Acórdão nº 259/16.1T8PBL.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução28 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I - A Causa: C (…) interpôs o presente recurso interposto da sentença notificada em 17-02-103 2017 que julgou: “(…) procedente a exceção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria do Juízo Cível da Instância Local de Pombal para conhecer do pedido formulado pelo Autor C (…) e, em consequência, abstenho-me do conhecimento do mérito da causa e absolvo os Réus “Banco Espírito Santo, S.A., Novo Banco S.A. e Fundo de Resolução da Instância”, alegando e concluindo que: (…) * FUNDO DE RESOLUÇÃO, Recorrido no processo à margem identificado, tendo sido notificado das alegações de recurso de apelação interposto pelo Autor C (…) – não tendo sido, entretanto, homologada a desistência, apresentada pelo Autor no requerimento de interposição do respectivo recurso, do pedido contra si formulado – veio, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 638º/5 do Código de Processo Civil, apresentar as suas contra-alegações, por sua vez, alegando e concluindo que: (…) * II. Os Fundamentos: Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir: São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa as que constam do elemento narrativo dos Autos.

* Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608°, do mesmo Código.

* Das conclusões, ressalta as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz: a. Como questão prévia, perfila-se a seguinte: Não obstante o Tribunal a quo não tenha homologado a desistência do pedido formulada pelo Autor no requerimento de interposição de recurso, ela constitui um acto processual inequivocamente contraditório com a vontade de recorrer, justificando-se, portanto, que seja relevada por este Tribunal, nomeadamente para os efeitos do art. 632º/3 do CPC.

Apreciando, diga-se que a aceitação, expressa ou tácita, da decisão, depois de proferida e notificada às partes ou delas conhecida, tem efeitos equiparados à renúncia ao direito a recorrer. Impede, pois, a interposição do recurso, extinguindo o direito processual em causa. A aceitação expressa não suscita especiais dificuldades (devendo, claro, ser interpretada como qualquer declaração de vontade: art. 236 CC); a aceitação tácita tem de derivar da prática de qualquer facto "inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer" (no CPC de 1939, a expressão equivalente era a de "prática, sem reserva alguma, de um facto incompatível com a vontade de recorrer").

A restrição do recurso a uma parte das decisões desfavoráveis, seja no requerimento de interposição, seja nas conclusões da alegação, implica, em regra, a aceitação tácita da parte não impugnada (TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos cit., p. 386) (Cf. José Lebre de Freitas/Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Tomo I, 2ª Edição, 2008, p. 32).

Circunstancialmente, em termos de matriz processual assumida pelo recorrente, tal qual os Autos evidenciam, e como “pode(ndo) ver-se pelo nº I do requerimento de interposição de recurso, de 6 de Março de 2017, o Autor veio desistir do pedido de condenação formulado contra o Fundo de Resolução, sustentando que "[n]ão considera [. .. ] fundamental para o prosseguimento dos autos, nem condição do seu pedido formulado contra o R. BES, a presença do R. Fundo de Resolução nos mesmos".

Sucedendo, no entanto, e não obstante, que (o Autor) acaba por recorrer (cf. nº II do mesmo requerimento) da sentença do Tribunal a quo, inclusivamente na parte que respeita à absolvição da instância do Fundo de Resolução”.

Ou seja, o A.

“maius dixit, quam voluit”, ao pretender colher efeitos (reactivos face à decisão proferida), neste específico tempo e modo processual, de internalidades adjectivas diferenciadas e incompatíveis (negativa, no que respeita à velada “desistência do pedido de condenação formulado contra o Fundo de Resolução, sustentando que "[n]ão considera [. .. ] fundamental para o prosseguimento dos autos, nem condição do seu pedido formulado contra o R. BES, a presença do R. Fundo de Resolução nos mesmos”; positiva, “recorrendo (cf. nº II do mesmo requerimento) da sentença do Tribunal a quo, inclusivamente na parte que respeita à absolvição da instância do Fundo de Resolução”.

O que traduz um evidenciado impossível categórico, em função do próprio texto actual do art. 632º (perda do direito de recorrer e renúncia ao recurso) (que) reproduz o anterior art. 681.°, tendo acrescentado, na parte final do n.º 5, o inciso "até à prolação da decisão", o que clarificou o termo final quanto à desistência do recurso.

A liberdade de desistência do recurso mediante simples requerimento - regra que já constava do anterior art. 681.° - sofreu, deste modo -, no novo texto, uma limitação relevante, uma vez que só pode ter lugar "até à prolação da decisão", evitando-se, assim, que o recorrente, ao ver “agravada” a sua situação em resultado do recurso, só viesse desistir após ter tido conhecimento do seu resultado, mas antes do seu trânsito em julgado, o que equivalia a manter, a final, a decisão recorrida, o que não era líquido (sobre a desistência e a renúncia ao recurso vid. CARLA BRÁS CÂMARA, Recursos em Processo Civil, em As Recentes Reformas na Acção Executiva e nos Recursos, 2010, ps. 224 e ss; também, Glosa de Abílio Neto ao art. 632º NCPC, in Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª Edição Revista e Ampliada, Janeiro/2014, p. 771).

Esta sendo a resposta à questão configurada como pressuponente às demais, em perfil.

* I.

R- O Tribunal a quo assenta, outrossim, a sua decisão de se julgar materialmente incompetente no facto de o pedido dirigido ao Fundo de Resolução (doravante “FdR”) não ter sido autonomizado dos demais.

S- Ora, a competência tem de se aferir pelos termos da relação jurídico-processual tal como foi apresentada em juízo, havendo que atender ao pedido e especialmente à causa de pedir, tal como o autor (aqui recorrente) o formula.

T- O fundamento dessa responsabilidade advém do facto de o FdR, enquanto entidade de direito público, ser a detentora do capital social de um banco, pelo que atua no âmbito das suas atribuições como acionista e não enquanto atribuição de direito público, que lhe estão legalmente cometidas.

U- Com efeito, o recorrente, ao invés do que o Tribunal a quo defende não foi afetada nos seus direitos pelo FdR, mas sim por decisões ou atos do Banco de Portugal.

Apreciando, sequencialmente, refira-se que a competência em razão da matéria, nomeadamente no confronto entre a jurisdição cível e a jurisdição administrativa e fiscal, constitui uma permanente fonte de litígios como o atesta a actividade desenvolvida pelo próprio Tribunal dos Conflitos, matéria esta que reclama uma urgente e mais rigorosa intervenção do legislador, que ponha termo a este estado de incerteza.

Como quer que seja, a competência em razão da matéria dos tribunais é determinada pela forma como o autor configura a acção na sua dupla vertente do pedido e da causa de pedir (Ac, STJ. de 10.4.2008: Proc. 08B845.dgsi.Net). Que o mesmo é dizer que tal competência, em razão da matéria, se impõe determinar pelo conteúdo da lide, aferir face à relação jurídica que se discute na acção, tal como o demandante a configura, seja quanto aos elementos objectivos (causa de pedir e pedido), seja quanto aos elementos subjectivos (partes) (Ac. STJ. de 10.4.2008: Proc, 08B396.dgsi.Net).

Por sua vez, as entidades públicas ou para-públicas podem exercer as suas atribuições em pleno pé de igualdade com outras pessoas físicas ou jurídicas de escopo congénere, portanto desprovidas do poder de supremacia que em princípio lhes adviria da sua qualidade de ente público administrativo. Os actos assim praticados serão de qualificar como de "gestão privada". O verdadeiro "distinguit" - para efeitos da apreciação/avaliação de um certo acto, facto ou contrato gerador de responsabilidade civil para com terceiros numa ou noutra das categorias (gestão privada/gestão pública) reside em saber se as concretas condutas alegadamente ilícitas e danosas se enquadram numa actividade regulada por normas comuns de direito privado (civil ou comercial) ou antes numa actividade especificamente disciplinada por normas de direito público administrativo (Ac. STJ, de 17.3.2005: Proc. 05B431.dgsi.Net).

É, assim que, de acordo com as novas regras do ETAF, compete à jurisdição administrativa o julgamento das causas em que o Estado seja parte, independentemente de a relação jurídica em litígio ser regulada pelo direito privado ou pelo direito administrativo. Os tribunais comuns são, portanto, também, materialmente incompetentes para apreciar os pedidos de responsabilidade extracontratual, baseados em factos praticados por servidores do Estado (Ac. STJ, de 27.9.2007:Proc. 07B1477.dgsi.Net).

Do mesmo modo, a consideração da competência, em razão da matéria - devendo aferir-se face à relação jurídica que se discute na acção, tal como desenhada pelo autor -, atento o disposto no art. 4.° n.º 1, aI. g) do ETAF, determina competir aos tribunais da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objecto questões em que, nos termos da lei, haja lugar - mesmo -, a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, quer, consequentemente, por actos de gestão pública, quer por actos de gestão privada praticados no exercício da função pública (Ac. STJ, de 25.6.2009: Proc. 1186/07.9TBVNO.C1.S1. dgsi.Net).

Sendo que, do regime decorrente do ETAF não é instituído um foro privativo para as entidades públicas, antes procurou submeter-se os litígios que envolvam estas entidades aos tribunais judiciais quando a resolução dos litígios não envolva a aplicação de normas de direito administrativo ou fiscal ou a prática de actos a coberto do direito administrativo. Sendo a responsabilidade civil imputada, circunstancialmente, igualmente, à actuação do...

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