Acórdão nº 22/09.6ZRCBR-E.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE FRAN
Data da Resolução11 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA O Ministério Público, na Comarca de Viseu, deduziu despacho de acusação contra os arguidos A...

e B... , imputando-lhes a prática em autoria material e sob a forma continuada, de um crime de lenocínio, p.p. pelo artigo 170º n.º1 do Código Penal e, após a entrada em vigor da Lei 589/2007 de 4/9, p.p. pelo artigo 169º n.º1 e artigo 30º n.º2 do Código Penal.

O arguido requereu a abertura de instrução, tendo sido proferido em 14-11-2014, pelo Mmª Juiz de Instrução despacho de pronúncia, imputando aos arguidos a prática um crime de lenocínio p.p. pelo artigo 170º n.º1 do Código Penal e, após a entrada em vigor da Lei 589/2007 de 04-09, p.p. pelo artigo 169º n.º1 do Código Penal.

Ao abrigo do disposto no artigo 7º n.º1 e 8º da Lei n.º 5/2002 de 11 de Janeiro, o Ministério Público aquando a dedução de acusação procedeu à liquidação do património do arguido A...

de forma a apurar o montante de €223,200,00, requerendo que seja o mesmo declarado perdido a favor do Estado.

Por despacho proferido em 20/1/2015, a Mmª Juiza de Instrução determinou o arresto dos bens indicados pelo Ministério Publico, na sequência do montante liquidado, ao abrigo do disposto nos artigos 391º n.º2 e 393º n.º1 do Código de Processo Civil, artigo 228º do Código de Processo Penal e artigo 7º n.º1 da lei 5/2002 de 11/1.

Inconformado, o referido arguido A... interpôs o presente recurso, que motivou, concluindo nos seguintes termos: 1.ª- Como é sabido, a Lei nº 5/2002 “estabelece um regime especial de perda de bens a favor do Estado”, que consiste na presunção iuris tantum da origem ilícita dos bens de pessoas condenadas pela prática de certos crimes (descritos no art. 1º), com vista a proporcionar o confisco das presumidas vantagens de suposta atividade criminosa anterior; 2.ª -Trata-se sem dúvida de uma verdadeira e própria presunção, pela qual certo facto, desconhecido e não comprovado (a ilicitude da origem de certo património), é inferido de outros factos, conhecidos e comprovados; 3.ª-Neste regime o que mais tem alarmado (com razão) a doutrina quando olha para este regime especial é a possível inconstitucionalidade das normas que “invertem o ónus da prova” (arts. 7 e 9 da Lei nº 5/2002), impondo ao arguido a prova da “congruência” do seu património (a prova da licitude dos seus bens e rendimentos que, o Ministério Público indicou na liquidação que tiver feito; 4.ª - O que sempre constitui um atentado ao basilar privilégio de que goza o arguido, em processo penal, de não ter de contribuir para a sua incriminação, para além de também ofender outros princípios básicos, como por exemplo o da presunção de inocência e o do in dubio pro reo; 5.ª- Por isso, sempre terá que ser assegurado um processo equitativo, no sentido de a dita “liquidação” feita pelo Ministério Público, permitir ao arguido exercer o seu direito de defesa e o contraditório (tanto mais que sobre ele recaí um ónus de prova, apesar da sua duvidosa constitucionalidade); 6.ª- Isto significa que, a liquidação do montante apurado como devendo ser arrestado e mais tarde perdido a favor do Estado (art. 8 nº 1 da Lei nº 5/2002) - tal como a posterior (se for o caso) condenação a declarar o valor que deve ser perdido (art. 12 nº 1 da mesma lei) - que assenta num “juízo de prognose para o passado terá de ser feita com recurso a factos concretos e objetivos, descrevendo o respetivo património global do arguido, bem como o valor da parte que é congruente com o seu rendimento lícito, de modo a perceber-se que é a diferença entre um e outro (a diferença entre o valor do património global e o valor do património lícito) que se presume constituir vantagem da atividade criminosa, ou seja, o tal património incongruente (art. 7 nº 1 da mesma lei).

7.ª - Assim, quer a liquidação, quer o pedido de arresto, quer a condenação, não podem ser feitas de forma arbitrária, sem factos concretos e objetivos, descrevendo o respetivo património global do arguido, bem como o valor da parte que é congruente com o seu rendimento lícito, sob pena de não se assegurar o direito a um processo justo e equitativo, nem as próprias garantias de defesa do arguido, incluindo o direito ao contraditório, o que sempre constituiria frontal violação do disposto nos arts. 20.º nº 4 e 32.º nº 1, 2 e 5 da CRP; 8.ª - E o que se diz para o Ministério Público na liquidação, diz-se para o Juiz que decide o arresto ou determina a perda de bens, sob pena sob pena de não se assegurar o direito a um processo justo e equitativo, nem as próprias garantias de defesa do arguido, incluindo o direito ao contraditório e também ofender outros princípios básicos, como por exemplo o da presunção de inocência e o do in dubio pro reo, assim violando o disposto nos arts. 20.º nº 4 e 32.º nº 1, 2 e 5 da CRP; 9.ª- No caso em apreço o Tribunal Recorrido limita-se a fazer uma análise acrítica da prova indiciária recolhida no inquérito; 10.ª- Na liquidação efetuada pelo Ministério Público e recebida pela decisão recorrida, aquele arranca da alegação feita na acusação, e que serve de base de cálculo, que consiste na presença no apartamento do arguido de 6 mulheres por dia (todos os dias do ano, de dia e de noite, durante 7 anos, incluindo natais e fins de ano); 11.ª- Porém, nem Ministério Público nem a decisão recorrida concretizam quais as mulheres que ali estiveram durante todo esse período de tempo, por forma a ser possível perceber se efetivamente foram sempre – de dia e de noite – seis mulheres que ali permaneceram, e a permitir ao arguido contraditar essa acusação; 12.ª- Antes pelo contrário, limitam-se a descrever o nome de duas ou três das mulheres que ali foram identificadas, e remetem para expressões inconclusivas e não concretizadas, que não permitem ao arguido exercer o seu direito ao contraditório de defesa; 13.ª- De resto, é o próprio Ministério Público que admite que as mulheres que poderão ter passado pelo apartamento é “ em número desconhecido e cuja identidade não foi possível apurar, dado que de um modo geral, cada uma exercia ali a atividade por um curto período temporal” (cfr. ponto 22 da acusação para onde remete a liquidação); 14.ª- E por isso decisão recorrida, ao estribar-se numa acusação, numa pronuncia e numa liquidação feita pelo Ministério Público, omissa de factos essenciais e repleta de conclusões e conjeturas, não se assegura o direito a um processo justo e equitativo, nem as próprias garantias de defesa do arguido, incluindo o direito ao contraditório, e ofende princípios básicos, como por exemplo o da presunção de inocência e o do in dubio pro reo, assim violando o disposto nos arts. 20.º nº 4 e 32.º, nºs 1, 2 e 5 da CRP, sendo por isso nula, ou devendo, por inconstitucional, ser revogada, e substituída por outra que indeferida o requerimento de arresto apresentado pelo Ministério Público; 15.ª- E isto porque, todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão mediante processo equitativo; em que lhe sejam asseguradas todas as garantias de defesa, incluindo o recurso; não se olvidando que o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação; 16.ª- Na ânsia de conseguir uma base de cálculo o mais alargada possível, numa logica de “quanto mais melhor” o Ministério público, quer na acusação, para onde remete no incidente de liquidação, quer no próprio incidente de liquidação, acaba por cair em incongruências e a alegação de factos falsos, que revela as fragilidades e inverosimilhança do cálculo efetuado, às quais a decisão recorrida ficou indiferente; 17.ª - Existem nos autos provas que demonstram que o regime de turno rotativo composto por 6 ou 7 mulheres que se prostituíam todos os dias, todas as semanas, todos os meses, todos os anos, desde 2006 a 2013, ou nunca existiu; ou se existiu, pode bem suceder que não tenha sido o arguido a instituí-lo; que as raparigas não usavam os quartos do apartamento do arguido só ou apenas para a prática da prostituição; e bem assim que essa regularidade – dois turnos, três mulheres por turno, todos os dias da semana, todos os meses do anos, e todos os anos, não corresponde à verdade do sucedido; 18.ª E todavia, o Ministério Público, e posteriormente a decisão recorrida, servem-se dessa presunção teoréticas e infundada como base de cálculo da sua liquidação, a qual acabou por ser assumida acriticamente pela decisão recorrida na remissão que faz para os termos daquela liquidação; 20.º- Em face das incongruências existentes no seio da prova recolhida no inquérito, designadamente da prova testemunhal, nos termos postos em evidencia nas alegações, o Tribunal recorrido nunca deveria ter dado como provados os facto vertidos nos pontos 2, 8, 9 a 12, 14, 16, 23 e 24 da pronuncia (cfr. fls. 7 a 12 da decisão recorrida) e nos pontos 1.º, 5.ºa 8.º da liquidação ( fls. 13 e 14 da decisão recorrida) na qual se estribou para decretar o arresto: 21.ª- Por inerência, deveria ter concluído pela inexistência de fortes indícios da prática de um dos crimes do catálogo...

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