Acórdão nº 51/14.8T8CTB.C1.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE MANUEL LOUREIRO
Data da Resolução24 de Janeiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório Os autores propuseram contra a ré a presente acção com a forma de processo comum, deduzindo os pedidos seguidamente transcritos: “Nestes termos, requer a V.Exª. se digne considerar a presente acção procedente e provada, e em consequência: Declarar-se que as dívidas e contratos subjacentes às hipotecas constituídas sobre as fracções autónomas dos AA. estão cumpridos pelo pagamento, e que nada é devido ao R. pelos responsáveis hipotecantes; Declarar-se que os imóveis não podem continuar a garantir a dívida hipotecária face aos efeitos legais decorrentes da insolvência na hipotecante/insolvente e seus credores; Julgarem-se extintas as hipotecas constituídas e que incidem sobre os imóveis; Ordenar-se o cancelamento dos respectivos registos; Declarar-se que a hipoteca referida em art.8º da P.I. não existência jurídica; Condenar-se a R. a reconhecê-lo e a emitir as declarações de cancelamentos das hipotecas referidas em arts.6º a 8º da P.I.

Condenar a R. nas custas e demais de lei.

” Como fundamento dessas pretensões, alegaram, em resumo, o seguinte: são donos e legítimos possuidores das fracções autónomas designadas pelas letras N e M e com os demais sinais identificativos descritos na petição; sobre a fracção N encontra-se registada uma hipoteca a favor da ré, inscrita registralmente pela apresentação nº 57, de 09/10/2001, para garantir um crédito da ré sobre a sociedade F..., Lda, dona dessa fracção à data da constituição da hipoteca, decorrente de quaisquer operações bancárias, nomeadamente mútuos, aberturas de crédito de quaisquer natureza, descobertos em contas à ordem, letras, livranças, cheques, extractos de factura, warrants, garantias bancárias, fianças, avales e empréstimos obrigacionistas, até ao montante de catorze milhões de escudos, respectivos juros à taxa anual de 11,45%, acrescida de uma sobretaxa até 4% ao ano, em caso de mora, a título de cláusula penal, e despesas fixadas para efeitos de registo em Esc. 560.000$00; sobre a fracção M encontra-se registada outra hipoteca a favor da ré, inscrita registralmente pela apresentação nº 34, de 24/4/2002, para garantir um crédito da ré sobre a sociedade F..., Lda, dona dessa fracção à data da constituição da hipoteca, emergente de quaisquer operações bancárias, nomeadamente mútuos, aberturas de crédito de quaisquer natureza, descobertos em contas à ordem, letras, livranças, cheques, extractos de factura, warrants, garantias bancárias, fianças, avales e empréstimos obrigacionistas, até ao montante de quinze mil euros, respectivos juros à taxa anual de 11,45%, acrescida de uma sobretaxa até 4% ao ano, em caso de mora, a título de cláusula penal, e despesas fixadas para efeitos de registo em 600€; sobre a fracção N foi constituída uma outra hipoteca não registada, para garantia das obrigações assumidas ou a assumir perante a ré pela sociedade F..., Lda, decorrentes de quaisquer operações bancárias, nomeadamente mútuos, aberturas de crédito de quaisquer natureza, descobertos em contas à ordem, letras, livranças, cheques, extractos de factura, warrants, garantias bancárias, fianças, avales e empréstimos obrigacionistas, até ao montante de quinze mil euros, respectivos juros à taxa anual de 11,45%, acrescida de uma sobretaxa até 4% ao ano, em caso de mora, a título de cláusula penal, e despesas fixadas para efeitos de registo em 600€; os autores adquiriram essas fracções em data posterior à da constituição das referidas hipotecas, pelo preço de 5,0058€ quanto à fracção N e de 8.871,39€ quanto a fracção autónoma M; à data dessas aquisições, os contratos subjacentes à constituição das hipotecas voluntárias, designadamente contas-correntes caucionadas, operações de desconto de cheques, letras de câmbio e livranças, etc., já estavam integralmente cumpridos, nada sendo devido pela F..., Lda à ré, situação que se mantinha à data da proposição da acção; em data posterior à dessas aquisições, a F..., Lda foi declarada insolvente, por sentença transitada em julgado, qualificada como fortuita, estando a sua matrícula cancelada e o processo em fase de liquidação e rateio final, tendo já sido prestadas contas pelo administrador de insolvência; nesse processo de insolvência, a ré reclamou créditos no valor de 12.977,13€, tendo-lhe sido reconhecidos pelo administrador de insolvência, em 4/8/2011, as quantias de 10.824,02€ como créditos comuns, de 279,11€ de créditos subordinados e de 1.874€ de créditos sob condição, os quais não foram alvo de impugnação; a ré nada pode exigir à insolvente para além do constante da sentença de verificação e graduação de créditos e os pagamentos que lhe couberem no rateio final a efectuar pelo administrador de insolvência; não existe qualquer relação subjacente que sustente as hipotecas que incidem e estão constituídas sobre os imóveis dos autores, apesar do que a ré se recusa a emitir os distrates a elas correspondentes; não sendo os autores sujeitos passivos de quaisquer responsabilidades perante a ré e relativamente às obrigações da F..., Lda, a subsistência dos registos daquelas hipotecas ofende o art. 892º do Código Civil (CC).

A ré contestou pugnando pela improcedência da acção, e deduziu reconvenção na qual deduziu os pedidos seguidamente transcritos: “…deverá ser declarado procedente o pedido reconvencional declarando-se assim: a) A nulidade da compra e venda das frações autónomas designadas pelas letras “M” e “N”, outorgada entre a sociedade F..., Lda. e os aqui AA., aquisição esta registada em nome destes na CRP sob apresentação nº 5150 de 23.07.2009 para ambas as frações; b) O cancelamento do registo de aquisição respeitante a estas duas frações; c) A existência do crédito a R. no valor de 15.927,27 €, acrescido dos juros devidos, conforme contestação, até ao efetivo pagamento.

”.

Alegou, em resumo, o seguinte: nada recebeu dos créditos por si reclamados no processo de insolvência, pelo que se mantêm em pleno vigor as hipotecas referidas pelos autores; foram simulados os negócios jurídicos pelos quais os autores adquiriram as fracções identificadas na petição, com o propósito de se retirar aos credores da insolvente a possibilidade de se pagarem através dessas fracções; o preço declarado na escritura de compra e venda dessas fracções é manifestamente inferior ao valor real das mesmas; o crédito global que reclamou na insolvência é constituído pelos créditos parcelares que identifica e quantifica na contestação.

Replicaram os autores para, em resumo, impugnarem a simulação arguida na contestação e concluírem como já tinham feito na petição.

Foi suscitada e admitida a intervenção principal provocada da sociedade F..., Lda, a qual nada requereu nos autos.

Os autos prosseguiram os seus regulares termos, sendo proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte: “Pelo exposto, decide-se: a) julgar totalmente improcedente a acção e, consequentemente, absolve-se a C... da totalidade dos pedidos; b) julgar totalmente improcedente a reconvenção e, consequentemente, absolvem-se os AA, F... e A..., da totalidade do pedido reconvencional.

Custas da acção a cargo dos AA e da reconvenção a cargo da Ré, nos termos sobreditos.

”.

Não se conformando com o assim decidido, apelaram os autores Remataram as suas alegações com as seguintes conclusões: ...

A apelada apresentou contra-alegações, requerendo a improcedência da apelação e subsidiariamente a ampliação do objecto do recurso.

Apresentou as seguintes conclusões: ...

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II - Principais questões a decidir Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 - NCPC), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: 1ª) se a matéria de facto se encontra incorrectamente julgada, devendo ser alterada; 2ª) se foram integralmente liquidados os créditos para garantia dos quais foram constituídas as hipotecas referidas nos pontos 4º) a 7º) dos factos descritos como provados, com a consequente extinção de tais garantias reais; 3ª) se os créditos da C... sobre a sociedade F..., Lda se extinguiram por consequência da extinção da personalidade jurídica daquela sociedade decorrente do cancelamento da sua matrícula por sua vez decorrente do encerramento do processo de insolvência subsequente à liquidação do património da insolvente e rateio do produto da liquidação, com a consequente extinção das garantias reais (hipotecas) daqueles créditos; 4ª) se a subsistência dos créditos da C... sobre a sociedade F..., Lda, e das correspondentes garantias reais, apesar da extinção dessa sociedade e da respectiva personalidade jurídica, geram qualquer inconstitucionalidade do art. 730º/a do CC, por colocar os autores numa posição de impossibilidade de exercerem em relação à devedora principal o direito de regresso emergente da satisfação por eles dos débitos garantidos que poderiam ter exercido se a C... tivesse executado aquelas garantias reais antes da declaração de insolvência da devedora principal, com a consequente violação do princípio da igualdade; 5ª) se a sentença recorrida incorreu em nulidade por omissão de pronúncia a que se alude na conclusão 13ª das alegações; 6ª) se a sentença recorrida incorreu em nulidade por omissão de pronúncia a que se alude na conclusão 8ª das contra-alegações.

III – Fundamentação A) De facto Os factos provados ...

Primeira questão: se a matéria de facto de encontra incorrectamente julgada, devendo ser alterada.

1.1.

Sob o nº 10 dos factos descritos como provados, deu o tribunal recorrido como provado o seguinte: “A sociedade comercial “F..., Lda” foi declarada insolvente por sentença datada de 16.06.2011 nos autos de proc. n.º ... do 2º Juízo, por sentença transitada em julgado, qualificada como fortuita, estando a sua matricula cancelada e o processo em...

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