da autora instituir a ré como sua herdeira.

Foi então proferida decisão incidental, nos termos e com os fundamentos expressos a fls. 203 a 206 dos autos, decidindo que a ré está obrigada a prestar contas ao autor e ordenando a sua notificação para as apresentar.

* Veio então a ré apresentar contas relativamente ao período decorrido entre Agosto de 2013 e Maio de 2014, relacionando receitas no valor de € 176.035,00 e despesas no valor de € 176.789,48, apresentando assim um saldo a seu favor no montante de € 754,48, alegando, em síntese: a autora teve perfeito conhecimento de todas as despesas que fez e pagou em seu nome e para seu proveito, ficando com os respetivos comprovativos, que se encontravam guardados na sua residência e que a ré foi impedida de recolher; não obstante na escritura de compra e venda do prédio urbano composto por armazém, garagem e logradouro, se faça referência à quantia de € 205.840,00 (correspondente ao valor patrimonial do imóvel), na realidade, a venda foi efetuada pelo preço de € 131.000,00, o que aconteceu em virtude do mesmo carecer de obras avultadas à data da compra; o produto da venda do armazém em causa, por vontade expressa dos vendedores, foi por eles destinado aos filhos da ré, pessoas que eram tratados pela autora e pelo seu falecido marido como se fossem seus verdadeiros netos; a autora e o seu falecido marido nutriam por si grande amizade e que carecendo estes do auxílio de terceiros, acordaram que lhes prestaria assistência a tempo inteiro, de forma remunerada; e, a partir de finais de Julho de 2013, a ré passou então a pernoitar em casa da autora e do seu falecido marido; atenta a inexistência de herdeiros diretos e a falta de familiares capazes e/ou com disponibilidade, conjugadas com a necessidade de assistência permanente, logo no mês seguinte, propuseram fazer um testamento a favor da ré, mediante o compromisso desta em tratar do casal enquanto vivos fossem, o que foi aceite; por vontade da autora e do falecido marido, a ré passou ainda a poder pôr e dispor do património daqueles, desde que os mantivesse ao corrente da gestão que ia fazendo, o que sempre sucedeu; perante os testamentos em causa, a partir de Agosto de 2013, passou assim a “trabalhar para a casa”, o que fez continuadamente até 28 de Maio de 2014, tarefas estas com as quais a gastava diariamente, pelo menos 16 horas, computando assim em cerca de 6.000 horas o total do tempo despendido, entre o dia 1 de Agosto de 2013 e o dia 27 de maio de 2014, sem que tenha recebido qualquer compensação monetária por isso.

O autor/habilitado contestou as contas apresentadas, sustentando, desde logo, faltar no lado das receitas o valor de € 20.000,00 transferido para uma conta da ré; impugnando as verbas relativas às despesas, incluindo a alegada doação feita aos filhos da ré; das contas apresentadas resulta que a ré gastou em média à falecida autora, o valor mensal de cerca de € 19.559,44, sem considerar os montantes transferidos para as contas da mesma.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença julgando as contas apresentadas: 1 – Apurando e fixando as receitas obtidas pela ré C (…) no valor global de duzentos e cinquenta mil oitocentos e setenta e cinco euros (€ 250.875,00), aprovando as despesas apresentadas no valor global de sete mil quinhentos e trinta e quatro euros e cinquenta e nove cêntimos (€ 7.534,59), não reconhecendo ou validando as demais receitas e despesas impugnadas ou apresentadas; 2 – Em consequência condenou a ré C (…) a pagar ao autor/habilitado P (…)a quantia de duzentos e quarenta e três mil trezentos e quarenta euros e quarenta e um cêntimos (€ 243.340,41), correspondente ao saldo final apurado.

* Inconformada com tal decisão, a Ré dela interpõe recurso de apelação, concluindo a sua motivação com 211 “conclusões”, que aqui se não reproduzem, dado o incumprimento total do ónus de sintetizar os fundamentos do recurso, imposto pelo nº1 do artigo 639º CPC.

* O autor apresenta contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.

Cumpridos que foram os vistos legais, nos termos previstos no artigo 657º, nº2, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes: 1. Impugnação da matéria de facto.

  1. Em caso de procedência da impugnação, se é de alterar o decidido.

    III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO 1. Impugnação da matéria de facto Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.

    Segundo o nº1 do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de pode ser alterada pela Relação, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

    Para que o tribunal se encontre habilitado para proceder à reapreciação da prova, o artigo 640º, do CPC, impõe as seguintes condições de exercício da impugnação da matéria de facto: “1 – Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

    2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.” A impugnação da matéria de facto que tenha por fundamento a errada valoração de depoimentos gravados, deverá, assim, sob pena de rejeição, preencher os seguintes requisitos: a) indicação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, que deverão ser enunciados na motivação do recurso e sintetizados nas conclusões; b) indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa, sobre os pontos da matéria de facto impugnados; c) indicação, ou transcrição, exata das passagens da gravação erradamente valoradas. Estes requisitos visam assegurar a plena compreensão da impugnação deduzida à decisão sobre a matéria de facto, mediante a identificação concreta e precisa de quais os pontos incorretamente...

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