Acórdão nº 157/14.3T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução24 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I – RELATÓRIO D (…) e mulher, M (…), intentaram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra M (…) e mulher, J (…) Pedindo que o tribunal:

  1. Condene os réus a reconhecer que os autores são donos e legítimos proprietários do prédio rústico inscrito na respetiva matriz predial da freguesia de (...) concelho de (...) , sob o artigo (...) , melhor identificado no artigo 1.º da petição inicial; b) Reconheça que os réus são donos e legítimos proprietários e possuidores do prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo (...) .º da freguesia de (...) , concelho de (...) ; c) Condene os réus a reconhecer que o prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo (...) .º da freguesia de (...) , concelho de (...) está onerado com uma servidão de pé e carro, a favor do prédio dos autores inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (...) , que se inicia na sua estrema que confronta com a Estrada (...) / (...) e à qual se acede através de portão colocado junto à estrema ESTE deste prédio dos réus, que o trajeto do caminho de servidão se prolonga durante 43 metros; com orientação inicial ESTE/OESTE, por cerca de 9 metros, após o que descreve uma curva para o seu lado esquerdo e adquire a orientação NORDESTE/SUDOESTE, prolongando-se por mais 34 metros até desembocar no prédio dos autores, no qual entra pela confrontação a NORDESTE e tem uma largura média de 3,00 metros, até desembocar em duas aberturas na vedação deste prédio, sita na sua confrontação a POENTE, uma resguardada por um portão pequeno, para passagem a pé, e outra, resguardada por um portão de maiores dimensões, para passagem de carro; d) Condene os réus a não impedir ou dificultar o uso da servidão de passagem identificada, abstendo-se de praticar quaisquer atos que impeçam o gozo da dita servidão pelos autores; e) Condene os RR. a refazer o muro de suporte de terras que demoliram no local em que este primitivamente se encontrava e a repor o pavimento natural do caminho, para que este mantenha uma largura média de 3,00 metros contados desde a face interior do muro para montante ou NOROESTE.

    Alegam, para tanto e em síntese: são donos do descrito prédio rústico, que adquiriram por compra, o qual é encravado e, por isso, há mais de 20, 30, 40 e 50 anos servido, a pé e de carro, por um caminho particular que se desenvolve no descrito prédio dos Réus e se revelava por obras e sinais exteriores; há mais de 10 anos a esta parte, os réus, aquando das obras de preparação para a implantação da sua casa no prédio em questão, alteraram a topografia do terreno, tendo rebaixado o terreno junto ao caminho de servidão para o prédio dos autores; para balizar o caminho e para evitar o seu desmoronamento, efetuaram um muro de suporte em blocos de cimento em determinado segmento desse caminho; em 2010, os autores efetuaram diversas obras serviços e melhoramentos no seu prédio rústico para as quais tiveram que usar uma máquina de movimentar terras de lagartas e torre giratória e tiveram que desmontar e cortar o talude a montante do caminho, o qual era parte integrante de um prédio rústico pertencente a M... ; em Agosto de 2012, os réus iniciaram a demolição do muro de blocos de suporte ao caminho que antes haviam construído e, de então para cá, têm vindo a escavar o talude que separa o leito do caminho do resto do seu prédio para diminuírem a largura daquele, com vista a dificultar e impedir a passagem dos autores para o seu prédio.

    Os Réus contestam a presente ação negando a existência do alegado caminho de servidão e deduziram pedido reconvencional, nos seguintes termos:

  2. Ser declarada a extinção de qualquer servidão que possa incidir sobre o prédio dos Réus por manifesta desnecessidade ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 1569.º do Código Civil; b) Serem os Autores condenados a abster-se de praticar todos e quaisquer atos que possam atentar contra o prédio dos Réus, concretamente escavando o talude ou alargando caminho no limite norte, confrontação com M... .

    Na mera hipótese do reconhecimento de servidão,

  3. Devem os Autores ser condenados a reduzir a entrada do terreno onde colocaram dois portões a três metros e a um só portão, facultando também chave aos Réus.

  4. Devem os Autores ser condenados a reconhecer e respeitar o caminho apenas em três metros de largura em toda a sua extensão.

  5. Mais devem ser os Autores condenados reconstruir o muro que destruíram, edificando-o à distância de três metros da confrontação a norte.

    Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a:

    1. Julgar a presente ação totalmente procedente por provada e, em consequência, condenando os réus a reconhecerem que por sobre o prédio rústico inscrito sob o artigo (...) , hoje prédio urbano inscrito sob o artigo (...) , da dita freguesia de (...) , de que são proprietários, se acha constituída uma servidão permanente de passagem a pé e de carro a favor do prédio rústico, sito à (...) , inscrito na respetiva matriz rústica, sob artigo (...) , da freguesia de (...) , descrito e inscrito a favor dos Autores na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º (...) da freguesia de (...) , propriedade dos Autores, servidão essa implantada e que se exerce pelo trato de terreno/caminho, descrito nos pontos 7 a 10 dos factos provados, bem como a não impedirem ou dificultarem o uso da identificada servidão de passagem, abstendo-se de praticar quaisquer atos que impeçam o gozo da dita servidão pelos autores e, consequentemente, a refazerem o muro delimitador dessa parcela de terreno que constitui tal servidão do restante terreno do prédio, o qual demoliram, no local em que este primitivamente se encontrava, repondo o pavimento natural do caminho, para que este mantenha uma largura média de 3 (três) metros contados desde a face interior do muro para montante ou noroeste; B) Julgar totalmente improcedente a reconvenção e, em consequência, absolver os Autores do pedido formulado pelos réus.

    2. Absolver os Autores do pedido de condenação como litigantes de má-fé.

    * Inconformados com tal decisão, os Réus dela interpõem recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem apenas parcialmente, face o nítido incumprimento do dever de nelas sintetizar os fundamentos do recurso: (…).

    * Não foram apresentadas contra-alegações.

    Cumpridos que foram os vistos legais, nos termos previstos no artigo 657º, nº2, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.

    II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes: 1. Falta de especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador – revogação, anulação da sentença.

    1. Impugnação da matéria de facto.

    2. Renovação da produção de prova.

    3. Extinção da servidão por desnecessidade.

    4. Condenação na reposição do muro.

    5. Condenação dos autores como litigantes de má-fé.

      III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO 1. Falta de especificação dos fundamentos que foram decisivos para a decisão do julgador.

      Segundo os apelantes, o tribunal recorrido não procedeu à análise crítica das provas, não procedeu à especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, não explicitou o processo de formação da sua convicção, o que levaria à sua revogação/anulação, por violação do disposto no artigo 653º, nº2 do CPC.

      Invocam os apelantes a verificação de uma deficiente fundamentação das respostas dadas pelo juiz a quo à matéria de facto, em violação do disposto no nº2 do artigo 653º, do CPC, segundo o qual o juiz “declarará quais os factos que o tribunal julga como provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador”.

      Tal exigência legal “impõe que, de acordo com as circunstâncias, se estabeleça o fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção, fazendo a respetiva apreciação crítica, nos seus aspetos mais relevantes. Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, o juiz deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (art. 607º, nº5) deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos[1]”.

      É a violação deste dever específico que se encontrará aqui em causa, sendo que, caso se tenha por verificada, importará, não a nulidade da sentença, mas tão só a consequência prevista na al. d), do nº2, do artigo 662º do CPC – baixa dos autos à primeira instância, a fim de o juiz a quo completar a sua fundamentação, com base nas gravações efetuadas ou através da repetição da prova.

      De qualquer modo, não é a insuficiente fundamentação de qualquer facto que poderá acarretar tal solução, mas tão só quando a deficiente fundamentação incida sobre algum facto essencial: “se o facto dado, sem fundamentação, como provado ou não provado não se revelar concretamente essencial para a decisão da causa, a exigência, a posteriori, da fundamentação, em via de recurso, é inútil, sendo a falta de fundamentação irrelevante[2]”.

      Ora, no caso em apreço, os Apelantes não requerem a...

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