Acórdão nº 235/11.0TBMIR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA CATARINA GON
Data da Resolução17 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

A...

, residente na Rua (...) , Mira (entretanto falecida e substituída pelos seus herdeiros B...

, C...

, D...

, E...

e F...

); G...

, residente no Largo (...) , Mira; H...

, residente na Rua (...) , Aveiro; I...

, residente na Rua (...) , Mira e J...

, residente na rua (...) , Praia Mira, vieram instaurar acção contra L...

, residente na Rua (...) , Mira; M...

, residente na Rua (...) , Cacia e N...

, residente na Rua (...) , Mira (entretanto falecido e representado pelos seus herdeiros O...

, P...

e Q...

).

Alegam, em suma: que são herdeiros de R... e S... de cuja herança faz parte um estabelecimento de farmácia, denominado Farmácia X... , sita em w....; que essa farmácia era gerida por T... (filho dos autores da herança), sendo que, à data, os demais herdeiros tinham a convicção de que tal farmácia lhe havia sido legada pelos pais; que, por escritura de 1960, os filhos dos autores da herança ( T... , U... , V... e Z... ) outorgaram contrato de trespasse da farmácia a favor da Dr.ª M... , pelo preço de trinta mil escudos, sendo que tal trespasse não se efectivou e foi um negócio simulado, já que os trespassantes nunca receberam o preço e a trespassária nunca recebeu a posse efectiva da farmácia; que tal trespasse e consequente declaração foram «feitos» para antecipadamente iludir a legislação que se preparava para entrar em vigor e que impediria que quem não fosse licenciado em farmácia pudesse deter a propriedade de uma farmácia; que, em 1966, faleceu T... , o qual deixou a farmácia, por doação, e posteriormente, por testamento, ao sobrinho L... (filho de seu irmão Z... ); que tal doação e testamento não são válidos uma vez que a farmácia não pertencia inteiramente a T... , integrando a herança dos quatro filhos de S... .

Com estes fundamentos, formulam os seguintes pedidos: 1. Que se declare nulo, por simulado, o contrato de trespasse celebrado, em 22/03/1960, entre a Ré M... e T... , U... , V... e Z... ; 2. Que se declare nula, por ilegítima, a doação feita por T... , a favor de L... e, pela mesma razão, nulo o legado testamentário do mesmo T... , a favor do Réu L... ; 3. Que se reconheçam os herdeiros de R... e S... , como legítimos proprietários do estabelecimento comercial farmácia denominado “Farmácia X... ”, melhor descrito no artigo 7º do presente articulado; 4. Que os Réus L... e mulher sejam condenados a devolver à herança o estabelecimento comercial farmácia.

  1. Que o Réu L... seja condenado a restituir à herança todos os frutos que a farmácia produziu desde 25 de Outubro de 1966 ou, mesmo que tal não se entenda, o que não se concede e apenas se alega por mera questão de raciocínio, condenar o Réu, em alternativa a restituir todos os frutos que a farmácia produziu e vier a produzir, desde a citação do Réu para a presente acção e até efectiva prestação de contas e entrega da farmácia à herança.

  2. Que o Réu L... seja notificado para vir aos autos prestar contas relativamente a todos os frutos produzidos pela farmácia desde o início da sua posse.

A Ré, M... , veio apresentar contestação, invocando a ilegitimidade dos Autores por não serem herdeiros legitimários dos autores da sucessão e carecerem de legitimidade para arguir a alegada simulação. Nega também a existência de simulação do contrato de trespasse, alegando que pagou o preço e que passou a explorar a farmácia a partir da dada da celebração da escritura, exercendo as funções de Directora Técnica. Mais alega ter celebrado esse negócio com o intuito de vir a transmitir a farmácia ao Réu, L... , sendo que sempre possuiu o estabelecimento em nome deste Réu, sendo este quem atendia a clientela e quem fazia a respectiva gestão. Alega, portanto, que o Réu L... explora o estabelecimento comercial desde 1960, ininterruptamente, à vista de todos, de forma pública, pacífica, sem oposição de ninguém e continuadamente, ocupando-o e explorando-o por sua conta e risco até à presente data, sem oposição dos Autores ou de quem quer que seja, sempre convicto que o estabelecimento que possui é exclusivamente seu, não ofendendo ou lesando direitos de terceiros.

Conclui pedindo a procedência das excepções invocadas e a sua absolvição (da instância ou do pedido), mais pedindo que os Autores sejam condenados como litigantes de má-fé em multa e indemnização a seu favor no valor suficiente para o reembolso de todas as despesas judiciais e não judiciais efectuadas por causa deste processo e nos honorários do seu mandatário a serem fixados após a sentença e prévia audição das partes.

O Réu, N... , invocando a sua ilegitimidade por não ter qualquer intervenção na relação controvertida e, impugnando a matéria de facto alegada, diz: que a farmácia foi comprada, no ano de 1960, pelo Réu L... aos quatro herdeiros de S... , T... , V... , U... e Z... ; que o aludido Réu pagou o preço devido; que, na altura, as farmácias apenas podiam ser de farmacêuticos e por isso o referido L... pediu à Ré M... , farmacêutica que fosse ela a “dar o nome como proprietária” na escritura de trespasse, sendo certo, no entanto, que a partir dessa data e até aos dias de hoje, sempre foi o Ré L... quem passou a ser o proprietário da farmácia e que a explorou e geriu por sua conta.

Conclui pedindo a sua absolvição da instância ou, se assim não se entender, a sua absolvição do pedido.

O Réu, L... , contestou e deduziu reconvenção, alegando, em suma: que é falsa a existência do alegado testamento e doação de T... a favor do Réu; que o trespasse não foi simulado já que os ali trespassantes pretenderam efectivamente transmitir a propriedade da farmácia ao Réu L... ; que, face à legislação vigente na altura, solicitou à Ré M... que figurasse como compradora, não obstante ser ele o verdadeiro proprietário; que pagou o preço acordado e que, desde então, geriu sozinho e de forma ininterrupta a referida farmácia e que, com a entrada em vigor – em Março de 1965 – da Lei nº 2125 e com a aplicação do nº 3 da BASE XII da aludida lei a propriedade do estabelecimento de farmácia em causa foi adquirida pelo ora contestante.

Com estes fundamentos, conclui pedindo:

  1. Que seja julgada procedente a excepção da aquisição da propriedade da farmácia pelo R. L... , efectuada nos termos do disposto no nº 3, da BASE XII, da Lei nº 2125 de 20 de Março de 1965, tornando assim válido o negócio dissimulado e absolvendo-se os RR. dos pedidos formulados pelos AA., Ou, caso assim se não entenda, B) Que seja julgado procedente, por provado, o pedido reconvencional deduzido de aquisição da propriedade da farmácia pelo R. L... através do Instituto do Usucapião, com a consequente improcedência de todos os pedidos formulados pelos AA.

    Os Autores replicaram, sustentando a improcedência das excepções invocadas. Alegando que o estabelecimento comercial não é susceptível de posse e, como tal, não pode ser adquirido por usucapião, sustentando que não estão verificados os pressupostos da usucapião e impugnando diversos factos alegados, concluem pela improcedência da reconvenção. Pedem ainda que a Ré M... seja condenada, como litigante de má-fé, em multa e indemnização a favor dos Autores correspondente ao valor de todas as custas judiciais e não judiciais, onde se devem incluir os honorários dos mandatários dos autores.

    O Réu, L... , apresentou tréplica, sustentando que os Autores actuam com abuso de direito ao virem agora pôr em causa o direito de propriedade do Réu quando é certo que nem eles nem os seus antepassados o fizeram em momento anterior, mais sustentando que prescreveu o direito dos Autores de pedirem a declaração de nulidade do acto aquisitivo e de deduzirem oposição à aquisição da propriedade através da usucapião.

    Por despacho de 09-01-2012, julgou-se procedente a excepção de ilegitimidade do Réu N... que, em consequência, foi absolvido da instância.

    No mesmo despacho, foram os Autores convidados a suprir a preterição de litisconsórcio necessário activo e passivo mediante a dedução do incidente adequado a provocar a intervenção dos interessados em falta.

    Na sequência desse facto, os Autores vieram requerer a intervenção principal de RR... e de N...

    , a primeira como associada dos Réus e o segundo como associado dos Autores.

    Admitida a intervenção e citados os intervenientes, RR... veio apresentar contestação e deduzir reconvenção, assumindo posição semelhante à assumida pelo seu marido (o Réu, L... ).

    Os Autores replicaram Findos os articulados foi admitida a reconvenção, foi proferido despacho saneador e foi elaborada a matéria de facto assente e base instrutória.

    Entretanto, tendo falecido a Autora, A... , foram habilitados como seus sucessores, B... , C... , D... , E... e (conforme rectificação posteriormente efectuad

    1. F... , melhor identificados nos autos.

    E tendo também falecido N... , foram habilitados como seus sucessores O... , P... e Q... , melhor identificados nos autos.

    Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente e julgando procedente a reconvenção, declarou a aquisição da propriedade da FARMÁCIA X... pelos réus/reconvintes L... e RR... , sua esposa, através do Instituto do Usucapião.

    Inconformados com essa decisão, os Autores C... , F... , D... , E... e G... , vieram interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

  2. Verifica-se, assim, uma situação de deficiente fundamentação da Decisão de Facto, enquadrável e prevista no artigo 662º., nº. 2, d), do CPC, pois a fundamentação deve ser adequada à necessidade que se imponha em cada caso concreto e, no caso em apreço, afigura-se-nos que a fórmula utilizada é insuficiente no sentido de se entender a razão do decidido, havendo razões (mais que) suficientes para determinar a baixa dos autos à 1ª instância para melhor fundamentação.

  3. É que o novo Código de Processo Civil introduziu, no que respeita à fundamentação da decisão da matéria de facto, uma alteração em relação ao regime precedente e, embora constituindo questão que...

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