Acórdão nº 2500/15.9T9CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Outubro de 2017
Magistrado Responsável | VASQUES OS |
Data da Resolução | 11 de Outubro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo Local Criminal de Coimbra – J3, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, dos arguidos A... , Lda.
, e B...
, ambos com os demais sinais nos autos, imputando-lhes a prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 6º, nº 1, 7º, nº 1, 105º, nºs 1, 4 e 7 e 107º, nºs 1 e 2, todos do RGIT e art. 30º, nº 2 do C. Penal.
O Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Coimbra, deduziu pedido de indemnização contra os arguidos com vista à sua condenação solidária no pagamento da quantia de € 15.059,13, a título de prestações em falta, acrescida de juros de mora vencidos, liquidados em € 4.044,48, e juros vincendos até integral pagamento, calculados de acordo com a legislação da segurança social, e ainda no pagamento da quantia de € 11, por outros danos.
Por sentença de 2 de Fevereiro de 2017, depositada no dia imediato [cfr. fls. 389], foram os arguidos absolvidos da prática do crime e do pedido de indemnização deduzido.
* Inconformada com a decisão, recorreu a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1º. Nos autos à margem identificados, os arguidos INTER TOOLS – COMÉRCIO DE MÁQUINAS E FERRAMENTAS, LDA e B... encontram-se acusados da prática, em co-autoria material e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p.p. pelas disposições conjugadas dos artºs 6º, nº 1, 7º, nº 1, 105º, nºs 1, 4 e 7 e 107º, nºs 1 e 2, do regime Geral das Infrações Tributárias (doravante RGIT) e 30º, nº 2, do CP; 2º Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que absolveu os arguidos da prática do crime que lhes vinha imputado; 3º Porém, analisada a sentença recorrida, afigura-se-nos que, do seu texto, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, resultam os vícios de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão e de erro notório na apreciação da prova, a que aludem as alíneas b) e c), do nº 2, do artº 410º, do CPP; 4º Com efeito, o Tribunal a quo deu com provada a prática, pelos arguidos, de factos integradores dos elementos típicos, objetivo e subjetivo, do aludido crime de abuso de confiança contra a segurança social, dando ainda como provada a prática, pelo outro gerente da sociedade arguida, C... , de factos (não descritos na acusação) integradores do mesmo tipo legal de crime (matéria de facto dada como provada, constante dos parágrafos 1 a 13 do ponto II da sentença recorrida) e conclui até que “dúvidas não restam que estão preenchidos os elementos típicos do crime”.
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Porém, o mesmo Tribunal veio a absolver os arguidos da prática do aludido crime, por ter concluído que “não se verificam – in casu – as condições de punibilidade do mesmo” pela circunstância de um dos gerentes da sociedade arguida, C... , não ter sido notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artº 105º, nº 4, al. b), do RGIT, o que, no seu entender, coarta, “a cada um e a todos, a possibilidade do pagamento da quantia em dívida”.
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Ora, tais afirmações – se analisadas à luz das regras da experiência, como impõe o artº 127º, do CPP – traduzem uma contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão; 7º Acresce que o Tribunal recorrido extraiu dos factos dados como provados uma conclusão ilógica, inaceitável e desadequada, notoriamente violadora das regras da experiência comum.
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Com efeito, o facto de a obrigação de pagamento à segurança social das quotizações em dívida, acrescidas de juros e da coima aplicável, constituir uma obrigação solidária e a circunstância de, relativamente a um dos gerentes – que não veio a ser acusado – se não encontrar verificada uma das condições objetivas de punibilidade, não afasta a responsabilidade criminal dos dois arguidos que vieram a ser acusados; 9º De facto, relativamente a estes arguidos, a notificação prevista no artº 105º, nº 4, al. b), do RGIT foi efetivamente efetuada e aqueles não procederam ao pagamento, no prazo de 30 dias após essa notificação, das quantias em dívida à segurança social, acrescidas dos juros respetivos e da coima aplicável; 10º Por isso, esses arguidos vieram a ser acusados e, relativamente a eles, foi feita prova, em sede de audiência de julgamento, do preenchimento, pela respetiva conduta, dos elementos típicos, objetivo e subjetivo, do crime que lhes vinha imputado.
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Assim, não podia o Tribunal a quo ter absolvido os arguidos da prática do crime de abuso de confiança social, por não se verificar, quanto a eles, a condição objetiva de punibilidade prevista na alínea b) do nº 4, do artº 105º., do RGIT.
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Pelo exposto, consideramos que a sentença recorrida violou o disposto nos artºs 127º e 410º, nº 2, als. b) e c), do CPP, 6º, nº 1, 7º, nº 1, 105º, nºs 1, 4 e 7 e 107º, nºs 1 e 2, do RGIT e 30º, nº 2, do CP.
Termos em que, deverão Vªs Exas., dando provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida e substituí-la por outra que condene os arguidos pela prática do crime de abuso de confiança contra a segurança social, p.p. pelas disposições conjugadas dos artºs 6º, nº 1, 7º, nº 1, 105º, nºs 1, 4 e 7 e 107º, nºs 1 e 2, do RGIT e 30º, nº 2, do CP, assim se fazendo, JUSTIÇA.
* Respondeu ao recurso a sociedade arguida, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões: 1. A presente decisão de absolvição, que não merece qualquer censura, resulta do não preenchimento dos requisitos objectivos de punibilidade, previstos no artigo 105º n.º 4, al. b, do RGIT.
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Prevê tal normativo que “Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se: a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal da entrega da prestação; b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito.” 3. Foram dados como provados os seguintes factos: “Notificados o Administrador da sociedade arguida já insolvente e o arguido B... , para efetuar o pagamento das quantias supramencionadas, no prazo de 30 dias, acrescidas dos respetivos juros legais e do valor da coima aplicável, tais quantias não foram pagas.” E que, “ C... , gerente da sociedade arguida não foi localizado e notificado para efetuar o pagamento das quantias supramencionadas no prazo de 30 dias, acrescidas dos respetivos juros legais e do valor da coima aplicável.” 4. Para que a sociedade arguida pudesse ser criminalmente responsabilizada, os seus gerentes (todos eles) deveriam ter sido notificados, nessa qualidade e enquanto responsáveis pela sociedade (e não apenas a título próprio), não podendo essa notificação ser feita na pessoa do Administrador da Insolvência, contrariamente ao que sucedeu no presente caso.
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De facto, “I – Nos termos do disposto no artigo 81.º, n.º 4, do CIRE, a representação do administrador da insolvência circunscreve-se aos efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência.
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II – Nas demais vertentes, designadamente as que contendem com a responsabilidade criminal da sociedade (em liquidação, mas não extinta), a representação da sociedade continuará a pertencer aos seus gerentes (n.º 2 do art. 82º do CIRE).” – Acórdão do tribunal da Relação de Coimbra, de 14-10-2015.
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Acresce que o facto de não se ter notificado o gerente C... obsta a que se consiga apurar a verdadeira responsabilidade da aqui sociedade arguida.
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De facto, a sociedade arguida não tem vida própria, dependendo da actuação de pessoas físicas, no caso concreto, de ambos os gerentes e não apenas de um, sendo certo que “não se sabe se esse responsável é imputável, actuou com dolo – exigível neste tipo de crime – se existe alguma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.”, o que poderia, em último caso, alterar a responsabilidade da própria sociedade arguida.
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Resulta, pois, que todos os intervenientes (sociedade arguida e seus gerentes) devem ser notificados, nos termos e para os efeitos do artigo 105.º, n.º 4, al. b) do RGIT, para que, dessa forma, seja dada a todos a oportunidade de efectuar o pagamento das quantias constantes da notificação, no prazo de 30 dias, uma vez que, o pagamento feito por um a todos libera, ficando, com o pagamento de um, excluída a responsabilidade criminal e a punibilidade de todos os responsáveis envolvidos.
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Desta forma, não tendo sido notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 105.º, n.º 4, al. b) do RGIT, o gerente C... , bem andou o Tribunal a quo em absolver os arguidos, por falta de verificação da condição objectiva de punibilidade, não merecendo a decisão qualquer censura.
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A absolvição dos arguidos não resulta de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, bem como de erro notório na apreciação da prova.
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Não merecendo qualquer censura a decisão a quo, deve improceder o recurso e manter-se a decisão recorrida que absolveu a sociedade arguida da prática do crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p.p pelos artigos 6.º, n.º1, 7.º, 105.º, n.º 1, 4 e 7 e 107.º, n.º 1 e 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) e 30.º, n.º 2 do Código Penal.
TERMOS EM QUE: Deve o recurso ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, manter-se a decisão proferida em primeira instância.
Porém, Vossas Excelências farão a costumada JUSTIÇA! * Também o arguido respondeu ao recurso, alegando, em síntese, que, devendo ser notificados para os efeitos previstos na alínea b) do nº 4 do art. 105º do RGIT, todos os gerentes e nessa mesma qualidade, e não o tendo sido o gerente C... , não está verificada a condição objectiva de punibilidade exigida para o preenchimento do tipo pelo que se...
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