Acórdão nº 744/13.7TXPRT-K.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução11 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO A...

veio interpor recurso da decisão proferida pela Mmª Juiz do Tribunal de Execução das Penas de Coimbra, em 2-6-2017, que não lhe concedeu a liberdade condicional.

E, da motivação extraiu as seguintes conclusões: 1- O condenado cumpriu 2/3 da pena de 6 anos de prisão que lhe foi aplicada e deu o seu consentimento para que fosse colocado em liberdade condicional.

2- A decisão preferida, que lhe negou a concessão da liberdade condicional, sustentou-se no entendimento de que é sério o risco de reincidência do condenado, pelo que julgou não verificado o requisito material da alínea a) do artigo 61º, nº 2 do CPenal.

3- Decidiu, a nosso ver, mal.

4- É hoje entendimento jurisprudencial pacífico que a concessão da liberdade condicional não está dependente, nem da assunção da prática do crime, nem do arrependimento.

5- Do mesmo modo, não podem servir à negação da liberdade condicional, a desvalorização do crime ou a desresponsabilização do seu autor.

6- O que a Lei exige é que se verifique um prognóstico favorável, no sentido de que, uma vez em liberdade, o recluso não voltará a cometer novos crimes.

7- E, no caso concreto, existem todos os elementos de facto que deveriam ter conduzido a um tal prognóstico.

8- Designadamente: O condenado nasceu em 20.05.1941, tendo, portanto, 76 anos de idade.

O Conselho técnico emitiu parecer unanimemente favorável à concessão da liberdade condicional.

A família do condenado mantém-se coesa, apoia-o e está disposta a garantir-lhe as condições necessárias ao processo de reinserção social.

O ambiente familiar é organizado e capaz de proporcionar ao condenado uma retaguarda de apoio consistente.

Durante a reclusão faleceu um dos seus filhos, o que lhe provocou um profundo sentimento de perda.

Os factos pelos quais foi condenado tiveram muita visibilidade e despoletou fortes sentimentos de estigmatização social que o decurso do tempo de reclusão vai fazendo diminuir.

O condenado assumiu a prática dos crimes quando da última audição após o anterior Conselho Técnico.

Afirmou nunca mais repetir os factos e que tem vergonha dos seus atos.

Assumiu que a culpa foi toda sua, pediu desculpa e disse estar muito arrependido.

Em reclusão tem um comportamento de acordo com as normas e regras instituídas, não tendo qualquer registo disciplinar.

Tem tido acompanhamento clínico, por problemas de ordem cardíaca e de coluna.

Participa nas atividades lúdicas e sócio culturais do EP, encontra-se em RAI desde 14.12.2016 e beneficiou de licenças, a última das quais em Fevereiro do presente ano.

O condenado não tem quaisquer antecedentes criminais, com exceção dos relativos aos factos pelos quais está em reclusão.

9- Ou seja, o condenado fez uma evolução francamente positiva, tendo evoluído de uma fase de negação dos factos, até ao momento presente, em que não só os assume, como interioriza o desvalor da sua conduta, mostrando arrependimento, sendo praticamente inexistentes os riscos de reincidência.

10- A tal evolução não é alheia a evolução que têm manifestado os próprios membros do Conselho Técnico que, a respeito dos pareceres emitidos para a concessão de saídas jurisdicionais e de concessão de período de adaptação à liberdade condicional, evoluíram de opiniões unanimemente desfavoráveis, para uma fase intermédia de opiniões maioritariamente desfavoráveis, até ao presente momento, em que se expressaram de forma unanimemente favorável, não só à liberdade condicional como à concessão da última saída jurisdicional.

11- Mas, se é certo que o Juiz não deve obediência ao parecer do Conselho Técnico, qualquer que ele seja, também não é menos certo que um tal parecer é emitido com fundamento em dados objetivos, extraídos da evolução da personalidade do condenado durante o período de reclusão, por pessoas e técnicos que com ele convivem diariamente.

12- Ora, o certo também é que tal parecer não foi levado em conta na decisão, nem tão pouco se fez a ele qualquer abordagem ou juízo crítico, no sentido de se justificar a razão pela qual a decisão com ele não se conformou.

13- A decisão proferida não teve em conta a idade e a personalidade do arguido, a sua evolução no período de reclusão, nomeadamente no que concerne à assunção do crime e ao desvalor da sua conduta, as suas condições de saúde, de vida e familiares, a ausência de antecedentes criminais e o seu comportamento prisional.

14- Ou, pelo menos, não teve em conta os descritos fatores em moldes de considerar, como deveria, a formulação de um juízo de prognose favorável.

15- Tendo, por consequência, feito uma errada interpretação e aplicação do disposto na alínea a) do número 2 do artigo 61º do CPenal.

16- Sem prescindir: Em face do parecer emitido pelo Conselho Técnico e, bem assim, dos demais factos apurados e já elencados na 8ª conclusão, deveria ter, pelo menos, prevalecido a dúvida acerca do juízo de prognose sobre o comportamento do condenado uma vez em liberdade.

17- E, na dúvida, deveria ter prevalecido o juízo de prognose que melhor abonasse a pretensão do condenado, ou seja, o de que, uma vez em gozo de liberdade condicional, conformaria o seu comportamento em obediência às regras de convivência em sociedade.

18- Deste modo, violou o Tribunal recorrido o princípio in dubio pro reo.

19- A manter-se a decisão recorrida, o que não se crê, e voltando apenas o recorrente a ver reapreciada a sua situação aos 5/6 da penas, acabaria por cumprir a quase integralidade da pena em efetiva reclusão, sendo que não é isso que a Lei pretende, nem uma tal situação se conforma com a finalidade das penas.

Nestes e nos melhores termos de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, consequentemente, ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que conceda ao recorrente a liberdade condicional, com as condições que vierem a ser estabelecidas.

* Respondeu a Magistrada do MP junto do tribunal a quo, defendendo a improcedência do recurso.

Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, o condenado não respondeu.

Os autos tiveram os vistos legais.

*** II- FUNDAMENTAÇÃO Consta da decisão recorrida: “ (…) Foram juntos aos autos os relatórios a que aludem as als. a) e b) do art. 173º nº 1 do CEP.

O Conselho Técnico, reunido em 23.05.2017, prestou os necessários esclarecimentos, tendo emitido parecer unanimemente favorável à concessão da liberdade condicional ao condenado pelos 2/3 das penas em execução (fls. 167).

Ouvido o recluso o mesmo autorizou a sua colocação em liberdade condicional (fls. 168).

Nos termos do disposto no artigo 177º do CEP o Ministério Público emitiu parecer desfavorável à concessão de liberdade condicional ao condenado.

No caso em apreço aprecia-se a libertação condicional por referência ao marco dos 2/3 da pena de 6 anos de prisão pela prática de nove crimes de abuso sexual de crianças e um crime de coacção agravada.

(…) 2 – OS FACTOS E O DIREITO No caso dos autos, tendo em consideração o teor dos relatórios dos serviços de educação e ensino e de reinserção social, as certidões das decisões judiciais e declarações do recluso, sendo que os elementos apurados foram também obtidos através do contacto com os técnicos que elaboram os relatórios referidos e que detêm o dever funcional de avaliação, considera-se que: 1) O recluso cumpre, desde 26.06.2013, uma pena de 6 anos de prisão, imposta no Proc. n.º 1290/13.4JAPRT, pela prática de nove crimes de abuso sexual de crianças e um crime de coacção agravada, todos praticados entre 2012 e 2013 na pessoa da menor B... nascida em 06.02.2004.

2) O ½ da pena referida ocorreu em 2016.06.26, atingindo os 2/3 em 2017.06.26, terminando a pena em 2019.06.26.

3) O condenado tem o 4º ano de escolaridade, tem irmãos, tendo os seus pais já falecido.

4) Encontrava-se, à data da reclusão, reformado e trabalhou como maquinista da CP durante muitos anos.

5) O condenado é casado há muitos anos e do matrimónio nasceram dois filhos que já se autonomizaram do agregado familiar e organizaram a sua vida, sendo que a família assume claramente o desconforto pelos factos que estão na origem da condenação, reconhecendo a sua gravidade, mas mantém-se coesa, apoia o condenado durante o cumprimento da pena de prisão e está disposta a garantir-lhe as condições necessárias ao processo de reinserção social.

6) O ambiente familiar é descrito como organizado e capaz de proporcionar ao condenado uma retaguarda de apoio consistente, sendo que durante o cumprimento da pena de prisão um dos filhos faleceu, o que provocou no recluso um profundo sentimento de perda.

7) O recluso...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT