Acórdão nº 744/12.4EACTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Junho de 2017
Magistrado Responsável | ELISA SALES |
Data da Resolução | 21 de Junho de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO O Clube de Campismo e Caravanismo da A... veio interpor recurso da sentença que, julgando a impugnação judicial da decisão administrativa (PSP – Direcção Nacional – Departamento de Segurança Privada) totalmente improcedente, manteve a coima aplicada de € 2.500,00 pela prática da contra-ordenação p. e p. pelos artigos 160º, 161º, n.ºs 1 e 3 e 163º, n.º 1, do DL n.º 422/89, de 2 de Dez., na redacção do DL n.º 114/2011, de 30 de Nov..
A razão da sua discordância encontra‑se expressa nas conclusões da motivação de recurso onde refere que: 1. Conforme resulta dos autos, nomeadamente do auto de notícia de fls., vem o Recorrente acusado da prática da contraordenação prevista disposto no artigo 160.º, n.º 1 e 161.º do Decreto-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei 114/2011 de 30 de Novembro, tendo-lhe sido aplicada uma coima no montante de 2.500,00€. Inconformado com a decisão administrativa de fls., veio o Recorrente dela interpor recurso pelos factos e direito de fls. e que aqui se dão por reproduzidos. Tendo o MM. Juiz “A QUO”, proferir a sentença de fls., na qual julgou o recurso improcedente, e nessa medida, manteve a decisão recorrida.
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Decisão que se ora se impugna, já que, se considera que: a sentença padece de nulidade por falta de documentação da matéria de prova; a sentença padece de nulidade por falta de fundamentação da matéria de prova; 3. Nulidade da Sentença - Falta de documentação da matéria de prova – Dispõe o artigo 66.º do RGCO que “salvo disposição em contrário, a audiência em 1ª instância obedece às normas relativas ao processamento das transgressões e contravenções, não havendo lugar à redução da prova a escrito”, ora, o DL 17/91, de 10 de Janeiro, com as sucessivas alterações, relativo ao processamento das transgressões e contravenções, dispõe no artigo 13.º, n.º 3 que “no início da audiência, o tribunal avisa, sob pena de nulidade, quem tiver legitimidade para recorrer da sentença de que pode requerer a documentação dos actos da audiência, a efectuar por súmula”.
No caso em apreço, tal advertência não foi feita, pelo que os actos subsequentes são nulos, nulidade que aqui se evoca para os devidos efeitos legais.
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Todavia, sempre se dirá que, a falta de documentação dos actos da audiência, supostamente autorizada pela lei (art. 66.º, DL 433/82), assim como a proibição do recurso na matéria de facto (art. 75.º), afrontam os princípios constitucionais do processo equitativo e do direito de defesa do Arguido (arts. 20.º, n.º 4 e 32.º, n.º 10 da CRP), padecendo aquelas normas de inconstitucionalidade material.
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Nos presentes autos, a prova produzida na audiência, não foi documentada, como o processo evidencia, o que representa uma nulidade nos termos acima referidos, bem como um atropelo aos direitos da defesa, sendo certo que, levanta-se desde logo o problema da constitucionalidade da lei.
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Caso assim não se entenda – o que se contesta pelos motivos supra indicados também se dirá que em virtude da remissão para o Código de Processo Penal, como direito subsidiário (art. 2º.); entre essas normas avultam estas duas (art. 13.º), uma a remeter especialmente para o dito código, quanto ao julgamento em processo comum (n.º 7), e outra que estabelece que a gravação da audiência é obrigatória, pelo que, e não tendo a mesma ocorrido há uma nulidade, nulidade esta que aqui também se suscita.
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Desta forma, a exclusão da documentação da prova obtida por via interpretativa (art. 66.º), como, mais directamente, a proscrição do recurso em matéria de facto (art. 75.º), afrontam pelo menos dois princípios constitucionais, o do direito de defesa (art. 32.º, n.º 10) e o do processo equitativo (art. 20.º, n.º 4).
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Assim, negando o recurso naquilo que é o mais importante, limitando-o à matéria de direito, a lei afecta o direito de defesa garantido pela Constituição numa sua dimensão essencial – a do recurso – subtraindo por outro lado o procedimento à exigência constitucional do processo equitativo. Como admitir, assim, neste âmbito, a proibição do recurso em matéria de facto, condicionando-se com isso a decisão jurídica mediante um julgamento sem controlo do facto, posto que incontrolável? 9. Por outro lado, a sentença do MM.º Juiz “A Quo” e face à interpretação efectuada aos preceitos legais, enferma de uma clara e manifesta inconstitucionalidade por violação das normas contidas nos arts. 20.º, n.º4, 32.º, n.º 10 e 202.º da Constituição da República Portuguesa.
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Caso assim não se entenda, o que se contesta pelos motivos indicados, sempre se dirá que a Sentença é nula por falta de fundamentação: A decisão administrativa corroborada pela sentença recorrida aplicou ao Recorrente uma coima no valor de 2.500€ nula, em virtude de ter sido imputada a prática da infração a título de dolo. Calcorreando os autos não se vislumbra qualquer elemento que possa justificar tal imputação.
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Acresce o facto de a condenação em processo contraordenacional ser materialmente uma acusação em processo penal, pelo que se lhe aplicam, subsidiariamente, os preceitos legais do CPP, impondo-se maior rigor na sua elaboração.
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Certo que a própria decisão quer administrativa, quer a sentença proferida pelo MM.º Juiz “A Quo” são omissas, na fundamentação, já que, não é indicado qualquer motivo que possa fundamentar o comportamento da requerente a título de dolo. Pelo que é assim NULA a decisão recorrida por falta de fundamentação.
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O artigo 50.º do Decreto Lei n.º 433/82 consagra o direito de defesa do arguido impondo que lhe seja assegurada a efectiva e material possibilidade de produzir provas que considere indispensáveis para fazer valer a sua posição. Por tal razão se decidiu que a decisão da autoridade administrativa que não fundamente devidamente tal decisão (como aconteceu no caso em apreço) nos termos do artigo 41.º, n.º 1, 50.º do Decreto-Lei n.º 433/82 e art. 120.º, n.º 2 d) do Código de Processo Penal (insuficiência de inquérito ou da instrução), por violação do direito de defesa do Arguido é nula.
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A declaração de nulidade nos termos do artigo 122.º, n.º 1 do Código do Processo Penal (ex vi artigo 41.º, n.º 1 do decreto lei nº 433/82) torna inválido o acto em que se verifiquem as nulidades, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar.
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Assim sendo e face ao supra mencionado resulta à saciedade que a decisão em apreço enferma de vícios, que determinam a sua NULIDADE, nulidade essa que aqui expressamente se evoca para os devidos e legais efeitos.
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Todavia, sempre se dirá, caso se entenda que a decisão recorrida não é nula nem inconstitucional - o que se contesta pelas razões supra sumariadas - então também se dirá que a sanção aplicada é deveras excessiva. A recorrente não teve qualquer proveito com a referida máquina. É uma associação sem fins lucrativos, sendo certo que no exercício de 2015, teve um prejuízo de 6 996,58€. Por outro lado a máquina esteve instalada durante 3 dias no período em que o Parque de Campismo já não é muito frequentado pelos seus utentes (2ª quinzena de setembro). Pelo que se considera adequado e caso se entenda que a recorrente tinha conhecimento da ilicitude dos factos a aplicação de uma pena de ADMOESTAÇÃO.
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Sem prescindir, caso assim não se entenda - o que se contesta pelas razões acima mencionadas - sempre se dirá que no pressuposto de se considerar que à recorrente podem ser imputadas tais infrações no máximo deve ser aplicada uma coima especialmente atenuada no valor de 1.250€.
Nestes termos e nos demais de direito e com o sempre mui douto suprimento deve alterar-se ou revogar-se a douta sentença nos termos constantes nestas conclusões.
* A Magistrada do Ministério Público defendeu que deve ser negado provimento ao recurso interposto pela...
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