Acórdão nº 6732/14.9T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Outubro de 2017
Magistrado Responsável | V |
Data da Resolução | 17 de Outubro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I –Relatório Intentando ação de interdição por anomalia psíquica, o Exm.º Magistrado do M.º P.º requereu a interdição de E (…), com os sinais dos autos, alegando, em síntese, que: -o Requerido, nascido em 01/03/1992, é portador de atraso mental leve, tendo um quociente intelectual total de 60, e que, apesar de ter completado o 9.º ano de escolaridade no ano de 2009, frequentando escola profissional, e apresentar alguma autonomia relativa, conseguindo realizar as tarefas da vida diária, esse quadro clínico afeta-lhe, de forma permanente e irreversível, o entendimento, o discernimento e a vontade, reduzindo-lhe a capacidade de adaptação às normas de independência pessoal e de responsabilidade social, o que torna incapaz de governar a sua pessoa e/ou de gerir e dispor dos seus bens, para tanto necessitando de orientação e supervisão de terceiros (não é independente, agindo de acordo com as instruções que lhe forem dadas); - por isso, não consegue tomar decisões complexas, a diversos níveis, nem gerir o seu património (reconhece o dinheiro mas não o sabe gerir, nem atribuir-lhe o respetivo valor) e a sua pessoa em termos de completa autonomia, mostrando falta de discernimento para entender o alcance e o significado do exercício dos direitos que lhe assistem (em processo que correu termos pelo DIAP de Coimbra, o procedimento criminal foi iniciado com queixa apresentada por seu pai).
Após afixação de editais e legal publicação de anúncio, foi efetuada a citação, contestando o Requerido, âmbito em que invocou: - não se mostrarem preenchidos todos os pressupostos da interdição, designadamente, a incapacidade de reger os bens e a pessoa em razão de anomalia psíquica, faltando uma anomalia grave (é mero atraso mental leve o de que padece), atual, habitual e duradoura; -assim concluindo pela improcedência da ação; -tanto mais que no ano letivo de 2013/2014 completou o curso de “Técnico de Receção”, com a qualificação de 11 valores, estando apto para exercer atividade profissional, deslocando-se sozinho entre a sua residência e o local de estudo, bem como entre a Guarda e Coimbra, de modo totalmente independente, gerindo o dinheiro que os pais lhe davam, saindo com amigos e estando; -em suma, mostra-se apto para uma vida dentro da normalidade, também do ponto de vista pessoal, sendo ainda que ambos os pais são professores de educação especial, por isso especialmente vocacionados para o acompanhar e ajudar.
Realizado exame pericial do Requerido, com dedução de oposição, bem como interrogatório daquele, foi dispensada a audiência prévia e foi proferido despacho saneador, determinando-se o objeto do litígio e enunciando-se os temas de prova, que não foram objeto de reclamação.
Realizada também a audiência de julgamento, com produção de provas, foi proferida sentença, pela qual foi decretada a interdição do Requerido por anomalia psíquica, fixando-se como data do seu início o dia 01/03/1992, nomeando-se tutor D (…) e elementos do conselho de família V (…) e O (…) (protutor e vogal, respetivamente).
Inconformado com o assim decidido, veio o Requerido interpor recurso, apresentando alegação, culminada com as seguintes Conclusões ([1]): (…) Pugna, assim, na procedência do recurso, pela revogação da sentença de interdição, a ser substituída por decisão de declaração de inabilitação.
O M.º P.º apresentou contra-alegação recursória, onde concluiu por: (…) Nestes termos e nos demais de direito, entendemos que, in casu, resultam verificados os pressupostos de aplicação do instituto da Inabilitação.” ([2]).
O recurso foi admitido, como de apelação, com efeito suspensivo e subida imediata e nos próprios autos, tendo sido ordenada a remessa do processo a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime recursório.
Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.
II –Âmbito do Recurso Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo delimitado em sede de articulados – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor e aqui aplicável (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([3]) –, está em causa na presente apelação saber ([4]):
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Se deve corrigir o Tribunal ad quem, ao abrigo do disposto no art.º 614.º do NCPCiv., invocados lapsos de escrita imputados à decisão da matéria de facto da 1.ª instância (e que esta não corrigiu); b) Se foi devidamente impugnada a decisão de facto, devendo ser alterada; e se ocorre pendor conclusivo ou contraditório nessa decisão de facto, mormente quanto ao ponto 10. dado como provado na sentença; c) Se, em matéria de direito, não se verificam os pressupostos da interdição, mas apenas da habilitação, com adição das medidas elencadas pelo M.ºP.º em sede de contra-alegação.
III –Fundamentação
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Das pretendidas alterações de lapsos na decisão de facto Pretendia o Recorrente, desde logo, a correção de invocados “lapsos de escrita”, ao abrigo do disposto no art.º 614.º do NCPCiv., no concernente a pontos determinados da decisão da matéria de facto da 1.ª instância, e que esta não corrigiu – era o caso da afirmação de existência de anomalia psíquica inata/desde a nascença, bem como a quanto à qualificação do Apelante como “técnico de recepção” e não “técnico de reparação” (conforme certificado junto com a contestação).
Ora, se é certo que o art.º 614.º do NCPCiv. permite a correção de erros materiais ou lapsos de escrita da sentença, tal tarefa corretiva cabe ao Juiz a quo (ao qual é permitido lançar mão, sem prejuízo do esgotamento do poder jurisdicional, dos mecanismos dos art.ºs 613.º e seg. do NCPCiv.) e, no caso de recurso, somente até ao momento da expedição do recurso para o tribunal superior (n.º 2 daquele art.º 614.º).
A esse Juiz cabe também, sendo o caso, proceder à reforma da sentença, nas situações a que alude o art.º 616.º do NCPCiv..
Já ao Tribunal ad quem cabe, sob arguição da parte, conhecer das causas de nulidade da sentença (art.º 615.º do NCPCiv.).
Todavia, tal não impede que o Tribunal de 1.ª instância se pronuncie, previamente, sobre a...
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