Acórdão nº 53/14.4T9GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelIN
Data da Resolução18 de Janeiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Processo de instrução da Comarca da GUARDA - Instância Local - Secção Criminal - Juiz 1.

*** Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I- Relatório No processo supra identificado A... , casado, portador do Bilhete de Identidade n.º (...) , emitido em 07/05/004, pelo S.LC. da Guarda, contribuinte fiscal número (...) , residente na Rua (...) Guarda, deduziu acusação particular, pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelo art. 180.º, do Código Penal, conjugado com os art. 29.º e segts., máxime art. 30.º, da Lei da Imprensa contra os arguidos: 1. B... , residente no Largo (...) Moimenta da Beira.

  1. C... , Director do Canal Televisivo (...) , com domicílio profissional na Rua (...) Lisboa; 3. D... , Jornalista, residente na Rua (...) Guarda.

* O Ministério Público não acompanhou a acusação particular do assistente.

* O arguido B... , de fls. 328 a 331 e os arguidos C... e D... , de fls. 344 a 366, requereram a abertura de instrução, finda a qual foi proferido despacho de não pronúncia quanto ao crime que era imputado aos arguidos.

* Despacho de não pronúncia: «I. Relatório: O assistente deduziu acusação particular, não acompanhada pelo Ministério Público contra: B... , C... e D...

Melhor identificados nos autos, pela suposta prática: -em autoria material e na forma consumada, de (1) um crime de difamação, a cada um, previsto e punível pelo artigo 180º, do Código Penal.

Discordando de tal acusação vieram os arguidos requerer a abertura de instrução com os fundamentos constantes dos seus RAI de fls. 328 a 331 e 332 a 343, negando a prática dos factos pelos quais se encontram acusados uma vez que os factos não constituem crime e nem sequer existem factos contra os arguidos relatados na acusação particular.

Os actos de instrução: Por despacho de fls. 371 a 373 foi declarada aberta a instrução.

Em instrução procedeu-se à realização do debate instrutório, com observância do devido formalismo legal.

  1. Saneamento: O Tribunal é competente em razão da matéria e hierarquia.

Da Nulidade da acusação particular: Da acusação particular apresentada pelo assistente a folhas 262 a 267 consta que …o terrorismo em Portugal …é alguém que deita…e depois os que cá estão…, para o assistente tirar a conclusão que o estão a apelidar de terrorista.

Assim, a acusação deduzia por assistente há-de conter, substancialmente, uma verdadeira acusação, como resulta desde logo das alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º do mesmo diploma legal.

Nos termos das alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º do Código de Processo Penal a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e ainda a indicação das disposições legais aplicáveis.

Como comenta Maia Gonçalves, o requerimento do assistente para abertura da instrução e ainda a acusação apresentada por um assistente “deverá, a par dos requisitos do n.º 1, revestir os de uma acusação, que serão necessários para possibilitar a realização da instrução, particularmente no tocante ao funcionamento do princípio do contraditório, e a elaboração da decisão instrutória” - in "Código de Processo Penal Anotado", 1999, 11.ª Edição, pág. 552.

Neste sentido o Acórdão da Relação de Coimbra de 24 de Novembro de 1993, in CJ, T. IV, 61, ou seja, se no “requerimento de abertura de instrução em causa não se faz qualquer enumeração dos factos concretos que se pretende estarem indiciados nos autos, não se faz uma descrição da conduta do arguido.

Não compete ao Juiz de instrução perscrutar os autos para fazer a enumeração e descrição dos factos que se poderão indiciar como cometidos pelo arguido, pois, se assim fosse, estar-se-ia a transferir para o Juiz o exercício da acção penal, com violação dos princípios constitucionais e legais vigentes.

Assim, a acusação particular apresentada por um assistente há-de conter, necessariamente, a concretização precisa e concisa quer dos factos - objectivos e subjectivos conformadores do ilícito penal em causa.

Não existindo presunções de dolo, os princípios da vinculação temática e da garantia de defesa do arguido impõem ao assistente, acusador particular, o dever de afirmar factualmente qual o tipo de atitude ético-pessoal do agente perante o bem jurídico-penal lesado pela conduta proibida.

Apreciemos, pois, a acusação particular O assistente apresenta os motivos de discordância do despacho de arquivamento, relata os factos que levaram o assistente a apresentar a queixa, ou seja, recomeça a contar os factos ab initio, contudo não enumera os factos concretos e objectivos que considera terem sido praticados pelos denunciados e nem sequer indica quais denunciados terão praticados os factos que enumera, apresentando factos, muitos deles, conclusivos e por outro é completamento omisso quanto ao elemento subjectivo.

Sendo o processo penal enformado pelo princípio do acusatório, do qual resulta a indisponibilidade do objecto e do conteúdo do processo (princípio este que encontra acolhimento no art. 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa), constitui pressuposto processual da instrução, para além do mais e já supra referido, que haja uma imputação subjectiva dos elementos objectivos aos suspeitos da prática de qualquer facto que possa construir crime, ou tenha relevância penal, em última instância, não estando tal tarefa na disponibilidade do juiz de instrução, sob pena de incorrer na prática de uma nulidade caso se viesse a substituir à tarefe que incumbe à assistente.

Assim, e embora exista referência ao crime que supostamente os denunciados terão praticado, há uma omissão relativamente aos elementos objectivos e subjectivos que enformam o referido crime.

In casu, entendemos que estamos perante uma situação de inadmissibilidade legal da acusação particular dado que a mesma enferma de nulidade.

Na verdade, finda a instrução fica este tribunal sem saber quem haveria de pronunciar e a que título, pois o preenchimento de um tipo legal de crime faz-se pela imputação objectiva e subjectiva dos fatos ao seu autor, e no caso concreto inexiste qualquer imputação subjectiva, e no processo não é lícita a prática de actos inúteis – art. 137.º Código de Processo Penal.

Neste sentido vd Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 6/12/2010, Processo 121/09.4TAAVV: “O dolo constitui matéria de facto e, por isso, têm de ser devidamente alegados os factos donde tal se possa concluir.

Assim sendo, não é legítimo afirmar o dolo simplesmente a partir das circunstâncias externas da acção concreta pois, a não ser assim, o arguido estaria impedido de se defender cabalmente por ignorar a modalidade do dolo.

Nestes termos e ao abrigo do disposto nos artigos 308.º, n.º 3, e 283.º, n.º 3, ambos do CPP, declaro nula a acusação particular deduzida pelo assistente A... e consequentemente: - decide-se proferir DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA dos arguidos B... , C... e D... , pela suposta prática em autoria material e na forma consumada, de (1) um crime de difamação, a cada um, previsto e punível pelo...

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