Acórdão nº 467/13.7TBSEI.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução06 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – RELATÓRIO J (…) e esposa, M (…), com os sinais dos autos, intentaram ([1]) a presente ação declarativa comum contra “U (…), Ld.ª”, também com os sinais dos autos, pedindo que seja a R. “condenada a ver resolvido o contrato de arrendamento e a consequente condenação, desocupação e entrega das duas fracções arrendadas aos Autores” e, bem assim, “a pagar as rendas vencidas desde Maio de 2013 a Setembro de 2013 no montante de 4.250,00 €, bem como as vincendas, custas e encargos”.

Alegaram para tanto, em síntese, que, sendo os AA. o senhorio e a R. a arrendatária de duas frações de um imóvel que identificam, destinadas ao exercício de atividade comercial da R., esta deixou de pagar as rendas respetivas, encontrando-se em dívida as relativas aos meses de maio a setembro de 2013, no valor de € 4.250,00, o que constitui incumprimento, dando causa à resolução do contrato pelo senhorio.

A R. contestou, defendendo-se por impugnação e exceção, e deduziu reconvenção, peticionando a condenação dos AA. a pagar-lhe a quantia de € 15.000,00, a título de indemnização por danos morais, bem como quantia a liquidar em execução de sentença, por danos patrimoniais, em montante não inferior a € 100.000,00, acrescidos de juros.

Alegou nada dever, por o locado não ter aptidão para o fim contratual, apresentando defeito grave (mormente, entrada de águas pluviais no interior do arrendado), não executando os AA. as obras necessárias, assim incorrendo em responsabilidade contratual e consequente dever de indemnizar, por danos emergentes e lucros cessantes (alude ao declínio do nome da R., aos danos morais da gerência e à perda de notoriedade, reclamando o aludido montante de € 15.000,00, bem como às perdas nas vendas).

Os AA., pronunciando-se, concluíram pela improcedência da reconvenção e procedência da ação.

Na audiência prévia, admitida a reconvenção, foi proferido despacho saneador, seguido de enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova.

Realizada audiência final, foi proferida sentença (datada de 05/07/2016), com decisão da matéria de facto e de direito, julgando:

  1. A ação parcialmente procedente, com a consequente condenação da R. “a pagar as rendas vencidas desde Maio de 2013 a Setembro de 2013 no montante de 4.250,00 €, bem como as vincendas, no mais julgando caducada, nos termos do art.º 1084.º, n.º 3 do Código Civil, por depósito liberatório, a pretensão de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas”; b) A reconvenção improcedente, com a consequente absolvição total dos AA./Reconvindos.

    Da sentença veio a R./Reconvinte, inconformada, interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes Conclusões ([2]) (…) Contra-alegaram os AA./Reconvindos, pugnando pela manutenção, por bem fundada, da sentença recorrida.

    *** O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo ([3]).

    Ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, foi mantido o regime e efeito fixados.

    Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.

    *** II – ÂMBITO DO RECURSO Perante o teor das conclusões formuladas pela parte apelante – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([4]) –, importa saber:

  2. Se ocorre causa de nulidade da sentença (contradição); b) Se é admissível a impugnação da decisão de facto, ante os moldes em que empreendida, e, caso o seja, se ocorre erro de julgamento de facto da 1.ª instância; c) Se há incumprimento pelo senhorio (ou cumprimento defeituoso) quanto à realização de obras a seu cargo; d) Se tal legitimava a invocação da exceção de não cumprimento por retenção da renda, mesmo permanecendo a locatária na posse do locado; e) Se, invocada a exceptio, como fundamento de retenção total de rendas, cabe ao Tribunal proceder a convolação para retenção parcial das rendas, a entender que só a esta a parte tem direito; f) Se assiste à R. direito indemnizatório.

    *** III – FUNDAMENTAÇÃO

    1. Nulidade da sentença Da contradição entre fundamentos e decisão Invoca a R./Apelante, no seu pedido recursivo, que a sentença recorrida incorreu em “contradição” e consequente violação do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv., pelo que deve ser julgada nula, tratando-se, assim, do vício de oposição entre os fundamentos e a decisão.

      Cabia, por isso, a tal Apelante, argumentando sobre o tema, mostrar onde se encontra consubstanciado na sentença apelada aquele vício gerador de nulidade da mesma, o que devia ser feito nas conclusões da apelação, já que estas, como dito, definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso.

      Na verdade, como se retira do disposto no art.º 639.º, n.º 1, do NCPCiv., cabe à parte recorrente, nas suas conclusões, indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

      Em seguida se verá se o fez.

      Defende a Recorrente, como já visto (conclusões 1.ª a 3.ª), que haverá contradição entre fundamentos e decisão se, apreciando os factos, eles deviam levar a outra aplicação legal, como no caso de, ao elaborar a sentença, se deixar de fundamentar os elementos relativos a requisitos em matéria de arrendamento. Reforça que existe contradição ao confundir-se entrega da chave e considerar-se para efeitos de gozo que “obras de reparação de humidades e infiltrações”, se podem enquadrar, como “obras estruturais para solucionar o problema das humidades” (cfr. motivação da matéria de facto)”, concluindo-se depois que não são graves nem reiterados os defeitos ou vícios.

      Pensa-se – perante este exercício pouco claro de argumentação da Apelante – que aludirá a contradição entre a parte fáctica da sentença e a respetiva fundamentação de direito, o que poderia traduzir erro de julgamento de direito (ou entre os factos e a respetiva fundamentação da convicção, o que teria a ver ainda com o julgamento da matéria de facto), fazendo-o – isso é inequívoco – sob invocação da norma da al.ª c) do n.º 1 do art.º 615.º do NCPCiv., que se refere à oposição entre fundamentos e decisão (ou existência de ambiguidade ou obscuridade geradoras de ininteligibilidade).

      Com efeito, dispõe este preceito legal, desde logo, que é nula a sentença quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”. Trata-se, por isso, de contradição resultante de a fundamentação da sentença apontar num sentido e a decisão seguir caminho oposto ou direção diferente ([5]), inserindo-se no quadro dos vícios formais da sentença, tal como elencados nos art.ºs 667.º e 668.º do anterior CPCiv.

      ([6]) – hoje art.ºs 614.º e seg. do NCPCiv. –, sem contender, pois, com questões de substância, que, como tais, já se prendem com o mérito, e não com o âmbito formal.

      Cabia, pois, a tal Apelante sinalizar/sintetizar, nas suas conclusões, onde se encontra tal oposição/contradição, por forma a evidenciar o vício invocado.

      Ora, a Recorrente limita-se a invocar a dita contradição, aliás, de forma não clara, sem demonstrar onde concretamente se situa e em que se traduz (não esclarece onde, na concreta sentença proferida, pode encontrar-se qualquer oposição/contradição lógica, entre fundamentação, que apontasse num sentido, e decisão/dispositivo, que seguisse caminho diverso).

      E o mesmo se diga quanto a qualquer ambiguidade ou obscuridade de que padecesse a decisão, que não vem sinalizada nas conclusões.

      E ainda que se considerasse haver contradição entre as provas produzidas e os factos dados como provados (ou não provados), designadamente no tocante à fundamentação da convicção probatória, tal traduziria erro de julgamento de facto, a ser objeto de impugnação recursória da decisão da matéria de facto, e não qualquer causa de nulidade da sentença.

      Estar-se-ia, então, como é patente, em face de discordância perante o sentido da decisão, no concernente ao julgamento da matéria de facto, e não qualquer contradição, ambiguidade ou obscuridade da sentença.

      No mais, deve dizer-se que a sentença se apresenta fundamentada, sendo consabidas as exigências de fundamentação das decisões dos tribunais (cfr. art.º 154.º, n.º 1, do NCPCiv., tal como o antecedente art.º 158.º, n.º 1, do CPCiv./2007), sejam sentenças ou despachos – em termos de fundamentos de facto e de direito respetivos –, a que se reporta o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do NCPCiv. (tal como o anterior art.º 668.º, n.º 1, al.ª b), do CPCiv./2007), e cuja violação, uma vez verificada, é causa de nulidade da sentença ([7]), cabendo naturalmente ao Recorrente clarificar onde pudesse ter faltado a decisão à fundamentação devida/exigível, em termos de omissão absoluta de fundamentos, o que in casu não ocorreu.

      Com efeito, este Tribunal não logra descortinar onde se pretendesse ocorrer falta de fundamentação da sentença, ou outra causa de nulidade da mesma, sendo que não se trata de matéria de conhecimento oficioso do Tribunal ([8]).

      Donde que seja de concluir pela não verificação do vício de nulidade da sentença, antes parecendo que a Apelante não aceita o sentido da decisão proferida, matéria que, por traduzir discordância quanto ao sentido decisório (de facto ou de direito), já se prende com o mérito da sentença e não com quaisquer causas de nulidade da mesma.

      Improcedem, pois, as conclusões da apelação em contrário.

    2. Impugnação da decisão da matéria de facto Da admissibilidade da impugnação Não se conforma a R./Apelante com a decisão de facto proferida, pugnando pela sua alteração e concluindo, simplesmente, que, para poder avaliar a gravidade de defeitos, um juiz teria sempre que considerar referências concretas como circunstâncias de modo, tempo e lugar, não podendo incluir apreciações como aquelas que se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT