Acórdão nº 214/14.6GAPMS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Janeiro de 2017
Magistrado Responsável | MARIA JOS |
Data da Resolução | 18 de Janeiro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito dos autos 214/14.6GAPMS da Comarca de Leiria, Porto de Mós – Inst. Local – Secção Criminal – J1 o Ministério Público deduziu acusação para julgamento em processo comum, com a intervenção do tribunal singular, contra os arguidos A... e B..., melhor identificados nos autos, imputando-lhes: à primeira a prática, em autoria, sob a forma consumada, tentativa impossível de um crime de corrupção ativa, p. e p. pelo artigo 374.º, n.º 1, 22º e 23º, todos do Código Penal; ao segundo, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1 do Código Penal.
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Remetidos os autos a juízo, por ter sido considerada manifestamente infundada, veio a acusação pública a ser rejeitada.
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Inconformado com a decisão assim proferida recorreu o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões: 1.ª A acusação nunca poderá ser havida por manifestamente infundada.
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É pacífico na doutrina e na jurisprudência que, nos termos do art.º 23º, nº 3 do Código Penal, a tentativa impossível é punida desde quando não sejam manifestas a inidoneidade do meio ou a carência do objeto (inidoneidade relativa).
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A arguida queria obter uma certidão fiscal de ausência de dívidas fiscais, sem as regularizar e para isso não hesitou em pagar € 1.500 em numerário, sendo que o dinheiro de destinava a um Chefe de Finanças (Assistente) para que este praticasse o referido ato ilegítimo e persistiu na sua conduta, deslocando-se a Serviço de Finanças de (...) e telefonando para o referido Serviço passado dias a reclamar com o Assistente por este não o ter feito.
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Discute-se um crime de Corrupção, Cancro da República e da Democracia, cujo bem jurídico é a autonomia intencional do Estado.
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Para a generalidade das pessoas e para os funcionários que trabalham sob orientação da Assistente, resulta que o meio normalmente eficaz no crime de corrupção (in casu pagar a um funcionário da Administração Tributária para praticar ato administrativo ilícito) apenas deixou de operar pelas circunstâncias em que foi utilizado.
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A errónea representação da realidade fáctica apenas ocorreu por erro induzido pelo arguido na execução do crime de burla.
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No caso em concreto, através das regras da experiência comum ou da causalidade adequada, face ao circunstancialismo em que a arguida atuou e persistiu durante dias e o desvalor da sua ação, sendo ostensivo estamos perante uma tentativa impossível (inidoneidade relativa) punível, não obstante não existir bem jurídico violado.
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Estamos perante um risco sistémico, sendo a situação passível de ser replicada por burlões para Inspetores, Chefes de Finanças, Magistrados de todas as instâncias e demais funcionários.
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Não é fundamentada decisão judicial ao escrever-se no despacho recorrido que a tentativa “é impossível, como tal não é punível” porquanto: - verifica-se petição de princípio, dando o que pretende argumentar como assente, ao arrepio de toda a doutrina e jurisprudência portuguesa; - não se enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram à tomada de decisão judicial e o seu entendimento quanto ao crime impossível face à Lei, jurisprudência e doutrina.
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Existem na peça acusatória todos os elementos do crime de burla: - o emprego de astúcia pelo agente – o arguido declara a arguida que o Assistente, com funções de Chefe de Finanças, emite certidão de ausência de dívida fiscal da arguida, apesar de esta as ter, a troco de € 1.500 pagos em numerário para este – pontos 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 16º, 20º, 23º a 28º, sendo claro o dolo específico constante e evidenciado nos pontos 29, 30, 31, 32 e 33; - a verificação de erro ou engano da vítima devido ao emprego da astúcia – a arguida “pensava que seria coautora de crime de corrupção ativa” por nunca ter falado com Assistente, apesar de saber onde trabalhava, estado civil, número de filhos e deslocação a Serviço de Finanças de (...) – pontos 13, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42; - a comprovação da prática de atos pela vítima em consequência do erro ou engano em que foi induzida; - em súmula, o encontro e entrega de dinheiro, de que vinha munida em numerário – pontos 14, 15, 16, 17 d. a existência de prejuízo patrimonial da vítima …, resultante da prática dos referidos atos – a entrega dos € 1.500, que arguido fez seu – pontos 15 e 21.
e. nexo causal – os constantes nos pontos 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 19º, 20º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 42º, 10.ª O erro da arguida, decorrente de ignorância que Assistente não tinha sido corrompido na sequência de estória de arguido, que agiu com dolo específico encontram-se amplamente desenvolvidos na peça Acusatória, como decorre de ponto 29º a 42º.
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Existe um pré-juízo elaborado judicialmente em sede de despacho de saneamento sobre o mérito da acusação, vinculado a raciocínio de que a corrupção na forma de tentativa impossível não é crime e enganar alguém sobre isso também não é crime.
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Quando o juiz rejeita a acusação por manifestamente infundada considerando que os factos não constituem crime mediante uma interpretação divergente de quem deduziu essa acusação viola o princípio do acusatório.
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Só quando de forma inequívoca os factos que constam da acusação não constituem crime é que o Tribunal pode declarar a acusação manifestamente.
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O despacho de encerramento de inquérito contém todos os elementos constantes do n.º 3 do art.º 311º: identificação dos arguidos, a narração dos factos; a indicação das disposições legais aplicáveis e as provas que fundamentam, constituindo, ainda, os factos, os crimes imputados aos arguidos.
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Salvo melhor entendimento, foi violado o disposto nos artigos 23º, nº 3 e 217º do Código Penal e artigos 97º, nº 5, 53º, n.º 2, al. b), 262º, n.º 1, 263º, nº 1, 267º, 276º e 277º, 311º, nºs 2, al. a) e n.º 3 alínea d) do Código de Processo Penal e artigo 219º da Constituição da república Portuguesa.
Termos em que, Deverá ser concedido provimento ao recurso ora interposto, revogando-se o despacho recorrido, devendo ser ordenada a sua substituição por outro que receba a acusação deduzida nos autos, assim se fazendo a boa e costumada Justiça.
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Por despacho exarado a fls. 327 foi o recurso admitido e fixado o respetivo efeito.
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Nenhum dos sujeitos processuais interessados respondeu ao recurso.
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Na Relação o Exmo. Procurador – Geral Adjunto proferiu parecer, no qual, aderindo aos fundamentos apresentados em 1.ª instância, defendeu a procedência do recurso.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não houve reação.
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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, pois, decidir.
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Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso Sendo por intermédio das conclusões que se delimita o objeto do recurso, no caso em apreço cabe apreciar se, como defende o recorrente, não ocorria fundamento para que a acusação pública tivesse sido rejeitada, porquanto não se revelaria a...
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